RedePsi - Psicologia

Colunistas

A angústia em Freud

A angústia ocupa um lugar de fundamental relevância em toda a teorização freudiana. A partir da Primeira Teoria da angústia, ou Teoria Tóxica da Angústia, Freud evolui para a Segunda Teoria, onde a angústia passa a estar ligada às pulsões de auto-conservação, e tendo a sua percepção através do Ego, embora sua sede esteja no Id.

Da leitura das Obras Completas de Sigmund Freud, podemos identificar, no que tange à temática da angústia, duas aproximações subseqüentes.

Antes de considerarmos as duas teorias citadas, queremos estabelecer uma diferenciação em relação aos termos ansiedade e angústia. A ansiedade apresenta uma conotação de referir-se a “… vivência de sofrimento determinada por um conflito interno. Já quanto ao termo angústia, essa designaria “… o aspecto global, abrangendo a ansiedade mais as manifestações somáticas decorrentes do estado de tensão e sofrimentos internos”. Em acréscimo, ressaltamos que o termo angústia estaria alinhado, dentro do corpo teórico, aos conceitos de neurose de angústia e histeria de angústia.

A primeira teoria da angústia:

Ocorre cronológicamente entre os anos de 1905 a 1926, tendo ocorrido apenas ligeiras modificações nesse período. O trabalho mais importante ao qual está referenciada a primeira teoria da angústia, é “Os Três Ensaios sobre a Sexualidade”, de 1905. Fazemos constar que já haviam índicios dessa contextualização a partir de 1892.

No rascunho “E”, intitulado de “Como se origina a angústia”, vamos encontrar Freud extremamente taxativo ao dizer: “A angústia reconhece uma etiologia sexual”. Da observação clínica, entendeu que a angústia consiste numa descarga aberrante, no entanto desviada, da excitação sexual insatisfeita. No âmago dessa teorização sobre a angústia, encontramos a concepção econômica em toda a sua expressão. Voltando aos “Três Ensaios”,verificamos a postulação de que “A angústia é a conversão da libido não satisfeita”.

Em 1917, nas “Conferências Introdutórias à Psicanálise”, em especial no capítulo “25”, vamos nos defrontar com a citação de que: “este é um fenômeno corrente, não exclusivo do âmbito da psicopatologia, ocorrendo por exemplo, diante da percepção de um perigo real”. É preciso que fique patente que essa angústia, concebida como um reflexo de fuga, encontra-se circunscrita às pulsões de auto-conservação. Se considerarmos a expressão Realangst-Neurotische Angst, deveremos considerar que “real”, encontra-se como substantivo e não como adjetivo, fato que facultaria a tradução, como angústia do real ou angústia frente ao real. Ao estabelecermos um maior nível de refinamento, obteríamos a expressão: angústia frente a um perigo real. Esta expressão, no entanto,está em oposição ao conceito de angústia neurótica, a qual fica referida a um perigo fantasiado. O que deve ficar claro é que ambas, ou seja, a angústia real-real e a angústia neurótica são reais.

Algumas considerações sobre a angústia real ou a realidade da angústia:

Trata-se de uma atitude das mais relevantes, instruir, preparar e informar o mais adequadamente possível uma pessoa que esteja em vias de enfrentar um fato real externo, como por exemplo, uma intervenção cirúrgica. Contudo e paradoxalmente, o inverso também pode ser verdadeiro, isto é, um saber demasiado sobre determinadas coisas e poder compará-las com os dados obtidos na realidade, pode ser capaz de gerar até pânico. Na verdade, o real está ligado aos afetos causadores de desprazer e desencadeados por esse mesmo real.

Objetivando a fuga, o sujeito desenvolve uma série de processos energéticos que acabam por ser efetivados pelos aparelhos musculares e neurovegetativos, que são denominados afetos.*

*afeto: não é aqui entendido no seu sentido usual, de sentimento, e sim no sentido atribuído por Mac Lean(1952), englobando todas as manifestações neuroendócrinas que acompanham as reações emocionais dos organismos, como taquicardia, vasoconstrição, hiperpnéia, etc.

Nesse momento do trabalho que ora desenvolvemos, adentramos na existência de duas situações especiais:

A angústia real possui dois aspectos:

Um, de preparo para o perigo, uma vez que será suficiente um desencadeamento mínimo de angústia para provocar as reações neurovegetativas necessárias à luta ou à fuga. Aquí, estamos diante do Sinal de angústia, ou Angústia-sinal.

Um outro aspecto é de ordem irracional, e se constitui no que é denominado como o desenvolvimento da angústia, processo também conhecido como sendo o ataque de angústia. Esse não é condizente com as situações de luta ou fuga. Na esteira dos trabalhos de Jean Laplanche, a angústia real tem um desencadeamento objetivo, concreto e exterior, mas também tem um desenvolvimento patológico descontrolado, podendo ter o seu ápice, numa reação de pânico. Assim, podemos considerar que,subjacente a uma angústia real, na maioria dos casos, existe uma angústia neurótica.

