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(parte final) Causas do Fracasso Relativo do Ensino a Distância, do Teletrabalho e da Terapia Online

A Fase da Euforia desenfreada na Era Digital, bem como a visão romântica de um modo globalmente melhor graças a essas novas tecnologias, sem nenhum ônus, começou a decair no ano 2000.
C – 2006: Uma década depois do BOOM, o que se observa?

C.1
– O Fim da Euforia Desenfreada A Fase da Euforia desenfreada na Era Digital, bem como a visão romântica de um modo globalmente melhor graças a essas novas tecnologias, sem nenhum ônus, começou a decair no ano 2000. O evento histórico que serve como marco para tal, proposta por este artigo, é a queda monumental da Nasdaq, a bolsa de valores eletrônica, o que deu sinais de que a super-economia digital, ao invés de ser uma mudança nos alicerces do Ocidente, poderia ser na verdade uma “bolha especulativa”. Esse momento histórico inclusive foi noticiado por jornalistas como “o estouro da bolha digital”.

Ao mesmo tempo, já havia se passado cerca de 5 anos de propaganda sobre o Ensino a Distância, o Teletrabalho e a Terapia On Line, e os resultados obtidos pelas instituições envolvidas começavam a frustrar os investidores.

C.2 – O professor não foi substituído pelo computador… Ao contrário! No Ensino a Distância, por exemplo, o livro “Adeus Professor, Adeus professora?”, de 2002 (8), começa no seguinte tom: “Os educadores são unânimes em reconhecer os impactos das novas tecnologias na Educação (escolar).

Mas não há reformas apropriada na escola afim de que ela se torne um espaço para integração desses saberes”. Em nenhum local do livro expressa-se o receio do fim das escolas, muito comum em 1995. Ao contrário: o discurso passou a ser de reformar as escolas para que elas absorvam adequadamente as novidades tecnológicas. Ao invés do quarto na casa paterna tomar o lugar da escola, como preconizava Tapscott em 1998, foi a escola que inaugurou salas de informática, e o professor, ao invés de ser substituído pelo computador, passou a ter novas responsabilidades e poderes por causa da tecnologia. O risco do desemprego do professor causado pelo computador foi substituído pela necessidade de capacitar o profissional do ensino para lidar adequadamente com as tecnologias digitais na escola. Por exemplo, fazer o uso da “sala de informática” e cobrar tarefas via internet.

C.3 – Os Escritórios Não Foram Esvaziados Também no Teletrabalho o discurso foi substancialmente alterado. Se em 1995 esse era baseado na tese de que o E-learning iria revolucionar as empresas, nos primeiros anos da década de 2000 passou-se a ouvir que o teletrabalho não era uma panacéia, que funcionava bem para alguns casos, e ainda assim apenas em determinadas circunstâncias, mas que era inoperante em outros casos. Ao invés do teletrabalho esvaziar os escritórios das empresas e transformar os homeoffices em regra, essa tendência tão somente inaugurou o uso de salas de conferências e técnicas de gestão de alguns projetos à distância, quando a economia com os gastos de viagens compensasse o trabalho feito de forma não-presencial. No “Manual de Gestão de Pessoas e Equipes”, da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), datado de 2003 (9), consta o seguinte discurso: “O aprendizado e trabalho pela internet veio para ficar (…) porém mais de 50% dele está orientado ao ensino de marketing, vendas e habilidades de liderança”.

O texto prossegue mostrando que nem todos podem fazer teletrabalho, havendo condições sine qua non, sendo a principal delas um fenômeno inteiramente não-tecnologico e classificável como psicológico: a existência de um vínculo de conhecimento relacional e confiança pré-existente entre os envolvidos no processo de teletrabalho. Ainda no manual da ABRH, diz-se que além das relações de confiança entre os envolvidos, há certas competências profissionais e pessoais que os mesmos precisam demonstrar, tais como auto-disciplina, auto-estima e a “saúde psicológica”, para enfrentar situações de “solidão e isolamento” e a falta de referências espaciais e emocionais que o espaço físico do trabalho presencial ofereceria. Finalizando, o texto defende que a peça decisiva do teletrabalho é o gestor, ou tutor, que precisa ser “um verdadeiro líder”, e não a tecnologia.

C.4 – Que houve com a Terapia On Line? Uma década depois do boom da Internet, o Conselho Federal de Psicologia coletou dados, pareceres contra e a favor da Terapia On Line e deliberou, em agosto de 2005, a resolução CFP Nº 012/2005 (10), que disciplina tal prática. O texto começa declarando que “os efeitos do atendimento psicoterapêutico mediado pelo computador ainda não são suficientemente conhecidos nem comprovados cientificamente e podem trazer riscos aos usuários”, mas admite que o processo de Terapia On Line “pode ser utilizado em caráter experimental”, como “parte de projeto de pesquisa”. Contudo, outros serviços foram aceitos, fora do enquadramento psicoterápico: “São reconhecidos os serviços psicológicos mediados por computador, desde que não psicoterapêuticos, tais como orientação psicológica e afetivo-sexual, orientação profissional, orientação de aprendizagem e Psicologia escolar, orientação ergonômica, consultorias a empresas, reabilitação cognitiva, ideomotora e comunicativa, processos prévios de seleção de pessoal, utilização de testes psicológicos informatizados” (10) Portanto, o serviço que mais demandava interação direta, imediata, entre seres humanos, a psicoterapia, não teve aprovação de seu uso na versão digital e a distância, contudo os serviços de caráter informativo, de atuação pontual e com menos importância da comunicação interpessoal direta que a psicoterapia, como orientação profissional, processos seletivos e consultorias empresariais, foram liberados em veiculo digital e à distância. Pode-se inferir daí que a comunidade científica de Psicologia não reconhece a capacidade de interação humana dos meios digitais atuais capazes de abarcar processos de comunicação considerados mais profundos e empáticos como a psicoterapia.

