RedePsi - Psicologia

Artigos

Pierre Fédida: Uma singela homenagem

Neste trabalho gostaria de trazer a público a minha admiração pelo grande psicanalista e, antes disso, grande ser humano, PIERRE FÉDIDA. Para aqueles que, como eu, transitam pelo campo da Psicanálise, quero crer que estarei falando de alguém bastante conhecido.

Dentro de sua vasta contribuição teórico-clínica, escolhi a sua obra, "CLÍNICA PSICANALÍTICA – ESTUDOS", a qual me serviu e continua servindo de fonte inspiradora para incontáveis reflexões sobre a nossa práxis.

Fédida tornou-se psicanalista, tendo sido presidente da Association Psychanalytic de France (APF) e vice-reitor da Universidade Paris VII. Para constar, a APF foi a mesma instituição pela qual passaram com muita galhardia Jean Laplanche e J-B Pontalis. Sua formação originária foi em Filosofia e seu interesse inicial redundou numa tese sobre o corpo na esquizofrenia. Seu primeiro livro continuou voltado para as questões do corpo na Psicanálise.

Em sua prática clínica, dedicou-se durante muito tempo ao tratamento de pacientes psicóticos, bem como borderline. Trabalhou com eles em consultório e em instituições hospitalares. Em "Clínica Psicanalítica" estão incluídas palestras que ele proferiu em São Paulo, em 1987, além da palestra que realizou em Campinas, em 1981, cujo tema foi "O amor e a morte na transferência". Trata-se de um autor que não transige no rigor teórico metapsicológico, orientado freudianamente, segundo suas próprias palavras. Tendo então como foco a questão do amor e da morte na transferência, nos diz: "O problema é tradicional, pois vem da Antigüidade Grega. Basta lembrarmos principalmente do Banquete de Platão. Nele, o médico Erixímaco define a Medicina como a arte de se ocupar dos fenômenos do amor. A Medicina é a ciência dos fenômenos do amor, próprios ao corpo".

Diz-nos ainda Fédida: "o médico cuida de Eros doente. Terapéia, em grego, é o cuidado exercido sobre Eros doente. O médico deve restabelecer o equilíbrio do corpo para que Eros doente pelo excesso de amor, seja liberado desse excesso, pelo amor que lhe traz o médico. É preciso que nos lembremos de que depois de Parmênides, Heráclito… o amor é pensado como duplo: há o amor popular, o amor com seus excessos físicos e o amor celeste que está em relação com a justeza da palavra, com a justeza do "logos". Um não pode ser sem o outro".

Ao se observar os trabalhos de Fédida, podemos notar  que, em seu pensar, dever-se-ia falar em "psicopatologia somática" e não em "psicossomática", além de nos ensinar que psicopatologia, literalmente quer dizer: um sofrimento que porta em si mesmo, a possibilidade de um ensinamento interno. Assim, "uma paixão não pode ensinar nada, pelo contrário, conduz à morte se não for ouvida por aquele que está fora, por aquele que é "estrangeiro", por aquele que pode cuidar dela".

Faz-nos lembrar ainda que "este" é o sentido de "psicopatologia", assim como Freud o teria descoberto, por exemplo, em "Luto e Melancolia". Dessa forma, o singular da Psicanálise consiste na possibilidade da experiência interna daquilo que é o psicopatológico, sendo que é mister que essa experiência interna não se psiquiatricize, transformando o sujeito em portador de uma patologia crônica, não permitindo ensinar nada àquele que a vive.

No que tange àqueles casos reputados como difíceis, insiste em que somos extremamente sensíveis ao "poder das palavras e dos gestos" e acrescenta: "Nosso próprio corpo se constitui como uma cena importante sobre a qual se representam as fantasias mais violentas provenientes do inconsciente do paciente". A própria idéia de um tratamento bem sucedido é talvez contraditória com a experiência terapêutica. O próprio Freud teria compreendido isso muito bem, uma vez que o único exemplo que nos apresenta como um tratamento perfeitamente bem sucedido, é o de uma ficção, a qual teria ocorrido em Pompéia, na Itália. É o famoso tratamento conduzido por Zoe Gradiva com o arqueólogo Norberto Hanold. Para maiores detalhes, remetemos o leitor às Obras Completas de S. Freud.

Falando um pouco sobre a práxis analítica, podemos notar e eu abordo essa questão em meu texto sobre "Uma modalidade de transferência: A Transferência Psicótica", sobretudo na ilustração clínica que faço, onde com certos pacientes, quando o analista se apresenta com suas prerrogativas de ordem técnica para com o paciente, este sente que essa atitude seria, no dizer de Fédida, uma "injúria ao amor". Diz-nos ainda ele: "o analista é tanto mais analista quanto a sua maneira de ser e de agir encontra uma inventividade". Sabemos que, ao contrário de Sandor Ferenczi, que foi um obcecado pela técnica e aqui estou usando deliberadamente o termo obcecado, no melhor sentido que este termo possa assumir, no sentido esclarecedor, buscando incessantemente por aquela que seria "a bruxa", a metapsicologia da técnica psicanalítica, Freud estava absolutamente interessado pelos aspectos teóricos da Psicanálise. Como "escritos técnicos", em Freud, penso que seria indicado recorrermos aos famosos "casos clínicos", os quais foram seguramente, as melhores produções escritas em termos da técnica psicanalítica.

De qualquer forma, encontramos o trabalho de 1915, denominado "Amor de Transferência". Não canso de me interrogar se não seria mais adequado falarmos do "Amor NA Transferência". Àqueles que estão iniciando a sua prática clínica, penso que devemos advertir que nada encontrarão nesse trabalho sobre o como fazer, naqueles casos onde o paciente parece estar enamorado do analista e isso porque o próprio Freud não irá nos apresentar absolutamente nada de minimamente conclusivo. Parece-nos que a questão fica mais bem trabalhada nos textos de 1920 e seguintes, como em "Além do Princípio de Prazer", nos quais podemos ver abordadas as oposições entre as pulsões de vida e as de morte, pulsões de auto-conservação e pulsões do eu.

Por volta de 1920, podemos dizer que Freud toma cada vez mais consciência sobre a insistência da pulsão de morte. Até pouco antes de morrer, Freud se mostra pessimista sobre as condições de cura pela Psicanálise. Fédida nos diz: "Em todo esse movimento não é o amor que é importante, mas a transferência e quando a transferência é importante é a morte. A compulsão à repetição é o  motor de toda pulsão. Ora, a morte está no âmago de toda pulsão. E é contra isso que se choca o psicanalista."

Fédida propõe, finalmente que voltemos a uma questão que Sócrates coloca em "O Banquete de Platão", a saber: Existe um discurso possível sobre o amor? É possível se falar do amor e quem dele pode falar? A resposta é que o enamorado é o único que pode falar do amor, mas ele não fala, quem fala do amor, não está enamorado. Ressalta que na prática psicoterápica, se nos propusermos a falar do amor ao paciente, seremos péssimos pedagogos, ridiculamente moralistas. Aliás, toda vez que atuamos mal em um processo psicoterápico é, segundo Fédida, porque fomos explicativos.

Decididamente, esse é um autor apaixonante em sua singular profusão de idéias. É, na verdade um autor ímpar que nos faz carregar as baterias e vencermos qualquer desânimo frente aos insucessos terapêuticos, aos quais todos, estamos submetidos em nossa prática clínica diária.

Concluo este artigo, com a sensação de que ainda fiquei muito em falta com um autor a quem muito devo em minha orientação teórico-clínica, porém como dizia no título do artigo, aqui  tentei apenas prestar uma SINGELA HOMENAGEM !

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter