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Discurso de pais enlutados: investigação das formas de diminuição da dor do luto.

Resumo

Pessoas que passam por qualquer tipo de perda são levadas à situação de luto. Com o objetivo de elucidar como cuidadores que perderam seus filhos conseguiram suplantar sua dor e quais os meios utilizados para isso; quais as estratégias de apoio psicológico mais eficazes para ajudar os cuidadores a superar essa dor, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com 9 mães que perderam seus filhos na pediatria do Hospital Araújo Jorge.

Das entrevistas emergiram as temáticas: negação ou sentimento de irrealidade, choque, paralisação, reação de esquiva, aumento do sentimento de religiosidade pós-situação de doença e morte, revolta com a religião, culpa relacionada à capacidade de cuidar, rigidez para aceitar mudanças pós-morte, aparecimento de doenças depois da morte do filho (a).

A partir destas temáticas, foram montadas estratégias de apoio correspondentes às necessidades percebidas no discurso dos pais, fortalecendo o trabalho psicológico junto a familiares enlutados. Acreditamos que esse estudo poderá servir como facilitador para futuros alunos desta área que queiram compreender o luto e trilhar os difíceis caminhos que acompanham as perdas resultantes da morte.

Introdução

Apesar de as taxas de cura do câncer ser crescentes, ainda estão abaixo da expectativa de médicos e pesquisadores.
É muito triste e penoso observar que, às vezes, a doença da criança não mais responde positivamente aos medicamentos do processo de tratamento e que a sua morte será somente uma questão de tempo.

Os pais se sentem ameaçados pela possibilidade de morte iminente do filho, pois muitas vezes, no hospital, deparam com a morte de alguma criança provocada pelo câncer. A morte de uma criança portadora da mesma doença de seu filho tem um efeito devastador sobre os pais, significando uma dor imensa que pode afetar sua capacidade de se manter em equilíbrio (Valle, 1997).

“A experiência de pais enlutados está no centro da perda de uma criança e do impacto que isso provoca numa família. Perder uma criança, qualquer que seja a idade pode ser uma das perdas mais devastadoras da vida e seu impacto permanece por anos. Os laços com os pais são fortes. Eles refletem os aspectos da personalidade dos pais e as dimensões históricas e sociais” (Worden, 1998).

A morte, em todas as culturas, sempre foi e é um mistério, com repercussões diferentes para os sobreviventes. Para as sociedades ditas primitivas, ela é um fenômeno complexo e inexplicável e marca a vida individual dos parentes e da tribo.

Nas sociedades tecnologicamente modernas, a morte se reduziu a um fato contra o qual não se pode lutar, mas asséptico; nas grandes cidades não se usam mais os ritos fúnebres, com exceção quando ocorre a morte de pessoas que foram importantes na vida social. Os rituais funerários são práticas relacionadas com a morte e o enterro de uma pessoa, específicos da espécie humana. Estas práticas, variáveis segundo as crenças religiosas sobre a natureza da morte e a existência de uma vida depois dela, implicam importantes funções psicológicas, sociológicas e simbólicas para os membros de uma coletividade.

Os rituais e costumes funerários estão relacionados não apenas com a preparação e despedida do cadáver, mas também com a satisfação dos familiares e a permanência do espírito do falecido entre eles.

Em todas as sociedades, o cadáver é preparado antes de colocá-lo definitivamente no féretro. Práticas como lavar o corpo, vesti-lo com roupas especiais e adorná-lo com objetos religiosos ou amuletos são muito comuns. O tratamento mais meticuloso é o de embalsamento . Os egípcios acreditavam que o corpo tinha que estar intacto para que a alma pudesse passar para a vida seguinte, e para conservá-lo desenvolveram o processo da mumificação. Na sociedade ocidental moderna esse processo é realizado para evitar que os familiares tenham que enfrentar o processo de putrefação dos restos (Enciclopédia Encarta, 2000).

As diferentes formas de despedida do cadáver se relacionam com as crenças religiosas, o clima, a geografia e a classe social. O enterro está associado ao culto dos antepassados ou com as crenças em uma outra vida. A cremação é praticada em algumas culturas com a intenção de liberar o espírito do morto. Práticas menos comuns são as de jogar o cadáver na água depois de um traslado em barco e o canibalismo (Enciclopédia Encarta, 2000).

