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Hipocondria: algumas Teorias.

Partimos da visão popular sobre a hipocondria, no intúito de embasá-la teóricamente desde diferentes recortes possiveis.

Sabemos que o conceito de hipocondria é propagado aos quatro ventos, porém de uma forma muito pouco pródiga no sentido de prestar qualquer auxílio aqueles que pensam dela sofrer. "Aquele cara é um hipocondríaco ao extremo!".


Objetivamos com a publicação deste trabalho, uma tentativa de oferecer algum embasamento ao tema, nos valendo das teorias mais conhecidas a respeito.

 

Dentro de uma perspectiva kleiniana, sempre foi destacada a relação entre os sentimentos depressivos e persecutórios de um lado, e a hipocondria de outro. Essa pode ser considerada a maior contribuição desta escola, até porque e seguindo-se Freud, havia uma grande tendência a se considerar a hipocondria como sendo uma neurose atual, ou seja, um quadro independente do conflito ou mesmo do jogo representacional. O resultado era considerado como proveniente de uma espécie de estancamento da libido de Ego.

Melanie Klein(1952), em seu famoso artigo "Algumas conclusões sobre a vida emocional do lactante", revela que "minha experiência mostrou que essas angústias que sustentam a hipocondria acham-se também na base dos sintomas da histeria de conversão. O fator  fundamental comum a ambas é o temor relacionado com a perseguição dentro do corpo, objetos persecutórios internalizados,etc. Segundo  Bleichmar, quando um indivíduo diz: "Este fígado vai me matar", fica evidente que ele está entendendo esse órgão como sendo algo alheio a si, o qual lhe estaria atacando. Entendemos que se as crenças que M. Klein ressaltara como inerentes das posições esquizo-paranóide e depressiva atuam como códigos que estão na base de qualquer relação de objeto, não é de surpreender que as encontremos também em ação embasando a relação que os hipocondríacos estabelecem com o  próprio corpo.


David Rosenfeld
(1984), mesmo dentro de uma perspectiva kleiniana, procura diferenciar tipos de hipocondria com base no papel que desempenham os mecanismos de identificação projetiva. O que esse autor enfatiza é que cada tipo de hipocondria possui um fantasma diferente sobre a imagem do próprio corpo.


Dentro da psicanálise americana, Broden e Mayers(1981), localizam a hipocondria como resultante do sentimento de culpa. Sustentam esses autores que são os fantasmas masoquistas de ser golpeado e torturado, aqueles que estariam se satisfazendo com o sofrimento hipocondríaco, ocorrência que serve para aplacar o Superego. Aqui a hipocondria está sendo entendida como uma defesa do ego orquestrada pelo Princípio do Prazer.

Stolorow, seguindo o caminho de Heinz Kohut, ressalta que quando a coesão do Self se altera e regressa a estados primitivos de fragmentação, surgem sentimentos hipocondríacos que seriam o vetor resultante de hipercatectizar partes isoladas do corpo e do funcionamento mental.

Quando alguém fica obsessionado com a idéia de que vai morrer  jovem como aconteceu com um progenitor, preocupando-se continuamente com a sua saúde, observamos frequentemente que essa preocupação não está focada numa determinada parte do corpo, mas sim que vai "deslizando" de uma
preocupação hipocondríaca para outra. Esse fato nos leva a crer que estaria faltando uma representação unificada de si. Tratar-se-ia aqui, na verdade, de um Ego identificado com outro Ego?

Gedo(1979) revela que se poderia conceber uma série de preocupações obsessivas, como seguindo as mesmas necessidades de integração e conclui sua tese da seguinte maneira: " Todas essas condutas
podem ser entendidas como esforços defensivos para manter a organização do Self, mesmo considerando-se algum nível regressivo. Esse tipo de regressão particular, implica a perda das capacidades simbólicas, isto é, um retorno ao modo sensório-motor da experiência da infância". A bem da verdade, o que caracteriza muitas hipocondrias é o nível de abstração com que se desenvolvem, mesmo naquelas em que a atenção se concentra nas sensações corporais, a exemplo da opressão torácica, taquicardia, etc. O principal significado que essas sensações adquirem, é que servem como anúncio da morte. Queremos fazer ressaltar que não existe uma uniformidade na forma de apresentação da hipocondria.