D – Quadro comparativo: mais de uma década depois, o que ficou? A tabela a seguir tem por objetivo comparar o discurso hegemônico de 1995, a respeito do Ensino a Distância, do Teletrabalho e da Terapia On Line com o resultados que essas áreas de pesquisa e atuação obtiveram até hoje, e assim verificar a efetividade prática das idéias lançadas na fase inicial de euforia da Era Digital (1995-2000). Discurso em 1995 Resultados em 2006 O ensino a distância irá revolucionar a pedagogia formal.

As escolas perderão a maior parte de seu espaço, e o professor, sua importância central. Apesar do investimento maciço de governos e corporações no Ensino a Distância, o resultado foi o acréscimo de importância das escolas e dos professores (por exemplo, exigindo mais formação para esses). E ainda assim, nem todos os temas e perfis de alunos se mostraram adequados ao ensino a distância. O teletrabalho irá esvaziar os escritórios. Os funcionários, especialmente os de médio e grande escalão, trabalharão em casa ou onde bem entenderem. O trânsito casa-escritório e viagens a negócios serão coisas do século XX.

Os escritórios passaram a ter salas para videoconferências. Projetos feitos a distância, ou teletrabalho propriamente dito só ocorre em ramos apropriados para isso, como arquitetura ou desenvolvimento de software, e ainda assim em momentos oportunos para o teletrabalho. A terapia on line irá gerar novas possibilidades terapêuticas em Psicologia Clínica, Medicina, Enfermagem, e em outras áreas terapêuticas. Por sua importância, a Terapia On Line precisa ser muito discutida, uma vez que pode inaugurar novos modelos teórico-práticos na Psicologia. A psicoterapia on line não tem seus benefícios reconhecidos cientificamente e seu uso só pode ocorrer em contexto experimental. Mesmo na Medicina as consultas à distância são restritas a determinadas áreas e raras.

E – Conclusões e Prescrições Apesar do aparente fracasso do Ensino a Distância,
do Teletrabalho e da Terapia On Line, os usos e investimentos nessas áreas são crescentes, por parte de governos, empresas e centros de pesquisa. Isso parece apontar para o fato de que esse aparente fracasso é relativo. As falhas cometidas entre 1995 e 2006, contudo, precisam ser compreendidas para que esse fracasso relativo renda benefícios. De um modo geral, especialistas apontam como as principais falhas desses processos digitais: a) o excesso de confiança em soluções estritamente tecnológicas, em detrimento do investimento em capacitação e formação dos seres humanos por trás desses processos; b) a falta de qualidade na comunicação a distância, p.e., em fatores como empatia; c) a pressuposição que esses processos a distância podem gerar vínculos adequados de confiança e cooperação por si mesmos, sem a necessidade de contato presencial e d) a inadequada avaliação dos processos, expressa pela falta de métricas, orientação e formação de qualidade. Os três processos digitais que constituem o tema deste artigo não estão de forma alguma condenados ao fracasso, a não ser que as falhas supracitadas, cometidas nos desajeitados primeiros anos de suas implementações, não sejam corrigidas.

F – Bibliografia
 
1- TURKLE, Sherryl. “Life on the Screen: Identity in the Age of the Internet”,
MIT Press, 1995.

2- NEGROPONTE, Nicholas. “A Vida Digital”, Ed. Companhia das Letras, SP, 1995.

3- GATES, Bill. “A Estrada para o Futuro”, Ed. Companhia das Letras, SP, 1995.

4- LEVY, Pierre. “O Que É o Virutal”, Ed. 34, São Paulo, 1996.

5- TAPSCOTT, Don. “Geração Digital”,

6- MAIS, Domenico, “O Ócio Criativo”. Ed. Sextante, SP, 2002.

7- Código de Ética Profissional do Psicólogo. CFP, agosto de 2005. 8- LIBÂNEO, JC “Adeus Professor, Adeus Professora?: Novas exigências educacionais e profissão docente”. São Paulo: Cortez, 2002

8- “Manual de gestão de pessoas e equipes – estratégias e. tendências (Volume II)”, Ed. Gente, SP.2002.

9- Resolução CFP Nº 012/2005 de agosto de 2005, no site https://www.cfp.org.br/selo/Resolucao_012-05.php (extraído em 15/AGO/2006)

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