O funeral, traslado do cadáver ao lugar de seu enterro, cremação ou exposição, supõe uma ocasião para celebrar um ritual que varia em complexidade. Com freqüência, o transporte do corpo se transformava em uma procissão com um ritual fixo.

Nas sociedades ocidentais modernas, os rituais funerários englobam velórios, procissões, soar de sinos e celebração de um rito religioso. O desejo de manter viva a memória do morto deu lugar a muitos tipos de atos, como a conservação de uma parte do corpo como relíquia, a construção de mausoléus, a leitura de elegias e a inscrição de um epitáfio no túmulo. Os estudos antropológicos atuais interpretam os costumes funerários como expressões simbólicas dos valores de uma determinada sociedade. Este enfoque está apoiado na observação de que grande parte do que acontece em um funeral é determinado pelo costume. Mesmo as emoções exibidas nos rituais funerários podem ser ditadas pela tradição. A interpretação antropológica clássica considera as cerimônias que rodeiam a morte, bem como as que acompanham o nascimento, a iniciação à idade adulta e ao matrimônio, como ritos de passagem (Enciclopédia Encarta, 2000).

Em toda a nossa existência, vivenciamos perdas e vitórias. As vitórias são sempre bem-vindas, sejam elas de qualquer tipo: o primeiro salário, o primeiro filho, a formatura. Em contrapartida, as perdas quase sempre são dolorosas e, aos nossos olhos, injustas: perder o emprego, o bicho de estimação, um amigo ou alguém da família.

“Diante de aparentes perdas e derrotas, fica uma sensação reconfortante: o passar por elas de forma coerente entre o que se pensa, o que se diz, o que se acredita e o que se vive” (Tavares, 2001).

As pessoas, normalmente, evitam falar sobre as perdas que decorrem da morte. A morte, na nossa sociedade é um tabu, embora todos saibamos ser ela inevitável. Quando perdemos algo ou alguém, automaticamente somos vinculados física e mentalmente à situação de luto.

É interessante falarmos da sintomatologia do luto porque temos a noção de que quando uma pessoa morre, “entraremos” em luto ou “ficaremos” em luto. Bromberg (1994) analisa os sintomas a partir de reações afetivas como:

a) Depressão: caracterizada por um sentimento de tristeza, e um intenso sofrimento subjetivo, dor mental. Os episódios depressivos podem ser intensos e, algumas vezes, precipitados por eventos externos (receber carinho, ir a certos locais, lembranças de atividades feitas em conjunto, aniversário, etc.). Sentimentos de desespero, lamentação e pena são predominantes.

b) Ansiedade: a pessoa demonstra medo de viver sozinha, de morrer; sente-se ameaçada; tem sensação de impotência, de ser incapaz de sobreviver.

c) Culpa: auto-acusações de eventos do passado; sentimentos de culpa em relação à pessoa que morreu (sentir que poderia ter feito algo para evitar a morte).

d) Raiva e hostilidade: Irritabilidade em relação à família e amigos; raiva do destino, dos médicos e de toda a equipe do hospital.

e) Falta de prazer: perda do prazer obtido com comida, hobbies, eventos sociais ou familiares. Sensação de que nada mais será prazeroso sem a pessoa que morreu.

f) Solidão: a pessoa se sente sozinha mesmo estando na presença de outras pessoas; crises periódicas de intensa solidão, principalmente nos momentos em que a pessoa que morreu estaria presente.

Bromberg (1994), cita ainda as fases que parecem refletir o curso regular do luto normal: entorpecimento, anseio e protesto, desespero, recuperação e restituição.

A fase de entorpecimento que ocorre após um choque, caracteriza-se por uma descrença que pode durar algumas horas ou muitos dias, podendo ser interrompida por crises de raiva ou de profundo desespero. A pessoa se sente perdida, desamparada, imobilizada. Observam-se também evidências de sintomas somáticos (respiração suspirante, sensação de vazio no estômago e rigidez no pescoço). Além disso, a pessoa pode tentar continuar a viver como antes, como se nada tivesse mudado na vida (negação).

A fase do anseio e do protesto se caracteriza por um sofrimento psicológico intenso e uma agitação física. À medida que a pessoa enlutada toma consciência da perda, aparece o anseio de reencontrar a pessoa morta juntamente com crises de profunda dor e espasmos incontroláveis de choro. A pessoa enlutada, nesta fase, movimenta-se sem descanso, como que em busca do morto, mostrando-se obsessivamente preocupada com lembranças, pensamentos e objetos da pessoa que faleceu.

