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[Orientação de Pais] Filho de peixe…

Por que os pais educam os filhos da maneira como o fazem? Alguém pode ensinar um pai a ser pai ou uma mãe a ser mãe? Quem sabe mais a respeito dos filhos do que os próprios pais, enquanto eles ainda são bem crianças?

Muito provavelmente você já ouviu um pai dizendo: “Estou fazendo igualzinho ao meu pai. Sempre disse que, quando fosse pai, faria diferente dele, mas estou repetindo exatamente as mesmas coisas…” Pais, na interação com seus filhos, costumam repetir o que aprenderam na relação com seus próprios pais, pois a experiência anterior em suas famílias de origem contribui imensamente para o desenvolvimento do repertório de “ser pai”, ou seja, do seu estilo parental – termo que vem sendo empregado pela literatura (Weber e cols., 2007; Teixeira e Lopes, 2005; Weber, Brandenburg e Viezzer, 2003; Gomide, 2006).

De acordo com a Análise do Comportamento – prática da Psicologia fundamentada na abordagem conhecida por Behaviorismo Radical – isso ocorre porque comportamento é algo aprendido e mantido pelas situações atuais e de história de vida da pessoa. Assim, uma determinada maneira de agir de uma pessoa se dá em função de variáveis que estão e que estiveram presentes em sua vida, como aspectos da relação do indivíduo com o mundo, conceitos e tradições culturais, sociais e familiares (Skinner, 1981). Qualquer conduta, seja ela adequada ou não, é inicialmente aprendida no âmbito familiar: o primeiro, e muito provavelmente o mais influente, ambiente social da criança. A relação estabelecida entre pais e filhos desde os primeiros momentos da vida da criança é, sem dúvida, muito importante para o seu desenvolvimento global. É nesse contexto que a criança vai aprender e desenvolver repertórios de socialização, de interação com demais pessoas, de resolução de problemas e inúmeras outras condutas (Conte, 2001; Rocha e Brandão, 2001; Marinho e Silvares, 2000; Banaco e Martone, 2001, Ingberman, 2001).

Pode-se dizer que são os pais que primeiro ensinam e preparam as crianças a entenderem e a se relacionarem com o mundo da forma como farão ao longo de grande parte de suas vidas. Esse aprendizado se dá de várias formas. A interação com os pais e o modelo que eles fornecem são elementos fundamentais para a formação de padrões de comportamentos de uma pessoa. Sendo desse modo, é muito comum que alguém faça algo de forma semelhante ao realizado por outra pessoa que lhe serviu de modelo, mesmo que não concorde com a maneira desse modelo se comportar. Isso porque, quando alguém exerce grande influência na vida de uma outra pessoa (como os pais exercem com seus filhos) aquele alguém muito provavelmente se tornará um modelo a ser repetido, especialmente se quem segue o modelo não tem a oportunidade de aprender maneiras diferentes de agir numa mesma situação (Skinner, 1981). Pesquisas desenvolvidas a respeito de possíveis relações que podem existir entre a maneira de um pai educar um filho e padrões de comportamentos da criança, demonstram que filhos de pais autoritários tornam-se pais autoritários, filhos de pais negligentes podem ser também negligentes com seus filhos, enquanto filhos de pais participativos muito comumente tornam-se pais presentes e envolvidos com a vida da criança (Weber e cols., 2007; Teixeira e Lopes, 2005; Weber, Brandenburg e Viezzer, 2003; Alvarenga, 2001).

Vê-se, pois, que padrões de comportamentos costumam perpetuar através das gerações, uma vez que se tratam de repertórios aprendidos a partir da vivência com e da observação de um modelo muito influente (Marinho, 2001).