A segunda teoria da angústia:

Em 1926, Freud publicou o trabalho “Inibições, Sintoma e Angústia”,o qual aparece como um paradigma para uma reformulação em relação à primeira teoria da angústia. Dessa forma, um conceito de extrema importância, sem o qual seria impossível entendermos a segunda teoria da angústia, é o Complexo de Castração, o qual foi elaborado entre 1908-24. Recordemos que o Complexo de Castração, e as angústias a ele ligadas, aparecem contemporâneamente à uma resposta à curiosidade sexual infantil. A bem da verdade, acaba por constiutir-se em uma teoria explicativa das diferenças sexuais anatômicas. Jean Laplanche reputa essa questão como “um problema de origem, e como tal só encontram suas respostas em mitos. Então, a castração é tanto uma teoria como um mito.

Ao abordarmos o Complexo de Castração, tratamos das diferenças, isto é, da presença ou da ausência. Por toda a sua existência então, o indivíduo irá fantasiar mitológicamene a partir da sua realidade anatômica, que se houve um “cerceamento”, haverá a possibilidade de uma recidiva. Sem sombra de dúvida, o Complexo de Castração, remete diretamente ao conceito de Narcisismo(1914). Para Freud, a criança acreditaria na existência de um único sexo: “a primazia do falo”. Uma importante constatação que devemos levar em consideração, é que no menino, o Complexo de Castração, ocorre como uma espécie de conclusão do Complexo de Édipo. Já na menina, o Complexo de Castração inaugura a sua entrada no referido Complexo.

A- O Complexo de Castração na Segunda Teoria da Angústia:

Antes mesmo da perda fantasiada do pênis, existiriam na vivência do indivíduo, outras perdas, sendo que a primeira delas é a perda do útero pelo ato do nascimento. Gostaria aqui de apenas pontuar, que essa temática foi palco de uma acirrada discussão entre Freud e Otto Rank (“O Trauma do Nascimento” e “O Mito do Nascimento do Herói”). Na sequência, a vivência do desmame é considerada a segunda grande perda, acompanhada dos afetos-angustias correspondentes. Posteriormente, na fase anal, a perda das fezes, num alinhamento simbólico das fezes como representantes do falo.

B-Inibição, Sintoma e Angústia:

O conceito de angústia automática: entendida como uma reação do sujeito frente a um afluxo de excitações, as quais não consegue dominar. A angústia automática tem como paradigma o trauma do nascimento. Os conteúdos dessa angústia são da ordem das pulsões de auto-conservação, onde “a realidade está em seu ponto máximo e o perigo é hiper-real. Na verdade, se trata de sobreviver ou não”.(Jean Laplanche). Para Freud, o nascimento seria o protótipo de todas as posteriores situações de perigo.

Uma Importante Observação: na fase oral, o objeto que se perde está fora( seio-leite) e a criança está à mercê dele. Na fase anal, o objeto pertence ao próprio corpo(fezes). Ao nível fálico-genital, a angústia tem também como tema a perda, porém não haverá nada real-concreto que se perca, sendo que aqui a significação é tudo. Estamos diante do nível simbólico. A bem da verdade, o indivíduo teme perder algo que nunca sentiu, nem viu perder, sendo que esse medo se apóia necessáriamente nas perdas que sentiu perder corporal e anteriormente.

Sinal de Angústia ou Angústia-sinal:

O afeto angústia é uma reação geral frente a um perigo e encontra-se localizada no EGO, uma vez que só ele pode experienciar esse afeto desagradável.

Nesse momento teórico, a angústia já não é provocada pelo acúmulo de energia pulsional(Primeira Teoria). Ao contrário, são as séries de significações desencadeadoras da angústia(angústia de castação), que provocam o recalque.

Segundo à posição de André Green, “existe uma polissemia da situação perigosa, já que os perigos temidos se remetem uns aos outros, formando uma rede onde o sujeito fica aprisionado”( “ La concepción psicoanalítica del afecto”).

Em todas as fases do desenvolvimento, verificamos o medo frente ao abandono total, mas nas fases adultas, qualquer elemento ameaçador está sempre ligado à perda de alguma coisa hipercarregada narcísicamente e cujo modelo ou corolário é o pênis. Finalmente, mais uma citação sobre a angústia: “Não existe uma angústia no Ego e outra angústia no Id. Toda angústia se dá no Ego, mas como é lógico,é proveniente do Id.

Sugerimos aos leitores que façam as suas próprias digressões à respeito. Assim, como poderiam ser sentidas, à luz dos comentários anteriores, as “perdas” do cotidiano, a exemplo da perda de um emprego, de um(a) namorado(a), de uma determinada posição social e econômica e, por último,mas não menos importante, a “perda do(a) analista”. Todas essas perdas, referenciadas a ferida narcísica, proveniente da fantasia de abolição de um controle fálico. Muitas vezes, o que se supõe ser desejado,está confusionado com a necessidade de retenção de caráter fálico-narcisista.

Bibliografia auxiliar:

= “Algumas Consequências Psíquicas das Diferenças Sexuais Ana-
-tômicas”.

= “Os Três Ensaios para uma Teoria Sexual”.

= “Introdução ao Narcisismo”.

= “O Caráter e o Erotismo Anal”.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter