Com o advento da tecnologia, cada vez mais as pessoas tem acesso a diferentes fontes de informações, sejam elas visuais e/ou auditivas. Ao contrário do que ocorria em séculos anteriores, o acesso às informações se dá de forma muito simplificada, com um simples clique no aparelho eletrônico mais próximo. Uma música, que antigamente só poderia ser ouvida em um concerto, reunião familiar, festa ou cerimonial religioso; agora pode ser ouvida dentro de casa, no carro, enquanto se pratica exercícios físicos, ou mesmo durante as atividades profissionais.
Nas últimas décadas a música se tornou onipresente no cotidiano, já que o cérebro humano está cercado por música quer a pessoa queira ou não. Sacks (2007) afirma que:
“Metade de nós vive plugada em IPods, 24 horas imersas em concertos com repertório da própria escolha, praticamente alheia ao ambiente. E para quem não está plugado há a música incessante, inevitável e muitas vezes ensurdecedora nos restaurantes, bares, lojas e academias. Essa barragem musical gera certa tensão em nosso sistema auditivo primorosamente sensível, o qual não pode ser sobrecarregado sem temíveis conseqüências. Uma delas é a grave perda de audição encontrada em parcelas cada vez maiores da população, mesmo entre os jovens e particularmente entre os músicos. Outra são as irritantes músicas que não saem da cabeça, os brainworms que chegam sem ser chamados e só vão embora quando bem entendem.” (p. 57-58)
Tanto na música como em campanhas publicitárias pode-se observar refrões, frases e ritmos musicais que são ouvidos, idolatrados e repetidos pelo público incessantemente. Uma multidão repete de forma uníssona o refrão de uma música, tanto em um ambiente de descontração como em uma festa ou show, até mesmo em ambientes de trabalho ou estudo. A música invade a vida da pessoa, se fazendo presente a todo o momento.
A repetição interminável de uma música, refrão ou jingle publicitário não ocorre por acaso. Segundo Sacks (2007), a indústria musical os cria para que ele seja repetido pelo cérebro, como se fossem introduzidos a força pelos ouvidos como uma lacraia. Para o autor:
“Vem daí o termo em inglês earworms (algo como ‘vermes de ouvido’), se bem que até poderíamos chamá-los de brainworms, ou ‘vermes de cérebro’ (em 1987 uma revista jornalística, para gracejar, definiu-os como ‘agentes musicais cognitivamente infecciosos’)” (p. 51-52)
Exemplos recentes do fenômeno brainworm podem ser vistos no Brasil com cantores do sertanejo universitário, sem esquecer outros gêneros musicais que propagam seu ritmo em territórios nacionais e internacionais. O intérprete da música canta seu refrão, que é rapidamente assimilado pelo público que passa a reproduzi-lo, seja mentalmente seja em voz alta em diferentes situações do cotidiano.
Ao observar e analisar tal fenômeno, vivenciado pelos seus pacientes e por ele próprio, Sacks conclui que:
“Os brainworms costumam ser estereotipados e invariáveis. Tendem a ter certa expectativa de vida, atuando a todo o vapor durante horas ou dias e depois desaparecendo, com exceção de alguns ‘espasmos’ residuais. No entanto, mesmo quando parecem ter sumido, tendem a manter-se à espreita: permanece uma sensibilidade exacerbada, de modo que um ruído, uma associação, uma referência a eles pode tornar a desencadeá-los, às vezes anos depois. E são quase sempre fragmentários. Todas essas qualidades são familiares para muitos epileptologistas, pois elas lembram acentuadamente o comportamento de um pequeno foco epileptogênico de início súbito que irrompe, convulsiona-se e por fim se aquieta, mas fica sempre pronto para reanimar-se” (p. 55)
Segundo Sacks (2007), a melhor explicação para o brainworm se dá quando as esferas neurológica e psicológica são contempladas. Ao enfocar os aspectos neurológicos do fenômeno, pode-se entender os brainworms como a repetição interna automática ou compulsiva de frases musicais, repetição que é característica de um cérebro que apresenta uma acentuada sensibilidade à música.
