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Saúde mental nas organizações: Uma conversa necessária

As relações entre homem e trabalho são complexas e, ao falar em saúde mental, devemos considerar que estas relações devem ser examinadas de acordo com o tempo, lugar e a organização em que este trabalhador está inserido. Quadros como ansiedade, depressão e abuso de substâncias atingem empregados, seus familiares e colegas de equipe. Isso provoca, num curto espaço de tempo, a deterioração das relações sociais no ambiente de trabalho, desmotivação, queda de produtividade e acidentes durante a execução das tarefas diárias (WHO, 2005a).

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As empresas, especialmente as de médio e grande porte, são complexos sistemas de interação social que tanto podem estar operando a pleno vapor – batendo metas de produtividade – como podem estar a beira da falência. Assim como os indivíduos têm sua própria personalidade, as instituições também são únicas e possuem personalidade ímpar (BERGAMINI e TASSINARI, 2008). A Psicologia tem muito a contribuir com uma visão de entendimento dos processos e relações que ocorrem nas organizações, não só no que tange à sua capacidade de produção, mas também no que se relaciona ao bem estar e saúde das pessoas que dão vida e sentido à empresa.

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A reestruturação produtiva que tem acontecido nas últimas décadas levou ao que conhecemos como Globalização, perpetrando grandes mudanças nas relações humanas dentro das empresas e na saúde mental de seus empregados. No sofrimento mental relacionado ao trabalho e em suas expressões mórbidas, é a subjetividade do indivíduo que é atingida. A subjetividade é construída ao longo das experiências sociais e da existência de cada ser humano (JEX, 2002).

A urgência de maior produtividade, associada à redução contínua do contingente de trabalhadores, a pressão do tempo e ao aumento da complexidade das tarefas, além de expectativas irrealizáveis e as relações de trabalho tensas e precárias, podem gerar tensão, fadiga e esgotamento profissional, constituindo-se em fatores psicossociais responsáveis por situações de estresse relacionado com o trabalho (GUIMARÃES, 2006).

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Este modelo começou a gerar sérios problemas, pois a produção nos padrões estabelecidos pelas empresas tornou-se prioridade, em detrimento da saúde e qualidade de vida dos funcionários. Entedia-se que o sujeito poderia adoecer por efeito do contato com substâncias tóxicas, por ingestão de alimentos contaminados, mas nunca se deu destaque ao fato de que o trabalho em si pode ser o fator morbigênico principal, talvez o único. Quem não se lembra de uma cena em particular de um filme de Charlie Chaplin ?

Os impactos da rotina diária, com repetição de regras e procedimentos modificam de maneira significativa o comportamento do indivíduo. De de maneira geral, a idéia de repetição extenuante não é muito atraente ao ser humano. Levar uma vida num eterno ciclo vicioso soa mais como um castigo, triste destino de prisioneiros e escravos, do que como um estilo normal e saudável (SCHABRACQ, 2003).

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Em 1999 entrou em vigor a portaria nº1339 do Ministério da Saúde, que institui a Lista de Doenças relacionadas ao Trabalho, adotada como referência dos agravos originados no processo de trabalho no Sistema Único de Saúde – SUS -, para uso clínico e epidemiológico. Entre os transtornos citados, estão os ocasionados pelo abuso de álcool; estresse; transtornos de adaptação e os quadros depressivos. Os distúrbios têm fatores multicausais e podem sofrer agravamento devido à relação que o indivíduo tem com seu ofício. Uma pesquisa feita com base nos benefícios concedidos pelo INSS entre 1999 e 2002, apontou que 48% dos trabalhadores que se afastaram de suas atividades por mais de 15 dias apresentavam distúrbios mentais.

O psicólogo do trabalho não visa tratar um "doente" mas, ao compreender a dinâmica da organização que pode ser patológica e assim causar danos às pessoas que nela estão inseridas(BERGAMINI e TASSINARI, 2008), pode sugerir intervenções que interfiram diretamente na forma de administração praticada em departamentos, superintendências e em toda a empresa, se assim for possivel ou necessário. Poucas são as instituições que visam uma gestão com pessoas de forma eficaz e saudável. Em entrevista concedida em 2007 à revista Psicologia, Ciência e Profissão: Diálogos , o psicólogo baiano Antônio Virgílio Bittencourt comenta:

… o tema qualidade de vida acaba sendo convertido em sessões de ginásticas, relaxamentos, alongamentos, entre outros recursos desse naipe. Que são intervenções muito pontuais e fragmentadas. Elas não siginificam um tratamento do indivíduo de uma forma global, da sua relação com a família, como papel do trabalho na vida dele. Isso, em geral acontece em organizações que estão submetidas àqueles esquemas de pressão por produção, um ambiente cada vez mais competitivo. E muitas vezes elas usam este recurso de forma consciente para ampliar a competição interna. Sabidamente estão criando fatores de tensão, de estresse, de desgaste emocional, de adoecimento.

Que ações devem ser tomadas para que os empregados não surtem, os gerentes não arranquem os cabelos e as empresas continuem perseguindo suas metas ? São questões que nunca devem deixar de estar em evidência. A humanização do trabalho é fator importante tanto na promoção da saúde quanto na prevenção de doenças, podendo ser peça chave para a sustentabilidade de uma empresa num mercado tão competitivo como esse que impera em nossos dias.

Para saber mais:

BERGAMINI, Cecília Whitaker; TASSINARI, Rafael. Psicopatologia do Comportamento Organizacional: Organizações Desorganizadas, mas Produtivas. 1°Ed. São Paulo: Cengage Learning. 2008. 202p.

GUIMARÃES, Liliana A.M. Fatores Psicossociais de Risco no Trabalho. 2006. Disponível aqui . Acesso em:07-08-2010.

JEX, Steve M. Organizational psychology : A scientist-practitioner approach. 1°Ed. New York: Wiley & Sons. 2002. 540p.

WHO. Promoting mental health: concepts, emerging evidence, practice. 2005a. Disponível em: http://www.who.int/mental_health/evidence/MH_Promotion_Book.pdf. Acesso em: 08-08-2010.

SCHABRACQ, Mark J. Everyday Well-Being and 
Stress in Work and Organisations. In: SHABRACQ , Mark J.;WINNUBUST, Jacques A. M.; COOPER, Cary L. (org.) The Handbook of Work and Health Psychology. 2°Ed. West Sussex: John Wiley & Sons. 2003. 619p.

BITTECOURT, Antônio Virgílio. O Brasil tem condições de produzir boa ciência sobre o Trabalho. In: Psicologia, Ciência e Profissão: Diálogos. dez. 2007, Ano 4. No.5.

Imagens: Google Imagens

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