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O Édipo como estrutura que funda o sujeito humano

A estrutura do desfiladeiro edípico, o Édipo, é o eixo de humanização do sujeito humano. O Édipo é aquilo que garante ao sujeito o acesso à sua individualidade; a poder dizer eu sou.
A estrutura do desfiladeiro edípico, o Édipo, é o eixo de humanização do sujeito humano. O Édipo é aquilo que garante ao sujeito o acesso à sua individualidade; a poder dizer eu sou. A biologia nos mostra a indefensa em que se encontra o infans humano. Ela também nos indica que a matéria viva tende a afastar todo e qualquer estímulo que interrompa o seu nível de equilíbrio (princípio de homeostase). A matéria viva, o organismo do infans, rejeita tudo aquilo que possa lhe romper a homeostase. A fome constituirá o primeiro rompimento desta homeostase (em termos extra-útero). A fome, ao surgir este primeiro estímulo incômodo, fará com que o infans denuncie este golpe, chorando, com vistas a tentar de alguma forma, retornar ao estado de equilíbrio inicial (homeostase).

Deverá haver, então, um agente, no exterior, que cumpra esta primeira tarefa de fazer retornar o infans a sua homeostase original. O estímulo rompe a homeostase. Ele elemento exterior cumprirá a tarefa de afastar este estímulo incômodo. Fornecendo alimento estará, então, cumprindo uma função que a psicanálise denominará de função-mãe: f(m).

O termo f(m) nos permite ampliar a compreensão epistemológica e hermenêutica do processo edípico, dado que esta função não necessita obrigatoriamente ser desempenhada pela mãe biológica. Poderá sê-lo por qualquer pessoa do sexo feminino que supra as necessidades iniciais do infans.

Ao retornar à homeostase, a f(m) assim procedendo com o infans, oferecendo-lhe o seio e, através dele, o alimento destinado a suprimir o estímulo desagradável (fome), ela estará abrindo o caminho do infans à sexualidade. O que supre é o leite e não o seio. Contudo, o seio constituir-se-á em fonte de sensações prazerosas, ao contacto com a boca e a língua.

Isto significa que existirá então uma partilha. De um lado a supressão do estímulo (fome) pela ingestão do leite. De outro lado, uma função que se tornará independente – o prazer – advinda do contacto com o seio. É o que a psicanálise chama de experiência de satisfação. O erógeno tornar-se-á independente do estímulo da fome.

A (f(m) é responsável pelo intercâmbio com o infans de suportes de sobrevivência: leite, carinhos, carícias, negociações, etc… que serão os elementos constitutivos de seu inconsciente. Ela tem, portanto, a função de tornar um organismo meramente biológico, em um ser necessariamente sexualizado,. Um ser capaz de reter estímulos. O Édipo constitui-se nesta operação de resistência do biológico em reter estímulos.

Ao cuidar do infans, a f(m) institui-lhe a sexualidade, através da abertura (inscrições de prazer), em seu corpo, de regiões de prazer – zonas erógenas – espécies de válvulas por onde a libido escorrega, parcialmente para o exterior.

A f(m) abre, então, para a criança o circuito à sexualidade. Ao fazer sobre-viver o infans e em ajudá-lo no difícil e necessário trânsito até a Cultura, ela torna-se o objeto de desejo do sujeito. O sujeito infans e o elemento da f(m), no início são um só.

Assim, a única possibilidade de sobrevivência para o infans é submeter-se às regras desta relação, i.e., ele deverá tornar-se o desejo do desejo da mãe. Ocupará o lugar da onipotência. O lugar que ocupará será o lugar designado pelo desejo da mãe.

Entretanto, se esta forma de relacionamento continua, o infans não consegue estabelecer-se como ser individual. É necessário que intervenha um terceiro elemento que rompa esta perfeita coincidência entre f(m) e infans. Este terceiro elemento, produtor da diferença, é o efetivo responsável pela separação de ambos. Este elemento será designado pela psicanálise como o da função pai f(p).

Não basta que haja um pai fisicamente por perto, para garantir a cisão da célula narcísea mãe-filho. É necessário que a mãe aceite este elemento, que estará desempenhando esta função, como legítimo.

É necessário que a mãe dirija-se a este elemento. É necessário que a mãe deseje este elemento. Desta forma, o infans romperá sua onipotência e aceitará o rompimento da célula narcísea. Daí que a castração dá-se na mãe e não no infans. Ao dirigir-se a este outro, a mãe dirige também a criança a ele.

Da mesma forma que a f(m), o constituinte da f(p) não necessariamente precisa ser igual ao pai biológico. Poderá ser qualquer coisa: a profissão da mãe, o avô, o tio, os ideais da mãe; qualquer coisa que retire o olhar da mãe de sobre o infans. Isto é, se a mãe retiver-se somente sobre o infans e nada mais desejar, não possibilitará o rompimento da célula narcísea.

Ao desejar qualquer outra coisa, para lá também irá o infans. Se a mãe não desejar o pai, e suas palavras não puderem ser ouvidas, então, pelo infans, isto é, se a mãe ditar a lei ao pai, de modo que este apareça como inexistente ao infans terá aberto o caminho do infans à homossexualidade masculina. Não tendo outra forma de escolher um modelo de identificação que não a mãe, o infans identificar-se-á com ela, e escolherá como seu parceiro alguém que, em seu imaginário, será ele próprio.

Daí que a Biologia, apenas, não garante o ser-humano. A f(p) é responsável por apresentar ao sujeito masculino um modelo de identificação, que formará o seu Ideal-do-Eu, que será a confluência de seu narcisismo primário (onipotência infantil) e do modelo imaginário (deste pai). Ao renunciar ao seu desejo originário, o desejo pelo primeiro objeto – f(m) – que lhe garantiu a sobrevivência, lhe instituiu a sexualidade e lhe forneceu um quantum libidinal e, ao identificar-se com este outro elemento- f(p) -, o sujeito está apto, então para ek-sistir na cultura, no simbólico, podendo, assim dizer eu sou.

Somente poderá dizê-lo, se tiver operado estas duas fases:
a) renúncia a este primeiro objeto (que passa a ser o fundador de seu desejo e que estará inscrito no seu inconsciente);
b) identificação com o pai f(p) que lhe fornecerá um modelo para a execução deste quantum libidinal, porém, agora, em regime exogâmico.

Desta forma, obtemos a compreensão do que é, então, uma família. A estrutura familiar, tal como existe em nossa cultura, é este mecanismo através do qual estas funções ; f(m) e f(p), permitem conduzir esta problemática metamorfose do animal humano de um universo meramente biológico, natural e imediato a um mundo substituto deste, regulado pela palavra, simbólico e cultural.

As funções que a família executa sobre o sujeito, sintomaticamente, instituem-lhe a sociedade, integram-no no simbólico. A família é o representante da sociedade perante o sujeito. O simbólico fala no sujeito, através da boca dos pais. O que é então tornar-se humano? É passar de um estado natural, submetendo-se a uma estrutura familiar (em nossa cultura) que é o representante da cultura perante o sujeito e tem a função de introjetar–lhe o simbólico para que este possa ek-sistir como ser individualizado. Como nos ensinou Lacan: A criança sofre a sociedade, e não tem outro recurso que submeter-se a ela ou soçobrar na doença. O simbólico pré-existe ao sujeito. Este deve adaptar-se a esta sobre-determinação para tornar-se humano.

O destino do animal humano, a partir daí, é ek-sistir simbolicamente, isto é, através da palavra, da linguagem. Porém ao mesmo tempo que pode dizer eu sou, não estará se referindo a si mesmo mas a uma representação de si. A palavra permite o afastamento da vivência pois engendra a morte do real. Permite nomear e daí vivenciar.

A psicanálise atinge aí a radicalidade do sentido da alienação do ser-humano. Este falará a linguagem da cultura, existirá no simbólico. O sujeito do desejo, porém, é o sujeito do inconsciente. Este sujeito, banido da cultura, este exilado, insistirá em se realizar naquilo que a psicanálise sabiamente denomina de formações de compromisso ou formações do inconsciente: Sonhos, atos falhos, chistes, lapsos e sintomas.

Os seres humanos relacionam-se entre si através da linguagem. Esta é a civilização do simbólico. Ao instituir a linguagem como condição do ser-social, ao exigir a troca, a substituição, a metamorfose, a simbolização do natural pela palavra, a cultura exige do sujeito sua submissão a esta norma. Desta forma, o simbólico torna-se o supra-individual, algo que está para além de todos nós, que não pertence a ninguém e que se constitui na condição mesma de que possamos ser-humanos. É aqui que situamos aquilo que Lacan chama de Outro.

O Outro, para Lacan é o lugar do código, da convenção significante, daquilo que está para além dos sujeitos falantes, envolvidos num diálogo. É o lugar do saber inconsciente.

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