Pois é. Neste nosso novo mundo, o lucro é o novo deus. O que não dá lucro não interessa. Então aderi ao movimento, e aqui vai a minha oferta irrecusável… Primeiro, ao conhecer Winnicott você entra num mundo de deslumbrante entendimento. Você começa a entender a você mesmo, e passa a entender muito melhor o que está acontecendo com seus pacientes, além de entender melhor certos filmes, romances e assim por diante.
Segundo, você começa a, melhor do que isso, perdoar a si mesmo, tornando-se capaz, talvez pela primeira vez, de distinguir entre culpas reais, devidas, e culpas fantasiosas, absolutamente não devidas, e assim pode jogar estas últimas no lixo e livrar-se de um peso imenso que estorvava os seus movimentos e tolhia a sua espontaneidade.
Assim, o terceiro lucro é este: um aumento significativo da espontaneidade, uma diminuição surpreendente da inibição. Isto, obviamente, não significa que você irá sair por aí fazendo qualquer coisa. Ao contrário: é justamente ao conhecer Winnicott que você ganha critérios realmente legítimos para não fazer certas coisas.
Depois, há o lucro que consiste em livrar-se de algumas ilusões muito pesadas. A primeira, logo de cara, é a ilusão de que o bicho homem nasce mau. Não, não existe isso, por mais que meio mundo (ou quase o mundo inteiro) o diga. Mas também você terá que jogar fora a outra ilusão, a de que o bicho homem nasce bom. Nasce nada. Ou seja: o homem nasce nada em termos morais. O homem nasce bicho, isso sim. E bicho tem uma moral diferente. A moral da sobrevivência, por mais cruel que possa parecer aos homens, mas essencial para quem vive lá na selva. A moral da sobrevivência tolera quase tudo, menos deixar-se morrer ou matar. Por isso os bichos sobrevivem tão bem, apesar de não terem polícia, exército ou sacerdotes lhes dizendo como se comportar. Mas o bicho vira gente, lá pelas tantas, e aí sim, poderá ser bom ou mau, conforme o que lhe ensinaram. Não o que lhe disseram, mas o que esses que disseram faziam.
Mas tudo isso só faz sentido se você conhece Winnicott.
E aí, muitas outras coisas passarão a fazer sentido. Não vou enumerá-las agora, porque não vai dar, e porque aí eu não terei mais nada a dizer. E não quero largar essa ‘boca’ que a RedePsi me deu tão cedo…
Bem, mas não só de lucro vive o homem. Então vamos às perdas:
O que você perde, ao conhecer esse tal de Winnicott, é muito. Vamos ver se vale a pena.
Primeiro, você perde a arrogância. Vai descobrir que, muito melhor que Lacan e os lacanianos, quem segue Winnicott realmente sabe que não sabe tudo. Nem tenta. Aliás, acha deplorável. Porque, além da arrogância, a gente perde também a condição de escravo do superego – materno, paterno, acadêmico, psicanalítico, etc. Aliás, quando conhecemos Winnicott, descobrimos que também perdemos superego, ego e id, porque surgem outras noções que permitem entender muito melhor como a gente “funciona”. Conhecendo Winnicott, descobrimos que Freud recorreu a esses termos porque não teve como enxergar para além deles. O que vem no lugar deles será assunto do meu próximo artigo, de modo que fique calmo e espere um pouco.
Há outras perdas: a do poder, por exemplo. Sendo analista winnicottiano, você não tem mais poder sobre seu paciente. Quer dizer: pode até ter, mas vai ficar com tanto nojo disso, que vai jogar fora. Nojo não, melhor dizer repulsa. Você vai acabar achando repulsivo ter poder sobre alguém. Vai se sentir tão mal que não vai agüentar. E vai jogar isso fora. Claro, no mundo de hoje isso é um prejuízo, mas você é que vai saber se vale a pena ou não. No meu caso, eu sei o que perdi por causa disso, no nosso mundo “globalizado” (o que significa “voraz e impiedoso”, na maior parte do tempo). Mas sinceramente, não volto atrás. Não consigo. Dane-se o que perdi. Teria me custado algo muito mais precioso – minha auto-estima – manter esse poder na minha mão.
Se fico ou não à mercê do paciente é outra conversa. Um dia desses explicarei por que acho que não. É assunto de mais um artigo (enquanto levanto dúvidas e espantos, vou fazendo a minha carreira por aqui, porque você vai ter que esperar para ver o que mais tenho a dizer, e enquanto isso vou faturando…) (rs rs rs – tenho que acrescentar esses indicadores ridículos de riso do internetês para que ninguém me entenda mal…)
Sim, e há algo que dói mesmo: você vai perder também, ao conhecer Winnicott, o gosto tão popular pela famosa “intervenção”. Vai entender que psicoterapeuta não ‘intervém’. Ele no máximo pode agir quando necessário, permitido e possível. E principalmente, quando convidado. Mesmo que por um paciente que já está com ele há anos. Cirurgião ‘intervém’. Médico ‘intervém’. E até mesmo assistente social. Mas psicoterapeuta não. NÃO. Psicoterapeuta não pode 'interferir’ (sinônimo mais sincero que ‘intervir’…), porque isso fere. E na psicoterapia não podemos ferir, porque na essência da ciência psicoterápica está o conhecimento teórico de que, se alguém está doente, é porque foi ferido, em algum lugar, em algum momento foi ferido, e não será uma nova ferida que irá curar a antiga. A medicina tem uma vantagem aí: o corpo, enquanto não doente, está saudável. Então é possível ferir para curar, porque restabelece-se o status quo ante. Na psicologia clínica não: se alguém foi ferido, não teve como alcançar a saúde, porque a ferida – quando significativa – o impediu. Então, como não há saúde para a qual voltar, há apenas saúde a ser alcançada depois que ferida original cicatrizar: não é possível ferir terapeuticamente.
Viu quantas coisas você perderá se conhecer Winnicott? Portanto, faça bem as contas para ver se vale a pena ou não continuar lendo o que irei escrever daqui para a frente. Os americanos, que inventaram a informática, inventaram também um termo delicioso – disclaimer – que significa: “declaração de não responsabilidade sobre danos capazes de ocorrer se o freguês adotar a tecnologia ou o produto oferecido”. Com isso eles se eximem de responsabilidade caso ocorra um prejuízo decorrente do uso do produto.
Pois estou, neste momento, utilizando a tecnologia do disclaimer e dizendo: Se você ficar conhecendo Winnicott através desta coluna, não adianta reclamar depois por ter se machucado. Cai fora enquanto é tempo, porque eu serei impiedoso em infligir perdas e danos aos que acalentavam idéias assim ou assado. Não terei contemplação. O título da coluna diz: WINNICOTT – PAIXÃO, COMPAIXÃO E HUMOR. Mas não há compaixão para com quem alimenta monstros sagrados. Aqui não há monstros, muito menos sagrados. Winnicott disse, certa vez, que saúde é algo que não existe enquanto existe negação – seja lá do que for. E ele disse também que ‘o homem maduro (portanto saudável) não consegue ser nem tão canalha nem tão bonzinho quanto o homem doente consegue ser’. Portanto, último viso: FAÇA AS CONTAS. Fique se quiser, procure outro se quiser, mas não venha se queixar depois. Se você tiver queixas, é porque provavelmente não entendeu direito alguma coisa. E nesse caso eu me prontifico a explicar de novo, ou a explicar melhor (nunca consigo explicar a mesma coisa da mesma forma duas vezes.) É isso. Por hoje chega.