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COVID-19 e os impactos psicológicos do isolamento social

Nos últimos ‘longos dias’, a palavra que mais temos ouvido é ‘isolamento’. O isolamento social tem sido discutido na mídia sob diversas perspectivas: epidemiológica, social, econômica, etc. Discutiremos aqui sob a perspectiva da neurociência cognitiva. É consenso na literatura internacional que as medidas de isolamento social, quarentena, distanciamento social e contenção da comunidade têm se mostrado as mais efetivas em termos de prevenção e controle do surto de COVID-19.

Estudos apontam que políticas de mitigação (combinando isolamento domiciliar de casos suspeitos, quarentena domiciliar de pessoas que moram na mesma casa que casos suspeitos e distanciamento social de idosos e outras pessoas com maior risco de doença grave), apesar de não evitarem mortes e a sobrecarga do sistema de saúde, principalmente as unidades de terapia intensiva, podem reduzir o pico da demanda de assistência médica em 2 / 3 e mortes pela metade.

Embora a intervenção primária do isolamento possa alcançar seus objetivos, ela reduz o acesso ao apoio de familiares e amigos, causando sentimento solidão. Acrescente-se a isso o estresse causado pela autonomia reduzida e preocupações com renda, emprego, segurança e assim por diante. Dessa forma, é possível que, com a política de isolamento social, as pessoas desenvolvam algum grau de comprometimento tais como agravamento da ansiedade e/ou de sintomas depressivos. Além disso, é fundamental destacar que o isolamento social vem acompanhado, para a maioria das pessoas de ‘empobrecimento ambiental’, o qual, neste contexto pode ser caracterizado pela redução drástica de atividade física e falta de estimulação cognitiva/mental. Esses impactos negativos em termos de saúde mental são reconhecidos juntamente com os sintomas físicos em termos individuais.

Em termos populacionais os sintomas psicológicos relacionados ao COVID-19 já foram observados. Tais sintomas incluíam síndrome do pânico motivada pela ansiedade e paranóia sobre a participação em eventos da comunidade.

Os efeitos colaterais psicológicos a longo prazo do isolamento em função do COVID-19 já causam preocupação em governos de alguns países. Levantou-se, desde a epidemia de SARS em 2003, a possibilidade de que, sintomas psicológicos podem ter efeitos a longo prazo na saúde das pessoas, especialmente nos profissionais da área da saúde, os quais enfrentam maior carga de trabalho e alto risco de exposição ao vírus, o que gera um impacto negativo na capacidade do sistema de saúde de prestar serviços durante a crise. Mas quais poderiam ser os efeitos psicológicos do isolamento social?
Estudos realizados em nosso laboratório (Laboratório de Neurociência Cognitiva – LaNeC – Unesp – Marília SP) apontaram que o isolamento social (SI) é um fator gerador de ansiedade e, esta por sua vez está relacionada à prevalência de déficits cognitivos. A partir disso questionamos “será que os impactos gerados pelo SI seriam de curta ou de longa duração e, seria possível algum grau de reversão desses impactos por métodos não invasivos?”

Para responder a tais questionamentos realizamos um estudo com ratos albinos da linhagem Wistar (Rattus Norvegicus), considerados ‘animais sociais’. Os ratos foram divididos em três grupos distintos, logo após o desmame (20 dias de idade) e, cada grupo foi submetido a diferentes condições relativas ao isolamento. O primeiro grupo (G1) foi submetido à condição social por duzentos dias, ou seja, ficaram acondicionados em caixas coletivas – padrão de laboratório – em grupos de quatro animais por caixa. O segundo grupo (G2) foi submetido à isolamento social permanente, ou seja, ficaram isolados em uma caixa padrão de laboratório, por duzentos dias e, o terceiro grupo (G3) foram submetidos a isolamento social, a partir do desmame, por sessenta dias, ou seja, na ‘infância’ e, após a fase de isolamento social, foram colocados em condição social, de forma semelhante ao primeiro grupo (G1), por um período de cento e quarenta dias. Os ratos dos três grupos foram avaliados em relação à ansiedade no Labirinto em Cruz Elevado e, em relação à memória espacial no Labirinto Aquático de Morris e, no Labirinto de Barnes em duas fases do desenvolvimento (fase 1 = 100 dias e fase II = 200 dias).