Por vezes, os pais encontram grandes dificuldades com relação à maneira de educar seus filhos. Essas dificuldades têm se tornado mais conhecidas, pois os pais têm solicitado mais por ajuda. Criar um filho não é tarefa fácil, muitas vezes parece mais prático e econômico simplesmente reagir, cedendo a birras e má-criações, ou negligenciar as necessidades e solicitações das crianças. Em outras situações, ainda, a exigência associada ao excesso de regra e limites parece ser o caminho mais seguro para garantir que um filho seja da maneira como os pais gostariam que ele fosse. Assim, as queixas mais freqüentes dos pais se relacionam às dificuldades de impor regras e limites, além da dúvida a respeito de como proceder para ensinar aos filhos maneiras adequadas deles agirem nas mais diversas situações (Marinho, 2001).

Em meio a essas dificuldades, muitos pais podem acabar fazendo uso de punições, pois essa prática leva a criança a parar de se comportar no momento em que é castigada ou reprimida. No entanto, com isso, a criança não aprende outras maneiras de agir diante da mesma situação, mas sim que não deve fazer daquela forma na frente daquele adulto. Então, logo que o pai ou a mãe não estiver mais por perto, é muito provável que o comportamento indesejado volte a aparecer. Além disso, as crianças podem começar a apresentar comportamentos de oposição, classificados como birra ou rebeldia, se não encontram outra forma de driblar a situação aversiva (Alvarenga, 2001; Banaco e Martone, 2001).

Somam-se às dificuldades encontradas na tarefa de educar um filho, conceitos a respeito da criação, que podem ser provenientes tanto de tradições familiares quanto culturais. É comum ouvir dizer que, quando a criança faz coisas erradas, deve apanhar. Ainda, o dia-a-dia dos pais influencia em muito a maneira deles lidarem com a criança. Isso porque, se o pai tem um dia estressante, não terá condições de apresentar a mesma paciência que teria com o filho se não tivesse enfrentado qualquer problema mais complicado, antes do momento de estar com ele. Problemas conjugais, o divórcio ou simplesmente a necessidade de criar um filho sem a presença do pai ou da mãe também interferem na maneira dos adultos agirem com suas crianças. A falta de apoio do cônjuge ou de outros familiares também se torna um fator relevante, no que tange a educação de um filho (Conte, 2001; Marinho, 2001; Moraes e Murari, 2000, Ingberman, 2001).

Nesse contexto, qualquer necessidade mais específica da criança ou qualquer comportamento capaz de produzir o mínimo de irritabilidade nos pais adquire proporções realmente maiores. Outros problemas enfrentados pelos pais, como doenças crônicas, dificuldades financeiras, sintomas depressivos ou de outros transtornos psiquiátricos, a necessidade de deixar a criança sob cuidados de outros adultos que não lidariam como ela da mesma forma que seus pais, também são variáveis a serem levadas em consideração. Além disso, o fato da criança ser deseja e vir num momento em que os pais se sentem preparados e dispostos a educar, faz toda diferença. Para evitar que os problemas enfrentados pelos pais tenham um efeito tão acentuado na formação de um filho, é importante que eles tenham um certo grau de autoconhecimento, ou seja, possam saber minimamente o que sente na situação e porque fazem o que fazem com a criança. Na medida em que alguém tem maior conhecimento de sua maneira de agir, estará mais apto a modificar seu comportamento, assim como ampliar suas habilidades enquanto pai ou em qualquer outra área de interesse (Rocha e Brandão, 2001).

Isso contribui para que os adultos tenham condições de educar seus filhos de um modo mais favorável aos dois lados da relação pais-filhos. Negligência, por exemplo, é algo grave, mas os pais podem não saber que estão sendo negligentes. Daí a necessidade sentida por analistas do comportamento de desenvolver trabalhos de orientação de pais; trabalhos esses que possam lhes conscientizar a respeito de suas condutas com as crianças e lhes ensinar novos repertórios para educarem seus filhos. Mudanças nos comportamentos dos pais, sejam relacionadas à educação dos filhos ou não, refletirão em alterações do comportamento da criança (Rocha e Brandão, 2001). Dessa maneira, o psicólogo trabalha também de forma preventiva. É preciso olhar para os pais como alguém que também tem uma história de vida, uma bagagem para lidar com seus problemas e dificuldades, assim como para educar seus filhos, seja ela consciente ou não. Portanto, os pais também não têm como nascer sabendo ser pai ou mãe, eles também precisam aprender e desenvolver esse repertório a partir do que receberam em suas famílias de origem, na própria relação com suas crianças e, sendo possível, por meio de orientações adequadas e fundamentadas em pesquisas e estudos que demonstram os efeitos que a educação pode produzir na pessoa em fase de formação. Pais podem aprender a ser um “peixe-pai” ou um “peixe-mãe” diferente de seus próprios pais.

