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Pelada na rua

*Adaptado da cultura popular que circula entre profissionais e estudantes de psicologia.

O velho psicólogo finalmente cede as pressões da universidade e aceita se aposentar. Na primeira tarde que passa em casa percebe que um grupo de meninos do bairro costumava jogar bola todos os dias bem debaixo de sua janela. Um barulho infernal para quem desejava, agora, apenas curtir o merecido descanso. Na sua primeira tentativa de aproximação com os meninos, pede a eles que joguem em outro horário ou não façam muito barulho durante o jogo (coitado, passou tanto tempo sob as paredes do laboratório que não tinha idéia sobre a vida pratica…).
Logicamente ouviu o que não queria dos garotos e voltou para casa preocupado. Tantos anos lidando com repertórios complexos e agora uma enorme dificuldade para resolver um problema da vida cotidiana. Pensou, pensou, pensou… queria muito saber sobre as variáveis que mantinham aqueles meninos jogando. Aproveitou a folga e pôs-se a assistir televisão. Quase por acaso, mudando os canais da televisão, parou em um programa esportivo que tivera poucas chances de assistir nos últimos anos.

O repórter apresentava uma matéria sobre o número de jogadores que estavam sob os cuidados do departamento médico de um clube de futebol da cidade. Entre imagens de jovens treinando e outras com jogadores renomados estirados nas macas do D.M. chegou a ouvir um dirigente, em entrevista ao repórter, reclamando do quanto gastava com os salários dos tais jogadores que estavam em tratamento, do absurdo que era manter uma folha de pagamento tão exorbitante e ter tão pouco retorno…”Eureka!!!” – pensou bem alto o, agora aposentado, psicólogo. No outro dia sentou-se na calçada e ficou vendo os meninos jogarem. Quando estes, exaustos, iam indo embora os chamou para outra conversa.

Alguns dos meninos desconfiados e já reticentes se aproximaram numa postura agressiva: " Nem vem que não tem vovô! Jogamos aqui ha muito tempo e não é agora que um gagá desocupado vai encher a gente!" O psicólogo, encarando sua nova realidade, com muita calma: "Calma garoto. Você tem razão. Mudei de idéia ao vê-los jogar. Vocês jogam bem demais, não devem parar mesmo! Fiquei tão satisfeito com a habilidade de vocês que agora estou do seu lado." Puxou algumas notas de 1 real do bolso e entregou uma a cada um dos meninos dizendo: "Tomem alguma coisa, devem estar com sede" e complementou: "Virei aqui todos os dias para ver vocês jogarem. Se gostar do jogo darei mais um real a cada um." Os dias foram passando, o velho gastou algumas dezenas de reais e os meninos já estavam se sentindo jogadores "profissionais", afinal estavam sendo pagos pelo jogo. Após alguns dias a pelada tinha ficado muito famosa entre os garotos da região e estes faziam filas nos times de fora. Muitos dos primeiros garotos já nem vinham mais pois estava difícil entrar com tantos garotos interessados. Um belo dia, acabada a pelada, os garotos correram ao velhinho que prontamente puxou as notas do bolso e anunciou: "a partir de amanhã continuarei a vir vê-los jogar mas não vou mais pagá-los." Os meninos, indignados, gritavam, xingavam e por fim um deles pos ordem a situação: "Não vai mais nos pagar?" O velho:"Não, agora só quero assistir." O Menino: " Então não vamos mais jogar! Amanhã, a pelada será na rua de baixo!" …e foram embora.

Quando os meninos se foram o velhinho, com uma ponta de remorso, abriu um sorriso e pensou: "amanha vou poder descansar em silencio." O esporte é sem dúvida um evento aglutinador. Diversas pessoas, em papéis diferentes, reúnem-se em volta de atividades esportivas. Cada vez mais cedo na vida de nossas crianças o esporte tem deixado de exercer funções pedagógicas e recreativas, para tornar-se uma mera reprodução do esporte de alto rendimento adulto. Perdemos, com isso, a oportunidade de um uso saudável de modalidades esportivas para a transformação social. Ao invés disso temos caminhado no sentido de manter as coisas com estão. Nota: elas não estão tão bem assim. A história que acabou de ler serve para ilustrar o quanto o comportamento que está sob controle de conseqüências naturais (o prazer do movimento, uma finta humilhante, um gol, a reação da torcida,…) pode acabar sendo determinado por fatores como dinheiro, status, patrocínio, … não que eu queira me posicionar completamente contrário ao esporte profissionalizado. Apenas pensemos como e quando um jovem deve exercer uma prática esportiva nestas condições. Muitos ficam intrigados com a mudança de performance de jovens promessas que se “apagam” quando se tornam “profissionais”. Todo mundo conhece ou conheceu um jovem nesta situação. Terá sido você?

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