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PSYU Nº1 – ENTREVISTA – Março/2000

A partir do PSYU nº9, as entrevistas passaram a ter espaço garantido na revista. Mas já viemos ao mundo com essa entrevista com a ilustre Ana Bock, na época (em 2000) presidente do CFP.

Ana Bock fala do Provão e das políticas da PUC.
A partir do PSYU nº9, as entrevistas passaram a ter espaço garantido na revista. Mas já viemos ao mundo com essa entrevista com a ilustre Ana Bock, na época (em 2000) presidente do CFP.

Ana Bock fala do Provão e das políticas da PUC.
PSYU: Vamos começar falando sobre o Provão que fez um sucesso, fez um rebuliço.

Eu acho que o Provão não pode ser analisado isolado da realidade que está inserida. Eu acho que a política educacional que nós temos hoje, no Brasil, está ditada pelo banco mundial: a idéia da livre iniciativa invadindo a educação da privatização, da iniciativa privada. Você poderia ter empresas privadas desenvolvendo um serviço que é público. Mas o jeito que nós estamos fazendo com a educação, que tem um dono que sai na revista Veja, o dono do ensino, o rei do ensino, e que dizque ele não está querendo acabar com a USP, com a UNICAMP – longe do interesse dele – mas que as outras particulares ele vai por no bolso. Quando você tem um depoimento desse tipo que ocupa uma revista, um outdoor na rua, é sinal que nós vamos de mal a pior, que nós estamos privatizando um serviço que é público, não é o fato de estar na mão do privado. Além desta privatização do que é público, você tem a iniciativa privada como a grande iniciativa para cuidar da educação.

PSYU: Você acha que a longo prazo, as instituições podem voltar o ensino para ele, assim como fazem com o vestibular? direcionar para o Provão?

Não tenho dúvida. Já existe hoje, em muitas escolas particulares, que têm medo de perder o seu lugar com o Provão – porque a USP, a PUC não têm este medo. Existem cursinhos no último ano para o aluno se preparar para o Provão. Segundo, você vai regredir para uma concepção de ensino de memorização. Porque você vai fazer prova fechada de “x”, você vai regredir o ensino para isso, você vai reduzir a importância da pesquisa nas escolas e vai trabalhar mais essa coisa conteudista(sic), dos alunos saberem conteúdos. Os currículos vão ser adaptados em função do Provão. A noção de avaliação é um retrocesso total, porque nós estávamos avançando com o PAIUB para uma avaliação de processo. Nós vamos regredir para uma avaliação de produtos, nós vamos ter ensino de resultados. E então, tudo isso é um retrocesso. Fora todos estes riscos: se a prova valoriza uma psicologia que não nos interessa, você vai impurrar as faculdades de psicologia nessa direção. Contou no CEPE, a professora Celeste que é de uma área, dereito social, onde eles fazem análise do que a lei reflete, o que da sociedade a análise social critica da lei. Ela falou que essas Cadeiras estão perdendo lugar nas escolas e dando lugar a disciplinas de conteúdo que caem no Provão.

PSYU: Quais as providências que a faculdade pode tomar diante dos conteúdos do Provão?

As providências são divulgar. A hora que agente tiver as diretrizes do Provão, nós temos que divulgar para todos os professores, para todos os alunos, qual é a literatura. Vocês estarão sendo preparados há quatro anos e meio, que cai no dia 11 de junho do ano de 2000 a prova. Penso que o que nós podemos fazer é alguns conteúdos que podem aparecer nas diretrizes e que os alunos gostariam de ter mais debate sobre nós estarmos querendo promover palestras. Então podemos fazer um ciclo de palestras, em todas as segundas-feiras, para os alunos que vão fazer o Provão durante o primeiro semestre, com temas. Mas aí assim não é cursinho para fazer o Provão. É pegar assim: “ah, tem lá um livro que agente não viu com nenhum professor” e fazer um debate, no estilo PUC, trazendo gente que manja desse assunto.

PSYU: Como você vê, no meio dessa política neoliberal para a educação, a perda da filantropia?