A terceira fase, a do desespero, é a mais difícil de todas porque aqui, o enlutado reconhece a imutabilidade da perda. Instala-se nele, então, a apatia e a depressão; o processo para superar esses sentimentos é lento e doloroso. Ainda persistem os sintomas somáticos incluindo falta de sono, perda de apetite e de peso e distúrbios gastrointestinais.

Na fase de recuperação e restituição, a pessoa enlutada pode aceitar mudanças em si e na situação. Essa nova identidade permite que a pessoa desista da idéia de recuperar aquela que já morreu. Ela, então, sente-se mais confiante e independente e, à medida que se afasta das lembranças da pessoa falecida, busca novas amizades e reata laços antigos. Porém, apesar de se sentir mais ativa, nessa fase, a pessoa de luto passa pelo fenômeno conhecido como “reação de aniversário”, quando algumas datas ativam lembranças e talvez até algum sintoma que já havia cedido. Esse fenômeno pode ocorrer na data de nascimento ou de morte.

No luto dito normal, há um sofrimento provocado pela perda do objeto que é inegável, quando ocorreu a morte. Com a perda do objeto, há perda de partes do ego projetadas neste. Conseqüentemente, há um enorme esforço psíquico, que implica em recuperar as ligações com a realidade, o desligamento dos aspectos persecutórios do objeto perdido e a assimilação dos objetos positivos e bons (Grinberg, 1963, citado por Neli Klix Freitas, 2000, p. 38).

Melanie Klein comenta sobre a configuração específica de relações de objeto e as ansiedades e defesas que surgem destas relações e que persistem durante toda a vida, dividindo o estágio oral em duas fases de desenvolvimento. A posição esquizo-paranóide caracteriza-se pelo relacionamento com objetos parciais. Já a posição depressiva se caracteriza pelo relacionamento com objetos totais e pela prevalência da integração, ambivalência, ansiedade depressiva e culpa (Segal, 1975).

“O modo como as relações do objeto são integradas na posição depressiva permanece como base da estrutura da personalidade” (Segal, 1975).

“A culpa persecutória perante o objeto e o ego desencadeará certamente, o luto patológico. Este resulta em quadros melancólicos e em manifestações psicóticas” (Freitas, 2000).

À medida que prosseguem os processos de integração (que foram iniciados na posição depressiva), a ansiedade diminui e a reparação, a sublimação e a criatividade tendem a substituir os mecanismos de defesa psicóticos e neuróticos (Segal, 1975).

Quando há alterações no processo de juízo da realidade, o luto é considerado patológico (Gonzáles, 1997, citado por Freitas, 2000, p. 39).

O luto patológico tem duas causas: ou a relação não foi suficientemente vivida por ter sido muito curta ou por ter ficado aquém das expectativas ou o indivíduo prefere viver num falso pressuposto (que conduzirá aos terrenos drásticos da psicose) do que a encarar a perda real do objeto (Carreteiro, 2003).

O luto patológico pode ser conceituado como a intensificação do luto ao ponto da pessoa se sentir sobrecarregada e apresentar comportamentos mal-adaptados. Nesse caso, o luto não progride para sua assimilação.

Esse tipo de luto é divido em:

• Luto Crônico: duração excessiva; nunca chega a um término satisfatório. De fácil diagnóstico porque a pessoa enlutada tem consciência de que não está conseguindo passar por ele. As pessoas, geralmente dizem coisas como: “Eu não consigo voltar à minha vida”; “Isto não termina pra mim”.

• Luto retardado ou ausente: Neste caso, mesmo que a pessoa tenha tido uma reação emocional normal, na época da perda, essa reação não foi suficiente para que ela conseguisse superá-la. Então, em outra situação de luto, ela expressa uma emoção excessivamente desadaptada para a perda atual. Esta pode ser considerada uma reação ao luto anterior que não foi vivido adequadamente.