Referências:

ALVARENGA, P. (2001) Práticas Educativas Parentais como Forma de Prevenção de Problemas de comportamento. In GUILHARDI, H., MADI, M. B. B. P., QUEIROZ, P. P., SCOZ, M. C. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 8 (p. 54-60).

BANACO, R. A. e MARTONE, R. C. (2001) Terapia Comportamental de Famílias: Uma Experiência de Ensino e Aprendizagem. In In GUILHARDI, H., MADI, M. B. B. P., QUEIROZ, P. P., SCOZ, M. C. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 7 (p. 200-205).

CONTE, F. C. de S. (2001) Promovendo a Relação entre Pais e Filhos. In MALY, D. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 2 (p.)

GOMIDE, P. I. C. (2006) Inventário de Estilos Parentais – IEP. Modelo teórico – Manual de aplicação, apuração e interpretação. Petrópolis, RJ: Vozes.

INGBERMAN, Y. K. (2001) O Estudo de Padrões de Interação entre Pais e Filhos: Prevenção da Aquisição de Comportamentos Desadaptados, Embasamento para a Prática Clínica. In GUILHARDI, H., MADI, M. B. B. P., QUEIROZ, P. P., SCOZ, M. C. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 8 (p. 227-233).

MARINHO, M. L. (2001) Comportamento Infantil Anti-Social: Programa de Intervenção Junto à Família. In KERBAWY, R. R. e WIELENSKA, R. C.(org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 4 (p. 204-212).

MARINHO, M. L. e SILVARES, E. F. de M. (2000) Modelo de orientação a Pais de Crianças com Queixas Diversificadas. In WIELENSKA, R. C. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 6 (p. 165-178).

MORAES, C. G. de A. e MURARI, S. C. (2000) Intervenção Grupal Junto a Famílias do Divórcio. In WIELENSKA, R. C. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 6 (p. 187-194).

ROCHA, M. M. e BRANDÃO, M. Z. da S. (2001) A Importância do Autoconhecimento dos Pais na Análise e Modificação de suas Interações com os Filhos. In MALY, D. (org.) Sobre Comportamento e Cognição – Vol. 2 (p.)

SKINNER, B. F. (1981) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo, SP: Martins Fontes.

TEIXEIRA, M. A. P. e LOPES, F. M. de M. (2005) Relações entre estilos parentais e valores humanos: um estudo exploratório com estudantes universitários. Universidade Federal de Santa Maria – Aletheia, n.22 Canoas – PEPSIC

WEBER, L. N. D., BRANDENBURG, O. J. e VIEZZER, A. P. (2003) A relação entre o estilo parental e o otimismo da criança – PsicoUSF v.8 n.1 Itatiba jun. – PEPSIC.

WEBER, L. N. D. e colabores (2007) Estilos e Práticas Parentais e Determinantes para o Desenvolvimento e Socialização de Crianças e Adolescentes. Universidade Federal do Paraná, setor de Ciências Humanas, Letras e Artes – departamento de Psicologia, Núcleo de Análise do Comportamento.

Autora: Mariana Mercaldi é terapeuta analítico-comportamental em São Paulo, graduada em Psicologia pela PUC-SP e bolsista do curso de Especialização de Clínica Análítico-Comportamental do Paradigma. Contato: [email protected]

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