Será que sabemos separar o que é bom e saudável do que é ruim.
Limites – Quando é que o corpo nos ensina a vê-los!
Em psicossomática desse mês vamos de um órgão que talvez seja, se não o mais importante do corpo, é, sem dúvida, um dos mais fascinantes. Vamos falar de um laboratório chamado fígado, um órgão que exerce inúmeras funções importantes no metabolismo do corpo humano.
É um dos maiores órgãos do corpo humano. Faz parte do sistema digestivo e aloja-se sob a costela direita. Exerce múltiplas funções importantes para a manutenção da vida. Vamos ver algumas delas:
O fígado produz glicogênio e o armazena. Transforma os carboidratos em gorduras e os armazena em depósitos por todo o corpo. Juntamente com os aminoácidos, a gordura é utilizada para produzir energia. Além disso, o fígado cria alguns aminoácidos e sintetiza outros. É um órgão de ligação entre as proteínas do reino animal e vegetal. O fígado também é um órgão que desintoxica o organismo. As toxinas do próprio corpo como as de outras procedências são desativadas no fígado e eliminadas. Existem muitas outras funções do fígado. Entretanto, falamos de algumas das mais importantes visando ilustrar o tema que vamos tratar aqui: a discriminação.
A interpretação simbólica da desintoxicação nos leva a pensar na possibilidade de discriminar e avaliar, ou seja, separar o que é bom e saudável do que é ruim e pernicioso para o organismo. Pessoas que sofrem de distúrbios hepáticos podem ser vistas como aquelas que têm problemas no que diz respeito à avaliação e valoração. Pessoas que tem dificuldade de discriminar entre o que é útil ou inútil, importante ou desnecessário.
Um homem de 65 anos de idade, não alcoólatra, começou a desenvolver uma cirrose hepática. Durante nossas conversas, ele relatou que se casou quatro vezes e, em cada um dos casamentos, teve grandes decepções. Havia concluído que não sabia discriminar uma mulher de bom caráter de uma mulher de mau caráter. No primeiro casamento, casara-se com a mulher mais bonita do bairro. Depois de 20 anos de casamento descobriu que a mulher tinha muitos amantes e prostituía-se. A segunda mulher era alcoólatra. A terceira revelara-se uma estelionatária após um ano de relacionamento. No quarto casamento, descobrira que a mulher ainda era apaixonada pelo seu marido falecido e que, só casara-se com ele para ter alguém que a sustentasse. Percebera que todas haviam surgido em sua vida, deprimidas e desprotegidas e ele, na ânsia de cuidar delas, esquecera de observa-las.
Um fígado doente aponta para uma pessoa que está assimilando algo em demasia, algo que ultrapassa sua capacidade de elaboração. Mostra a falta de moderação nas idéias que são exageradamente expandidas e ideais por demais elevados. Os indivíduos que sofrem do fígado perdem, na verdade, a vontade em todos os âmbitos da manifestação da vida e assim, corrigem suas dificuldades através da manifestação de um sintoma. Trata-se de uma manifestação física que se choca com sua falta de moderação e sua mania de grandeza. A doença do fígado faz com que essas pessoas aprendam a serem moderadas, ter paciência e controlarem-se no que se refere aos excessos.
Aqueles que sofrem do fígado deveriam questionar-se cuidadosamente para verem se não estão com dificuldade de avaliar a sua conduta e por conseguinte, sua perda de limites. Talvez valha à pena perguntar-se se sua capacidade de fazer avaliação e discriminação estão corretas. Saber onde é que existe a dificuldade de decidir entre aquilo que pode suportar e aquilo que lhe faz mal.
Será que em algum sentido essas pessoas cometem excessos e precisam que seu fígado lhes dê um limite concreto para que não “voem alto demais” e parem de ultrapassar os limites? Não é necessário que um órgão adoeça para que possamos aprender os limites. A reflexão poderia nos ajudar muito nessa situação.
Talvez, saber se estamos de fato ligados à nossas origens e natureza nos permita aprender os limites que nos cercam. Ver as nossas dificuldades de aceitar os limites que nos foram impostos pela vida, pode ser um outro caminho não só para evitarmos a doença como também proteger um órgão tão importante como o fígado. Dar atenção à sua percepção intuitiva pode ser um caminho importante para evitarmos problemas dessa natureza.
Dar importância aos problemas filosóficos, deixa-los ocupar uma parte de nossa vida, é algo importante também para fazer com que possamos compreender os limites e situarmos a vida diante deles.
Mas existe algo de fundamental quando falamos sobre o fígado: a fé e a confiança. Será que temos fé suficiente para acreditar que as coisas boas possam realmente acontecer conosco e assim deixar que a vida siga seu percurso sem que fiquemos estressados e esgotados pelas angústias de conseguir? Quando se acredita na vida e nas próprias habilidades, pode-se esperar sabendo que teremos como lidar com as dificuldades e problemas e então conseguir o que se deseja. Pode-se então, esperar com algum realismo. Mas quando não acreditamos em nós e não temos uma noção precisa de nossas habilidades, é difícil esperar porque ficamos com a sensação de que dependemos do outro e, por não acreditarmos em nossas próprias habilidades, não temos facilidade de acreditar na bondade e habilidades alheias.
Podemos ter uma noção exata do que se pode esperar do outro e assim, confiar nele? Confiar nas pessoas é uma questão complexa e que deve ser muito bem pensada. Muitas pessoas colocam sua vida nas mãos do outro e quando o outro falha, as pessoas ficam decepcionadas e frustradas. Isso é errado. Na vida, tudo é relativo. Nossa confiança no outro deve incluir a noção de que o outro falha também e que não é Deus. O cuidado com nossa própria vida é sempre um dever do qual nunca estaremos livres. Podemos e devemos confiar no outro, mas nunca deveríamos descuidar de nossa responsabilidade com a nossa própria vida.