• Luto Severo: intensificação do luto normal: apesar de estar ciente que os sintomas e as condutas mal adaptadas têm a ver com a perda, a pessoa, sentindo-se sobrecarregada, recorre a esses comportamentos. Os sintomas do luto severo são: depressão clínica, ansiedade, alcoolismo severo ou outro abuso de substâncias. Algumas pessoas podem desenvolver sinais de Transtorno de Estresse Pós-Traumático como: tensão no corpo, mal estar em situações que recordam o trauma, sentimentos depressivos, dificuldades para conciliar ou manter o sono, tendência ao isolamento dos demais, sonhos desagradáveis ou pesadelos, sentimentos de culpa, auto-acusações, diminuição do interesse por coisas ou atividades significativas, sensação de um futuro curto, limitação na capacidade afetiva.

“Para que o luto seja resolvido adequadamente, o enlutado precisa confiar nos seus bons objetos internalizados. O sofrimento da perda pode estimular sublimações, que contribuem para a elaboração do luto. Há pessoas que, após o luto intenso, tornam-se mais produtivas, mais tolerantes, mais sensatas. Outras produzem verdadeiras obras de arte (pinturas, esculturas). São experiências prazerosas e representam uma forma de vencer as frustrações e o desprazer” (Freitas, 2000).

Sobre o conceito de luto como experiência psicológica, Bromberg (1999) diz que “o luto somente pode ser entendido se estiver contextualizado também como experiência pertinente ao grupo familiar. Neste caso, o grupo familiar é considerado um sistema que se inter-relaciona com sistemas mais amplos da comunidade, da sociedade e da cultura. O luto afeta a família em muitos aspectos, inclusive pelos canais de relação com esses sistemas”.

Para Bromberg (1999) “para encarar a morte na família, é necessário um rearranjo do sistema familiar e, como conseqüência, a construção de uma nova identidade, um novo nível de equilíbrio”.

Anteriormente falamos sobre alguns tipos de lutos, de perdas. Mas devemos salientar que a perda de um filho é um tipo singular de luto. Perder um filho requer dos pais (ou outro cuidador), um ajuste emocional para enfrentar a situação individual e também as alterações no sistema familiar.

Apesar de todos na família sentirem um vazio ou até mesmo culpa em relação à criança que morreu, talvez a mãe seja a pessoa mais atingida neste sentimento porque ela acredita que poderia ter feito algo, (qualquer coisa), para evitar a morte do filho.

“A morte de um filho abala o equilíbrio familiar. Há diferentes reações entre os membros da família. A mãe, freqüentemente, sente-se culpada por ter falhado nos cuidados maternos, que podem ter contribuído para a morte do filho” (Lazare, 1997, citado por Freitas, 2000).

Sobre esse sentimento de culpa, comum entre mães enlutadas, Gibbon, (1997, citado por Freitas, 2000), diz que muitas vezes, a culpa é tão intensa que a mãe assume a responsabilidade pela morte gerando, assim, manifestações hostis que podem ser dirigidas ao marido (se ele não foi um pai amoroso e tolerante), ou a alguém que foi hostil com o filho.

Sobre o câncer, Sotang, (1984, citado por Freitas, 2000), acredita que “é visto, quase sempre como uma sentença de morte trazendo consigo as metáforas de desgaste, traição, invisibilidade. É ainda, chamado de gravidez demoníaca, em vista do caráter de crescimento do tumor. O tratamento, então, metaforicamente falando, é associado com guerra química (quimioterapia); guerra de mísseis (radioterapia) e ainda vinculado ao desfiguramento, à dor, trauma emocional e perda das funções corporais”.

Em vista dessas considerações e com base nas observações realizadas na pediatria do Hospital Araújo Jorge, este artigo tem como objetivos: a)- elucidar como pais e/ou cuidadores que perderam seus filhos por motivo de morte conseguiram suplantar sua dor e quais os meios que foram utilizados para isso; b)- quais são as temáticas trazidas pelos pais quando entrevistados; c)- quais são as estratégias de apoio psicológico que podemos utilizar para ajudar esses cuidadores a superar essa dor.

Direcionamos nosso enfoque para os pais e cuidadores cujos filhos morreram de câncer e que participam ou participaram do grupo pós-óbito do Hospital Araújo Jorge. Este grupo, coordenado pela psicóloga da Pediatria do Hospital, realiza reuniões mensais com o objetivo de “dividir suas dificuldades e também as diferentes formas de enfrentamento do luto, juntamente com outros pais que partilham da mesma experiência de perda, recebendo paralelamente um apoio emocional adequado” (Gramacho, 2000, p. 31).