Os nossos resultados indicaram que:
I) a ansiedade / estresse induzidos por isolamento social, especialmente na infância, gera impactos negativos em todas as fases da vida,
II) o isolamento social a longo prazo é altamente prejudicial à cognição e,
III) os impactos negativos da ansiedade induzida por isolamento social são de longa duração, apesar de haver um certo índice de reversão, mediante alterações ambientais, quando, após um período de isolamento social, os sujeitos são expostos a condições sociais.

Mas, neste momento a “implantação de condições sociais”, ou seja, anular a polítiva de isolamento não é viável. Ou seja, a política de isolamento social em decorrência do COVID-19 continua e provavelmente continuará por mais algum tempo, considerando as estimativas da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, que indicam período relativamente longo de duração da epidemia, em função, inclusive do tempo de incubação (1 a 14 dias) e, a definição do pico da doença em diversas regiões do Brasil9.
Sendo assim, qual seria a prevenção aos efeitos negativos do isolamento em pleno isolamento?
Um outro estudo recentemente realizado em nosso laboratório, também com ratos Wistar, acompanhados desde a infância até o envelhecimento, demonstrou que o enriquecimento ambiental gera benefícios durante todo o ciclo vital, favorecendo a formação e manutenção de memória e, reforçando a hipótese de que, o cérebro, ao envelhecer, pode se reorganizar em função de novas demandas/desafios ambientais.
Traduzindo esses resultados para realidade de isolamento vivenciada em função do COVID-19, podemos afirmar que, uma das estratégias preventivas aos impactos psicológicos negativos seria, mesmo em ambientes isolados, o enriquecimento ambiental, caracterizado pela introdução alternada e variada de atividades físicas adaptadas; exposição continuada à ‘possibilidades de aprendizagem’, como por exemplo, ler, assistir filmes, fazer cursos on-line; autoimposição de novos desafios, como por exemplo, aprender e jogar novos jogos, especialmente os eletrônicos, aprender um novo idioma; fortalecer a interação social, mesmo mediante redes sociais, evitar pensamentos negativos, discussões polêmicas desnecessárias e as chamadas fake news.

Portanto, os impactos negativos imediatos e a longo prazo do isolamento social são evidentes e merecem atenção. O enriquecimento ambiental se mostra uma estratégia que pode minimizar tais efeitos. Entretanto, não se pode ignorar que outros protocolos que considerem as necessidades fisiológicas e psicológicas de pacientes com COVID-19, prestadores de serviços de saúde e pessoas que vivenciam o isolamento social devem ser desenvolvidos. Nessa perspectiva, os serviços de ‘telesaúde’, oferecidos pelos governos de Estado e por diversas universidades no Brasil e no mundo têm se mostrado estratégias eficientes de apoio psicológico e orientações relativas à saúde que favorecem a redução do ônus das condições de saúde mental comórbidas e promovem o bem-estar das pessoas afetadas.

Referências
[1] Hopman, J., Allegranzi, B., & Mehtar, S. (2020). Managing COVID-19 in Low- and Middle-Income Countries. JAMA. [Link] [2] Cascella, M., Rajnik, M., Cuomo, A., Dulebohn, S. C., & Di Napoli, R. (2020). Features, Evaluation and Treatment Coronavirus (COVID-19). StatPearls. [Link] [3] Ferguson, N. M., Laydon, D., Nedjati-Gilani, G., Imai, N., Ainslie, K., Baguelin, M., … Ghani, A. C. (2020). Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand. Imperial.Ac.Uk, 3–20. [Link] [4] Smith E. (1985). M. Ethnic minorities: Life stress, social support, and mental health issues. Couns Psychol,13:537–579. [Link] [5] Collet, N. (2020). Coronavirus update: more COVID-19 cases conformed acriss Australia as shoppers stock up on toilet paper, groceries. [Link] [6] Australian Government Department of Health. (2020). Coronavirus (COVID-19). [Link] [7] Lai, L. (2020). Fear and panic can do more harm than the coronavirus, says PM Lee Hsien Loong. 2020. [Link] [8] Maunder, R.G. (2009). Was SARS a mental health catastrophe? Gen Hosp Psychiatry, 31:316-317. [Link] [9] Fiocruz. (2020). Covid-19: relatório apresenta estimativa de infecção pelo vírus no país e os impactos no SUS. [Link] [10] Zhou, X., Snoswell, C. L., Harding, L. E., Bambling, M., Edirippulige, S., Bai, X., & Smith, A. C. (2020). The Role of Telehealth in Reducing the Mental Health Burden from COVID-19. Telemedicine and E-Health. [Link]

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