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Diálogos entre Oliver Sacks e B. F. Skinner – Tecnologia, Neurologia e Psicologia

O homem é uma criatura peculiar dentro do nosso planeta em todo o seu período de existência. O cérebro da nossa espécie é altamente desenvolvido, com diversas capacidades como raciocínio abstrato, linguagem e consciência. Tais habilidades, associadas à postura ereta de nosso corpo, possibilitaram o uso dos braços e das mãos para criar, manipular e utilizar ferramentas para alterar o ambiente que o cerca de uma forma única, que nenhum outro ser vivo foi capaz de igualar.

Essa gama de habilidades se deve ao córtex frontal e seu desenvolvimento ao longo dos últimos milhares de anos. O desenvolvimento do córtex frontal permitiu que o cérebro humano fosse o mais inteligente e capaz dentre os cérebros de todas as espécies conhecidas. Sem dúvida muitos animais são capazes de criar ferramentas simples para facilitar seu dia a dia, porém a forma como essas ferramentas são desenvolvidas difere das ferramentas produzidas pelo homem.

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Os animais que também criam e utilizam ferramentas as produzem principalmente através de instinto e mimetismo, enquanto que as ferramentas humanas são muito mais complexas, e estão constantemente em evolução. As habilidades observadas no Homo Sapiens são evoluções das habilidades observadas em outras espécies de forma primitiva. Assim sendo, Darwin estava correto ao afirmar que “a diferença entre a mente de um homem e a de animais evoluídos, grande como é, é certamente uma diferença de grau e não de tipo” (2007).

Quando o ser humano cria uma ferramenta para facilitar o seu dia a dia, a utilização deste objeto acaba produzindo mudanças tanto no ser humano como no próprio ambiente onde ele está inserido. Podemos corroborar essa ideia ao observar as mudanças ocorridas ao longo dos milhares de anos de existência do homem no planeta Terra.

Um exemplo claro de ferramenta ou utensílio que alterou drasticamente a história do homem foi a criação da roda. As práticas do homem na superfície do planeta foram fortemente influenciadas pelo advento da utilização da roda para locomoção, cultivo e tantas outras utilidades que a roda acabou e acaba tendo ao longo da história. A utilização da roda mudou a história do homem no planeta, ao mesmo tempo em que essa ferramenta alterou o próprio homem e sua forma de pensar, sentir e agir.

Skinner defendeu que as consequências de uma resposta emitida por um organismo retroagem sobre esse organismo, alterando-o. Nicolino (2012) explicita melhor essa ideia:

Explicando de maneira bem simplificada, diante de uma determinada situação o organismo emite uma resposta que produz uma consequência. Essa consequência retroage sobre a resposta, aumentando a probabilidade de a resposta voltar a ocorrer no futuro, em situações iguais ou semelhantes.

Se a utilização da roda alterou a existência do homem na Terra, e a si próprio, o que podemos dizer da tecnologia, mais especificamente a tecnologia que está presente em nossos smartphones? Como a série de comportamentos ligados ao uso de smartphones pode alterar o funcionamento do nosso cérebro, alterando a forma como vivemos o nosso dia a dia?

Um estudo feito pelo Instituto de Neuroinformática da Universidade de Zurique concluiu que a utilização de smartphones está provocando uma alteração no cérebro de usuários pela adaptação à nova atividade motora. Os pesquisadores analisaram as reações de um grupo de 37 voluntários através da técnica conhecida como eletroencefalografia ou EEG na sigla em inglês.

Os autores da pesquisa constataram diferenças marcantes nos cérebros de usuários de smartphones quando comparados aos cérebros de pessoas que utilizavam celulares convencionais. Os usuários de smartphones apresentaram maior atividade cerebral em resposta aos toques dados na tela dos aparelhos pelos dedos médio, polegar e indicador. Essa afirmação está ligada à frequência com que se usa o smartphone, já que quanto mais frequente a pessoa usa as teclas de toque, maior é a resposta registrada pelo eletroencefalograma.

Analisando os resultados do EEG, os cientistas concluíram que os usuários de smartphones demonstravam maior destreza no uso dos dedos. Dos 37 voluntários, 26 eram usuários de smartphones com telas de toque e 11 se mantinham fieis aos modelos mais antiquados de celulares. (2014).

Esta importante constatação dos pesquisadores foi possível graças ao mapa criado por eles que indica a porção do tecido cerebral dedicada à operação de uma determinada parte do corpo. Em síntese, eles buscaram criar uma representação da imagem corporal através do eletroencefalograma semelhante à imagem abaixo de Alfred T. Kamajian.

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Na primeira imagem, em verde, está representado o córtex sensorial; em laranja, o motor. A segunda figura representa o córtex motor esquerdo e a última o córtex sensorial esquerdo. Os desenhos de partes do corpo acima dos córtices sensorial e motor representam a proporção da área do córtex envolvida com a percepção sensorial e motora da parte retratada.

Para os pesquisadores da Universidade de Zurique, as áreas do corpo envolvidas no ato de utilizar uma tela de toque, a saber – os dedos; estariam ganhando uma proporção maior na representação acima citada.

Arko Ghosh, que liderou o grupo de pesquisadores da Universidade de Zurique, disse que ficou surpreso pela “escala das mudanças introduzidas (no cérebro) pelo uso de smartphones”. Ele acrescentou que o estudo reforça a ideia de que a onipresença dos smartphones está tendo um grande efeito na nossa vida cotidiana. (2014).

Assim sendo, pode-se afirmar que os cérebros dos usuários de smartphones estão sendo alterados pela operação repetida das telas de toque. Este resultado não é surpreendente se considerarmos a plasticidade cerebral descrita por Nicolino (2011):

Cérebro e comportamento apresentam a mesma característica por estarem intimamente ligados. O comportamento humano acaba existindo porque o cérebro é sua base fisiológica. Quando um organismo emite uma resposta várias sinapses são ativadas para que essa resposta ocorra, sem mencionar a percepção das características do ambiente, que envolve diversas outras sinapses. Não se pode esquecer também a produção da consequência, que retroage sobre o organismo, ativando novamente milhares de outras sinapses, fortalecendo aquela circuitaria cerebral específica envolvida na emissão daquela resposta naquele ambiente específico.

Tanto Skinner como Sacks abordaram em diversos trechos de suas obras a interação entre o comportamento do organismo e a sua circuitaria cerebral, sendo que o comportamento provoca alterações no cérebro ao mesmo tempo em que as condições fisiológicas e morfológicas do cérebro produzem alterações no comportamento. Um não existe sem o outro, e por isso para cada atividade do homem no planeta precisamos considerar a interação entre o comportamento e cérebro para podermos compreender de fato quem é o ser humano.

REFERÊNCIAS

FREEMAN, Scott; HERRON, Jon C. (2007). Evolutionary Analysis. (4ª ed.) Pearson Education, Inc.

BENTHALL, Jonathan.  Animal liberation and rightsAnthropology Today, v. 23, n. 2, p. 1-3, 2007.

NICOLINO, Victor Faria. (2011). Diálogos entre Oliver Sacks e B.F. Skinner – A plasticidade humana. Disponível em: <https://www.redepsi.com.br/2011/07/18/di-logos-entre-oliver-sacks-e-b-f-skinner-a-plasticidade-humana/>. Acesso em 01 dez. 2014.

NICOLINO, Victor Faria. (2012). Diálogos entre Oliver Sacks e B.F. Skinner – Potenciais. Disponível em: <https://www.redepsi.com.br/2012/03/19/di-logos-entre-oliver-sacks-e-b-f-skinner-potenciais/>. Acesso em 01 dez. 2014.

ROBERTS, Michelle. (2014). Uso intenso de smartphones provoca alteração no cérebro. Disponível em: <http://tecnologia.uol.com.br/noticias/bbc/2014/12/26/uso-intenso-de-smartphones-provoca-alteracao-no-cerebro.htm>. Acesso em 26 dez. 2014.

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