Escolhemos o Grupo de Pais Enlutados por acreditar que os pais que freqüentam as reuniões, pelo próprio acompanhamento e compartilhamento de suas angústias, sentiriam-se menos invadidos em sua dor e seu sofrimento, no momento da coleta de dados.

Para realização da pesquisa, foram utilizados instrumentos metodológicos de base qualitativa (observação direta no campo, entrevistas e aplicação de questionário semi-estruturado), utilizando como abordagem a Psicologia da Saúde.

Método

Participantes

Participaram do estudo 9 mães cujos filhos morreram de câncer na pediatria do hospital Araújo Jorge e que participam ou participaram do grupo pós-óbito daquele hospital.

As mães encontram-se na faixa etária de 25 a 65 anos, com nível de escolaridade variando entre o ensino fundamental e o ensino superior completo. As participantes são todas casadas, sendo que 3 pertencem à classe média baixa, 4 à classe média e 2 à classe média alta.

Material

Em alguns casos, a pesquisa foi realizada na sala da psicologia do hospital, na pediatria; em outros casos, de acordo com a escolha da participante a entrevista foi realizada na própria residência.

Foi utilizada uma entrevista semi-estruturada com 11 perguntas (anexo1). As entrevistas foram registradas utilizando-se um gravador com fita cassete. Foram utilizados ainda papel, caneta e computador.

Procedimento

O primeiro passo foi entrar em contato com as mães indicadas pela orientadora que se mostraram acessíveis à participação na pesquisa. Nesse primeiro contato, por telefone, as mães foram informadas sobre o tema, os objetivos e a importância da pesquisa e sobre a contribuição que poderiam dar para outras mães em situação semelhante.

O próximo passo foi iniciar as entrevistas baseadas num questionário de onze perguntas semi-estruturadas. As respostas foram registradas em gravador e depois transcritas e digitalizadas.

Em seguida, juntamente com a supervisora, foi realizada uma análise das respostas para verificar as temáticas emergentes, separando-as por este critério para efeito de re-análise. A partir daí, foi realizada uma comparação das respostas com a teoria estudada para se chegar aos resultados.

Resultados e Discussão

Temáticas trazidas pelas mães na entrevista

Reações e sentimentos diante da ocorrência da morte:
 Desespero:
• “Eu gritei, gritei, gritei”.
• “Foi horrível. Eles levaram ela pro necrotério e eu deitei naquelas macas”.
O sentimento de desespero, relatado aqui, revela que, mesmo estando perto da criança quando esta foi considerada fora de possibilidade de cura e até sua morte, a mãe não consegue suportar a possibilidade de perder esse objeto que era o alvo de suas cargas libidinais (a criança) e que ainda possibilitava a legitimação do laço maternal.

De acordo com Bromberg (1994), “à medida que se desenvolve a consciência da perda há muito anseio por reencontrar a pessoa morta com crises de profunda dor e espasmos incontroláveis do corpo”.

 Negação ou sentimento de irrealidade diante da perspectiva da morte:
• “Nós estávamos todos juntos: pai, irmãos, outros parentes próximos e ele. Achei que ele não tinha morrido”.
• “Pra mim, ele estava bem, mas até aqui (na casa dela) estavam sabendo que o menino estava morrendo.”

Não querer mencionar ou tentar ignorar a morte iminente é um meio utilizado pelas mães para conseguir minimizar a dor da perda. Quando tentamos negar que algo de ruim pode acontecer, afastamos momentaneamente, a ansiedade de separação e a impotência diante da doença e da morte.

 Choque:
Como a maioria dos acompanhantes da criança/adolescente na situação de morte é constituída por mães, percebeu-se que a reação de choque acabou se restringindo à figura paterna, segundo relato pessoal.

Todas as entrevistas foram feitas com as mães. Os pais, que sabiam da entrevista, esquivaram-se da minha presença como pesquisadora. Foi possível perceber que as mães sentiram “raiva” dos pais, como figuras paternas, porque julgavam que estes não estavam tristes ou sofreram menos que elas ou como elas ou não deram a devida importância à perda.