Para portadores de distúrbios neurológicos, como Parkinson e síndrome de Tourette, a característica neurológica do cérebro humano de repetição ecoante, automática e compulsiva de tons e palavras pode adquirir uma força adicional. Para Sacks (2007):
“Às vezes a imaginação musical normal transpõe um limite e se torna, por assim dizer, patológica, como quando determinado fragmento de uma música se repete incessantemente por dias a fio e às vezes nos irrita. Essas repetições, em geral de uma frase ou tema breve bem definido de três ou quatro compassos, tendem a continuar por horas ou dias, circulando na mente, antes de desaparecer pouco a pouco. Essa repetição interminável e o fato de que a música em questão pode ser banal ou sem graça, não nos agrada ou até mesmo ser abominável, indica um processo coercivo: a música entrou e subverteu uma parte do cérebro, forçando-o a disparar de maneira repetitiva e autônoma (como pode ocorrer com um tique ou uma convulsão).” (p. 51)
Ao longo de sua obra Sacks evidencia como o cérebro humano é acometido por enfermidades, e como muitos sintomas acabam pertencendo ao espectro onde as características neurológicas normais e saudáveis acabam sendo o ponto médio desse continuum. Para o autor, assim como para Skinner, a explicação de uma enfermidade ou de uma característica saudável do cérebro não prescinde da relação entre Neurologia e Psicologia.
No fenômeno brainworm, a esfera psicológica participa da explicação quando analisamos o dado de que nem todas as pessoas apresentam as mesmas repetições musicais. Não necessariamente o refrão de uma música se torna um brainworm para todas as pessoas, já que além da singularidade tonal ou melódica a repetição e sua intensidade dependem da relação entre a música e as emoções e sentimentos a ela associados ao longo da vida do indivíduo.
Segundo Skinner, os sentimentos são comportamentos respondentes (incondicionados ou condicionados), subprodutos de contingências operantes. Para o autor os comportamentos respondentes são as respostas fisiológicas do organismo, como taquicardia, sudorese, dilatação da pupila, etc.
Os sentimentos são produtos colaterais do comportamento, pois há uma correlação direta entre os sentimentos e as contingências em vigor na vida de uma pessoa. Já as emoções são predisposições que alteram a probabilidade de uma pessoa se comportar de determinada maneira, em uma dada situação, devido a conseqüências específicas em comum.
As emoções modificam o organismo como um todo, envolvendo uma grande mudança em todo o repertório comportamental. Ou seja, as emoções são consideradas predisposições para a pessoa emitir uma classe de respostas que comumente está associada a essa emoção.
De acordo com Skinner (1953):
“Definimos uma emoção (…) como um estado particular de força ou fraqueza de uma ou mais respostas induzidas por qualquer uma dentre uma classe de operações (p. 166). (…) O homem ‘raivoso’ mostra uma probabilidade aumentada de lutar, insultar ou de algum modo infligir danos e uma probabilidade diminuída de auxiliar, favorecer, confortar ou amar” (p. 162).
Contudo, o que comumente é designado por “emoção” envolve respostas operantes (emoções) e respondentes (sentimentos), sendo que estas respostas variam juntas porque tem conseqüências semelhantes. Skinner considera as emoções e os sentimentos não como causa, mas como produto das relações de uma pessoa com o mundo, seja este mundo interno ou externo
Portanto, para compreender um brainworm é necessário contemplar as dimensões neurológica e psicológica. Uma compreensão mais aprofundada do fenômeno é elaborada quando essas duas ciências dialogam e não tentam se sobrepujar.
Concluí-se que nos casos de músicas que não saem da cabeça a característica natural de repetição automática e compulsiva de tons e palavras observada no cérebro humano é associada com os significados emocional e sentimental da vivência da repetição.
REFERÊNCIAS
SACKS, Oliver. (2007). Irreprimível: a música e os lobos temporais. In: SACKS, O. Alucinações Musicais. São Paulo, Companhia das Letras.
SKINNER, Burrhus Frederic. (1953). Ciência e Comportamento Humano. The Macmillan Company.