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A Atualidade de um Pensamento

O que pretendemos com a publicação deste artigo, está implícito no seu próprio título. Portanto, queremos demonstrar que aquilo que foi dito em 1890 por S. Freud, guardadas as devidas proporções, encontra-se como uma temática extremamente atual, a qual deve ser ouvida com muita atenção por todos aqueles que se ocupam de seres humanos.

Gostaria de retomar nesse artigo, um trabalho de Freud escrito em 1890, portanto há 117 anos, para ressaltar a sua atualidade para uma análise da contemporaneidade, em relação à doença mental e à doença física.

O artigo que ora retomamos, chama-se "Tratamento Psíquico", entendendo-se esta denominação como sendo o "Tratamento da Alma". Assim, "psique", é uma palavra de origem grega, a qual em alemão seria Seele, o que equivaleria à tradução de "alma". Não devemos cometer o erro de entender essa denominação como equivalente aos tratamentos referentes aos estados patológicos da alma.

Como "tratamento psíquico", entendemos o tratamento realizado a partir da alma, seja de perturbações anímicas ou mesmo corporais. Os recursos utilizados influenciam diretamente sobre a vida anímica do homem. Citamos um recurso específico desta índole, que equivale àquele relativo à "palavra". Historicamente, é sabido que todos os recursos da medicina, bem como seus avanços, se restringiam ao "corpo", além de deixar aos filósofos, a quem inclusive depreciavam, que se ocupassem da vida anímica.

Os nexos entre a vida mental e o corpo foram muito estudados pela Medicina, contudo, sempre mostrando a prevalência do corporal em relação ao anímico, procurando sempre deixar muito clara a dependência do anímico em relação ao mental. As operações mentais estariam, então, na dependência estreita de um cérebro muito bem nutrido e bem desenvolvido, sendo que quando falhavam, era devido ao adoecimento do cérebro.

Contudo, sempre pode ser notada a existência de um enorme número de pacientes de leve e média gravidade, cujas perturbações e queixas colocavam um grande desafio à medicina. Entre esses pacientes, existe um grupo que muito se destacava pela riqueza e variedade de seu quadro clínico:


Sintomatologia
– não conseguiam realizar um trabalho intelectual em razão de dores de cabeça, ou mesmo de falhas de atenção, apresentavam dores nos olhos quando liam, suas pernas se cansavam ao caminhar, sofriam de transtornos digestivos, vômitos ou espasmos gástricos. Impossibilitados de defecarem sem purgantes, além de apresentar uma insônia bastante resistente. Notemos que esses pacientes podiam apresentar essa sintomatologia de forma completa ou parcial sem, no entanto mudar o diagnóstico. Existiam alterações diárias na apresentação dos sintomas. Se fossem mudadas as condições, por exemplo, a existência de uma viagem, poder-se-iam portar de modo absolutamente normal, só que ao voltar a casa, nada mais podiam comer além de coalhadas, por exemplo. Uma dor, ou mesmo uma paralisia, podia mudar repentinamente de lado. Não seria da ordem do incomum, que embora esses pacientes tivessem sofrido dessa sintomatologia por anos, podiam repentinamente ver-se livres dela de uma forma abrupta.

Nesses casos, a investigação médica sempre chegava à conclusão de que estes pacientes nada sofriam do estômago ou dos olhos, etc., mas sim que sofriam de uma afecção do Sistema Nervoso como um todo. Mesmo assim, os médicos chegaram a uma conclusão de que, pelo menos em alguns desses pacientes, os sinais patológicos não eram provenientes senão de um influxo alterado de sua vida anímica sobre o seu corpo (finalmente!!!). Fica então estabelecida, uma relação recíproca entre o corpo e a mente. Essa influência do anímico sobre o corpo era então denominada como sendo a "expressão das emoções". Sabemos, então que os estados afetivos determinam expressões corporais. É notória na história da ciência que extraordinárias alterações se produzem na circulação, nas secreções, nos estados de excitação da musculatura voluntária sob a influência, por exemplo, do medo, da raiva, da culpa ou mesmo do desejo sexual. Ficou evidente que uma grande quantidade afetiva está plenamente ligada à capacidade de resistência às infecções.

Historicamente falando, foi observada uma maior propensão ao desenvolvimento de tifo e de disenteria, naqueles homens do exército derrotado do que naqueles do exército vitorioso.

Devemos ter em mente que mesmo aqueles processos de pensamento, são também em certa medida afetivos, e nenhum deles está fora da possibilidade de causarem modificações corporais, bem como de processos físicos.

Devemos sempre ter em mente que qualquer medicação prescrita pelo médico é composta de duas fontes de atuação. Uma delas, ora maior ou menor, mas nunca ausente do todo, é a derivada da atitude anímica do doente. Sabemos, que alguns médicos possuem, em maior ou menor grau, a capacidade de ganhar a confiança de seus doentes, que já se sentem aliviados somente de ver o médico entrar em seus quartos de hospital ou mesmo de casa.

Voltando mais um instante para a importante questão da existência da "palavra", sabemos que ela é, sem dúvida, a principal mediadora da influência que um homem pretende obter sobre os outros, e, aqui devemos pensar tanto no bom, quanto no mal sentido dessa influência. Lembramos que Paul Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, afirmava com toda a convicção de que "não há verdade que subsista a uma mentira repetida mil vezes".

É notório que quando temos a oportunidade de observar a livre escolha do médico por parte do paciente, há um aproveitamento do tratamento muito diferente daquele quando o paciente encontra-se à deriva, encontrando-se com um médico diferente a cada vez que procura o serviço de saúde, por exemplo.

É claro que estamos aqui, em se tratando de psicanálise, lidando com fenômenos no âmbito da transferência, e lembramos que nos dizeres de Pièrre Fédida, terapia vem de terapéia, o que estaria significando, aproximadamente, a cura através do amor. Dizem, caricaturalmente que "amor de médico, é amor que cura"!

Gostaria aqui de fazer uma pequena digressão a esse respeito. Houve certa ocasião uma discussão acalorada entre o Dr. Freud e o Dr. Sandor Ferenczi, onde este dizia a Freud que se os pacientes que lhes procuravam eram pessoas tão carentes, afetivamente falando, porque teríamos que privá-los da satisfação que eles nos demandam? Freud, de sua parte dizia a Ferenczi, que concordava com ele quanto à carência apresentada pelos pacientes que lhes procuravam, mas em se tratando de satisfazê-la qual seria o limite disso. Ou, em outras palavras: Qual seria o momento exato de parar? E que, de qualquer forma, estariam cometendo uma arbitrariedade, levando em conta apenas os seus próprios critérios de ruptura de satisfação do Outro.

Parafraseando Pièrre Fédida, ele nos diria que isto que Ferenczi propunha seria equivalente ao adulto que excita o bebê antes dele dormir, e quando este está devidamente excitado, o adulto simplesmente vira-lhe as costas, e vai embora, fechando a porta do quarto, e deixando o bebê sozinho com a sua excitação.


Bibliografia

Freud, S. Tratamento Psíquico. 1890.

Ferenczi, S. Diário Clínico.

Fédida, P. Clínica Psicanalítica. Estudos.

Acesso à Plataforma

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