 Paralisação:
• “A gente pensa que não vai sobreviver no dia seguinte.”
• “Quando a Rosane foi embora, eu dormia esperando ela aparecer pra mim”.
O sentimento de paralisação foi notado em momentos posteriores à morte e se referem à incapacidade das mães de reconhecer a imutabilidade da perda. Elas acham que sem o filho a vida não tem sentido e que só conseguiriam continuar vivendo se este ou voltasse à vida ou fizesse “um sinal” de que está tudo bem com ele.

Muitos comportamentos inadaptados podem se associar às idéias de paralisação: desesperança, perda do propósito de vida, anseio pelo filho perdido, visão de imagens do filho com freqüência muito vivas e quase alucinatórias.

 Reação de esquiva diante da morte:
• “Ele chegou a dar três paradas e o doutor César falou que não sabia que dano poderia ter dado no cérebro. Mandou a gente curtir aquele momento com muita intensidade. Você está ouvindo o que o médico está dizendo, você sabe, mas não quer acreditar. Não quer pensar nisso.”
Essa reação é a defesa que a mãe utilizou para não falar na possibilidade de morte e impedir que as outras pessoas falem sobre o assunto. Muitas vezes essa defesa foi feita com agressividade ou com um sentimento incontido de raiva.

Para entender essas reações, é necessário conhecer a história antecedente da mãe, relacionada com perdas, doenças mentais e/ou doenças físicas. Esse conhecimento auxilia tanto a família quanto o terapeuta a perceber quais os sinais que a mãe pode apresentar e se ela passará ou não por um luto considerado patológico.

De acordo com Freitas (2000), pessoas que tiveram reações inadaptadas no passado, tendem a ter reações complicadas no presente. Principalmente se esta perda se referir a um filho.

Crenças pessoais sobre a morte
 Aumento do sentimento ou religiosidade pós-situação de doença e morte:
• “Eu acho que vai chegar um momento que a gente se encontra: não pode ser jogado por terra tudo o que a gente viveu aqui”.
• “Sou católica, apóstolica, praticante, mas a religião se afirmou mais em mim com a doença da R.”.
• “Eu não era muito religiosa não, mas depois da morte do W. o que meu ajudou muito, principalmente, foi a Irradiação Espírita. (…) Você tem que se apegar a alguma coisa se não você entra em desespero. (…) Estudar o espiristimo me ajudou a entender, mas aceitar…”
• “Eu nasci católica, fui batizada católica, mas mudei pra testemunha de Jeová porque o que me consola, um pouco, é que eles acreditam na ressureição.”
• “Como evangélica, eu creio numa volta de Jesus e o espírito dele (do filho) está na memória de Deus”.
A religião pode ser definida como um conjunto de crenças que estabelece e regula as relações entre as pessoas e os seres considerados divinos, sejam eles quais forem: deuses, santos ou outros. A crença e a obediência a seus condutores são o determinante no código das religiões.

Nas crenças citadas nos discursos das mães é clara a certeza que as mães têm de que irão reencontrar o filho perdido. Não importando a religião professada: católica, protestante, espírita ou outra.

 Revolta com a religião
• “Eu briguei muito com Deus”.
• “Quando chega algumas datas você desacredita, revolta com Deus, pergunta: por quê?”
Para que a dor da perda fosse aceita, as mães tentaram entender o porquê de essa tragédia ter acontecido “justo” com ela. E porque Deus sendo tão bom e misericordioso deixou que isso acontecesse com o filho e não com elas.

Saber que todos nós vamos morrer, todos nós temos consciência disso, mas é considerado anormal o fato de um filho morrer antes dos pais. Parece-nos que isso interrompe o curso dito, normal, a ordem natural das coisas.

“Não é exatamente que culpemos Deus pela morte de nosso filho; culpamo-lo mais por sua recusa em responder nossas perguntas sobre essas mortes. É devido a isso que, no transcorrer do luto, não seja incomum algumas pessoas nutrirem certo ressentimento em relação a Deus, quer para rejeitá-lo, quer para tomar isso como a derradeira evidência de que Ele, absolutamente, não existe.” (Miller, 2002, p. 71)

Culpa relacionada à capacidade de cuidar
• “A gente fica se perguntando se foi alguma coisa relacionada com a criação ou alguma coisa que a gente deixou de ter feito.”
• “A gente fica buscando: SE eu tivesse dado importância pro pediatra que demorou a descobrir; SE tivesse levado ele em outro; Será que fiquei acomodada com o pediatra?; Será que eu não poderia ter dado um remédio?”
• “Será que foi alguma coisa que eu dei pra ele comer?”
Quando uma pessoa enferma que está sob seus cuidados falece, é comum sentir culpa por algo que poderia ter sido feito ou não para que a morte não ocorresse. No caso das mães entrevistadas, essa culpa reflete a incapacidade de cuidar, de ser útil e até de amar o próprio filho.