Olha, eu acho que tudo isso faz parte desse jogo. O grande eixo dessa política é o Estado retirar seus investimentos da área da Educação. Por isto a privatização, a idéia da iniciativa privada. Só tem sentido por isso, não é porque o Estado acha que a educação não é legal e ele não quer cuidar: ele não pode cuidar porque precisa investir tudo que ele consegue arrecadar para pagar os juros da dívida. Então, para fazer isto, ele tem que entregar esse serviço para a iniciativa privada. Estou pensando na cabeça neoliberal, para não pensar que eles são bandidos horrorosos. Eles têm uma política para cuidar da educação, para desinvestir: “eu tenho que entregar na mão de quem possa fazer isso com competência”. Então ele abre oportunidade para o empresariado abrir escolas. Ele nem tem um empresariado com tanta competência para fazer Educação, então ele tem que abrir para qualquer um. Você acha que o Professor Mario Sergio Cortella vai ter dinheiro para abrir uma escola? Não vai, então ele tem que entregar mesmo para o empresariado. Eu li uma matéria, que saiu na Folha de São Paulo, onde mostrava que tem investidores da Bolsa de Valores que estão deixando de investir na Bolsa para investir na Educação. Acho que o problema, o segredo é esse: pagar os juros da dívida externa, desinvestir na educação e para isso, você precisa entregar.

PSYU: E como você vê a situação da PUC-SP?

Eu vejo a situação da PUC como uma situação bastante preocupante, porque essas escolas comunitárias que não desejam ter lucro e que querem continuar teimando em fazer pesquisa, e que querem associar ensino-pesquisa e extensão, terão um desafio muito grande. Não sei por quanto tempo nós sobreviveremos da fama da qualidade do trabalho que agente faz, porque pode ser até que esta qualidade comece a cair.

PSYU: Nas discussões com a faculdade, com a Reitoria, qual política você acha que seria mais adequada que a PUC adotasse?

Eu tenho tentado dizer aos meus colegas do CEPE, que nós temos que discutir isso, porque eu tenho dito também, que eu tenho a impressão que a PUC deveria investir no ensino pós-graduado. Seria uma forma de nós nos diferenciarmos no mercado, porque eu tenho medo da gente não conseguir concorrer com escolas que eu tenho visto por aí, que arem laboratórios fantásticos, que abrem bibliotecas, mesmo que sejam falsas, mas abrem. Eu tenho medo. Quadra, os prédios. Eu tenho inveja cada vez que vou em uma faculdade destas porque só o barulho que nós temos aqui, a impossibilidade do espaço universitário. Imagina, eles têm teatros, espaço para os alunos jogarem, se reunirem. Tem escolas fantásticas hoje em termos de espaço.

PSYU: Você acha que a política de crescimento que a PUC vem adotando é ineficiente?

Não. Eu acho que nós temos sobrevivido. Ineficiente ela não tem sido, porque nós temos sobrevivido. Às duras penas. ãs vezes eu tenho a impressão que é no dia seguinte que alguém vai acordar e dizer “não deu certo e nós vamos fechar”. O que eu sinto é sempre uma tensão nos órgãos colegiados, de o quanto isso vai ser possível. A Reitoria fica um pouco segurando os sonhos dos professores, sem dizer que é porque ela não tem grana, para que eles possam se realizar. Daí você começa até uns campos de conflito, porque alguém quer resolver, a Reitoria não diz que não tem dinheiro para resolver, e fica como se estivesse impedindo.

PSYU: E o COGEAE?

Eu gostaria de discutir mais com meus colegas, porque eu não tenho uma opinião certa. Se eu tivesse, eu montava uma plataforma e me candidatava para alguma coisa. Eu quero trocar idéias. Por exemplo, o COGEAE. Eu não sei o quanto vale a pena, dentro dessa universidade. Eu penso que o COGEAE é um órgão que tem trabalhado e produzido riqueza aqui dentro, no sentido de produzir lucro, mas eu acho que tem problemas. A relação do COGEAE com as faculdades tem sido ruim, tem se soltado muito dos interesses da graduação. Então eu acho que precisava fazer algo que colasse mais com os interesses da graduação, que o COGEAE nunca deixasse de ser um braço executor dos interesses da graduação. Mas eu tenho a maior confiança nas colegas. Nós temos uma professora da Psicologia dirigindo o COGEAE, nós temos gente da Teologia, que são professoras competentes nas quais agente tem a maior confiança. Então não é falta de confiança em quem está lá na política deles, é um problema que as coisas vão acontecendo. E agente, de vez em quando, tem que parar, olhar, redimensionar, e eu acho que a PUC faz muito pouco isso. Ela vai no desespero. Está dando certo isso, vai mandando, vai levando pra frente e não recua de vez em quando para fazer uma avaliação.
ANA M. B. BOCK, PRESIDENTE DO CFP (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA) E DIRETORA DA FACULDADE DE PSICOLOGIA DA PUC-SP

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