Dentro da assim denominada escola francesa de psicanálise (existem controvérsias quanto a essa denominação), queremos citar em primeiro lugar a produção teórica de François Perrier.  Influenciado
pelas idéias de J. Lacan, Perrier entrelaça duas teses para a explicação da hipocondria:


A= a alienação que sofre o sujeito de desejo do hipocondríaco na causa materna, isto é, no mundo simbólico desta. Essa alienação é motivada pela ausência de um pai que introduza o falo simbólico e que subtraia o sujeito da identificação com a mãe.

B= O conteúdo do item "A", determina efeitos imaginários: identificado com a mãe, engravida de si mesmo, enquanto criança-falo. No dizer do próprio Perrier: " … chega a consolidar sua pertinência a causa materna, e ao abraçar sua causa, pode encerrar-se no recinto das renúncias e ter nele seu desejo encarcerado, desejo esse que se tornou dor".


Patrick Mérot(1980)
, situa a sintomatologia hipocondríaca na estrutura familiar. Para o autor, o hipocondríaco encontra-se identificado com a mãe. Diz ele: "o hipocondríaco é a mãe da sua dor e seu órgão doente representa o que é o objeto perdido para a mãe".  O trabalho de Mérot nos revela um tipo de hipocondria que não é simplesmente o resultado de um processo defensivo, mas sim de algo
que se passa no inconsciente dos pais, sendo que o sujeito sofre os seus efeitos.

Este poder do outro para levar ao sujeito enunciados sobre o seu corpo, é o que virá destacar, em 1984, Piera Aulagnier Spairani: " a criança retomou por sua própria conta, sem se dar conta, certos enunciados sobre as condições necessárias para a vida de seu corpo". Tais enunciados encontrar-se-iam com os fantasmas da própria criança.


Pierre Fédida(1972):
ressalta o papel da linguagem na representação hipocondríaca. " A queixa somática do hipocondríaco, e a vivência de sofrimento que ela denota devem ser entendidas não apenas como um ocupar-se de, mas também como efeito de fascinação interativa do órgão na palavra. Na hipocondria, o órgão se alucina na palavra. Entendemos que aqui Fédida retoma a mesma linha que
Freud esboçara nas expressões : linguagem de órgão ou linguagem hipocondríaca em seu trabalho sobre "O Inconsciente". O jogo do significante na produção hipocondríaca, consiste numa prova a mais de que a ela se pode chegar por diferentes caminhos e através de diferentes lugares.

Finalmente, gostaríamos de expressar a necessidade que temos enquanto clínicos de, ao contrário do senso comum, darmos todos os votos de credibilidade ao sofrimento e a angústia hipocondríaca, uma vez que nos encontramos diante de um indivíduo que se sente atacado o tempo todo por seus órgãos, mas na condição de objetos alheios a ele. Queremos também retomar e ressaltar algo que foi dito anteriormente: o sofrimento hipocondríaco não se restringe a determinado órgão, mas sim que "desliza" simbolicamente ao longo de todo o corpo do sujeito. O próprio Freud, ao longo de toda a sua obra, afirmou que não existem neuroses puras, e que todas elas possuem um quantum de hipocondria. Esse tipo de "deslizamento" pelo corpo do sujeito, muitas vezes assume a denominação de "somatopsicose", ou em outras palavras, tratar-se-ia de algo semelhante a um "enlouquecimento do
corpo", o qual acarreta um penoso devastamento psíquico.

 

Bibliografia Auxiliar:

Etchegoyen, Horácio: Fundamentos da Técnica Psicanalítica.

Freud,S. O Inconsciente, em Obras Completas, Editora Amorrortu.

Tovar Tomaselli

ttomaselli@uol.com.br

 

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