Rigidez para aceitar as mudanças pós-morte
• “O tempo não passa. (…) Eu vivia em função dela e aí depois, cadê? O dia, pra mim, tem 48 horas. Quando eu vinha do serviço ela estava sentada, na rua, me esperando. Quando eu virava a esquina, eu já via. Não tem coisa pior. Isso é uma mutilação.”
• “A minha vida e a do irmão dele era toda voltada pra situação de doença. Depois que ele faleceu, fiquei sem chão. Sentia falta até da rotina de vir pro (sic) hospital”.
“Após a morte do filho, parecia que a vida tinha parado para as mães e que era impossível pensar em coisas novas e que o filho ainda estava vivo, esperando pelos seus cuidados” (Bozeman, et. al., 1998, citado por Flix, 2000).

Apesar de lentas, as mudanças vão acontecendo à medida que as mães tomam consciência de que a perda é irreparável. Mesmo assim, algumas mães, ainda depois de anos, mantêm as roupas que o filho usou pela última vez, o quarto sem ser mexido ou tocado, pertences pessoais guardados e até escondidos para que ninguém tenha acesso, mechas de cabelos, cópias do prontuário médico.

Alguns pais vivem sentimentos ambivalentes em relação aos filhos que “sobreviveram”, pois sentem medo de investir afetivamente nestes, ou por outro lado, passam a super-proteger, com medo de perder estes também.

Aparecimento de doenças depois da morte do filho (a)

• Obesidade
• “Engordei um pouco. Acho que mais por causa da ansiedade.”
• “Eu engordei dez quilos porque pra fazer ele comer, eu comia junto.”
A comida, muitas vezes é tida como uma fuga, um alívio para a angústia e o desespero. Não é incomum encontrar pessoas que recorrem à alimentação (seja ela qual for), em situações de extrema pressão, medo, sofrimento psicológico.

• Depressão:
• “Eu comecei a fazer tratamento com um psiquiatra, mas li a bula e joguei tudo fora. Eu não tinha vontade de nada. Só ficava chorando.”.
Muitos fatores podem dar origem à depressão. Alguns fatores são considerados biológicos quando não apresentam relação visível com a história de vida da pessoa, não existindo, portanto, motivos vivenciais para estar triste ou melancólico e nem se conseguindo perceber causas externas.

Por outro lado, há a depressão causada fundamentalmente por fatores ambientais externos como o estresse, circunstâncias adversas profissionais, familiares, de perda, ruptura, etc. Esses fatores externos não têm uma especificação clara porque não é possível fazer uma relação entre um acontecimento e um quadro depressivo (Ballone, 2005).

É normal sentir-se triste após uma perda, como a morte de um ente querido ou o rompimento de uma relação. Às vezes essa tristeza pode se transformar em depressão, em pessoas que têm tendência depressiva.

• Insônia
• “Para dormir, eu tomo remédio até hoje, mas quatro horas da manhã eu já levanto.”
• “Quando eu perdi, fiquei muito tempo sem dormir.”
• “Direto sinto falta de sono.”
• “A insônia só fez agravar.”
A incapacidade de começar a dormir ou de manter o sono é um fator muito comum relatado pelas mães entrevistadas. Essa insônia pode ser uma reação ou sintoma da depressão, da ansiedade que as mães demonstraram ter na época da doença e depois da morte.

• Claustrofobia
• “Eu tenho horror de lugar fechado porque quando eu cheguei no (sic) hospital, encontrei ela embrulhada num lençol. Pra mim, eles estavam matando minha filha asfixiada. Pra mim, ela morreu porque o povo empacotou ela.”
Transferir o medo real de morte para um sintoma, disfarça ou desloca o medo da própria morte. Esse medo se torna mais consciente a partir do instante em que o filho morre e com ele algumas das possibilidades de perpetuação geracional.

No caso da mães enlutadas esse temor escapa da razão e resiste a qualquer espécie de objeção.

Recursos utilizados, pelas mães, para que a dor do luto fosse amenizada:
1) A volta à rotina profissional foi citada por 4 mães;
2) Manter o cuidado, que era dispensado ao filho que morreu, a outros entes (filhos, netos) foi citado por três mães;
3) Sintomas ditos patológicos como manutenção de santuário ou espera de um “sinal” que “ele” esteja bem foi citado por três mães.
4) A religião (manutenção ou adesão) foi citada por três mães que dizem que independente desta, elas têm fé.
5) A reunião para pais enlutados que é realizada uma vez por mês, foi citada como recurso e apoio de superação da dor do luto por 3 mães.
6) Duas mães disseram que viajar ajudou e ajuda na restituição e equilíbrio emocional pós-óbito.
Estratégias de apoio psicológico que podem ser utilizadas para auxiliar pais e mães na superação da dor do luto.

• Acolhimento dos sintomas ditos patológicos, ainda que por um prazo de até um ano, mas reforçando o movimento de vida, de volta à rotina, de estabilização emocional;
• Estimulação ao retorno à religiosidade, caso seja trazido essa tema como recurso;
Apesar de a religião ser ligada à fé, as reuniões em igrejas, santuários, etc, não deixam de ser também um meio da pessoa retornar ao convívio social.
• Solicitar presença de uma figura religiosa (capelania do hospital);
• De acordo com o vínculo criado entre os pais e o serviço de psicologia, sugerir um encaminhamento, quando necessário, a uma terapia fora da instituição hospitalar.
• Manutenção do Grupo Pós –Óbito;

O grupo pós-óbito foi criado com o objetivo de auxiliar pais, mães e outros cuidadores que perderam seus entes no Hospital Araújo Jorge, a se restituírem emocionalmente.
Preocupou-nos no decorrer do trabalho a utilização, pela sociedade, do conceito de luto patológico como uma forma de exclusão social do enlutado, ou seja, a pessoa deve elaborar seu luto num tempo determinado pela sociedade. Se isso não ocorrer, ela, além de ser considerada como portadora de um luto patológico ela é também vista como louca. Funcionando mais como um mecanismo de exclusão do sentimento do outro.

A sociedade costuma permitir a existência de lutos ditos patológicos para a elaboração da morte dos seus ídolos: Princesa Diana, Aírton Sena, Elvis Presley e a própria beatificação, tão comum no Brasil. Porém, os lutos familiares e próximos não são inteiramente vivenciados e sim socialmente negados.

Referências Bibliográficas

Bromberg, M. H. P. F. (1994). A Psicoterapia em Situações de Perdas e Luto. São Paulo: Psy II.
Ballone, G. J. (2005). Introdução – Depressão – in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br.
Enciclopédia Encarta. 2000. CD-ROM.
Freitas, N. K. (2000). Luto Materno e Psicoterapia Breve. São Paulo: Summus.
Gramacho, Patrícia Marinho. Grupo de pais enlutados: resignificando a perda. Monografia apresentada ao Instituto de Ensino e Pesquisa da Associação de Combate ao câncer de Goiás. Goiânia, jul., 2000.
Miller, A. (2002). Quando uma Criança Morre. São Paulo: Arx.
Parkes, C. M. (1998). Luto: Estudos Sobre a Perda na Vida Adulta. São Paulo: Summus.
Segal, Hanna. (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.
Tavares, G. R. (2001). Do Luto à Luta. Belo Horizonte: Casa de Minas.
Valle, E. R. M. (1997). Câncer Infantil: Compreender e Agir. São Paulo: Psy.
Wordem, J. W. (1998). Terapia do Luto. Porto Alegre: Artes Médicas.

Anexos
Anexo 1

1) Como foi sua infância?
2) Como era sua relação com sua mãe/pai e irmãos na infância?
3) Você já tinha tido perdas significativas?
4) Quais são suas crenças em relação à morte?
5) Em que circunstâncias seu filho morreu? Onde?
6) Qual foi o seu primeiro sentimento, sua primeira reação quando soube (ou viu) que ele havido morrido?
7) Como era e como ficou seu relacionamento com o seu marido?
8) Você sentiu culpa por algo que achava que podia ter feito e não fez?
9) Como era o seu dia-a-dia antes da morte? O que mudou?
10) Depois da morte do seu filho você apresentou alguma doença?
11) Quais os recursos que você utiliza ou utilizou pra passar por essa fase do luto?

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