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Drogadição: solventes e inalantes

Introdução

Solvente (que dissolve coisas) e inalante (toda substância que pode ser inspirada). Normalmente todo solvente é uma substância altamente volátil, isto é, se evapora muito facilmente, daí que podem ser facilmente inalados.

Um número enorme de produtos comerciais, como esmaltes, colas, tintas, thinners, propelentes, gasolina, removedores, vernizes etc. contém esses solventes.

Todos esses solventes ou inalantes são substâncias pertencentes a um grupo químico chamado de hidrocarbonatos, tais como o tolueno, o xilol, o n-hexano, o acetato de etila, o tricloroetileno etc. Para exemplificar, eis a composição de algumas colas de sapateiro vendidas no Brasil:

CASCOLA – Tolueno + n-hexano

PATEX EXTRA – Tolueno + acetato de etila + aguarrás

Um produto muito conhecido no Brasil é o "loló" ou "cheirinho" fabricado clandestinamente à base de clorofórmio e éter; é utilizado por jovens nas festas e carnavais, para fins de abuso.

Mas já se sabe que quando estes "fabricantes" não encontram uma da­quelas duas substâncias eles misturam qualquer outra coisa em substituição.

Encontramos ainda o lança-perfume. Aquele líquido que vem em tu­bos e é encontrado principalmente no carnaval. É contrabandeado de ou­tros países sul-americanos, já que sua produção no Brasil é proibida. Esse líquido é composto de cloreto de etila de clorotila, mas cada vez mais o nome lança-perfume está sendo utilizado para designar o "cheirinho" ou "loló".

O fenômeno de inalação voluntária de produtos químicos contendo substâncias voláteis se desenvolveu nos países industrializados em seguida à sua fabricação em massa, seja sob a forma de colas, de material de limpe­za, de esmaltes, de produtos de higiene, de aerossóis ou de produtos bási­cos como éter, acetona ou mesmo gasolina.

Há grande divergência a respeito da questão da periculosidade real dos solventes. Se a ocorrência de acidentes graves devidos à inalação vo­luntária de produtos é incontestável, não há estimativas quanto à sua inci­dência entre os usuários, podendo existir elevada disparidade quanto à co­leta de dados, qualquer que seja o país.

Epidemiologia

As substâncias inalantes estão disponíveis legalmente, são baratas e fáceis de se obter. Esses três fatores contribuem para o alto uso de inalantes entre os jovens pobres. O uso maciço dos solventes começou no início da déca­da de 60, nos USA. Em 1991, cerca de 5% da população norte-americana havia usado inalantes pelo menos uma vez e cerca de 1% era usuária atual.

­Segundo esses levantamentos, os usuários da raça branca são mais comuns do que os da raça negra ou os hispânicos.

As primeiras referências sobre o seu uso como droga de abuso no Brasil datam do período entre 1965 e 1970.

O uso de inalantes responde por 1% de todas as mortes relacionadas a substâncias. O que pode ser pautado como certo é que o risco somático varia conforme o produto usado. Mas, qualquer dessas substânci­as pode induzir perturbações dos ritmos cardíaco e respiratório, provo­cando, em condições extremas, a "Síndrome de Morte Súbita pelo Cheirar".

Para certos produtos, sabe-se que a toxicidade é mais elevada, inde­pendente do modo ou da freqüência de usar. Assim, a benzina causa rapi­damente hemopatias (doenças sanguíneas), os tetraclorados de carbono provocam nefropatias (doenças renais) graves e os diversos metilos, polineuropatias severas.

No Brasil, no entanto, tais compostos são pouco usados; o tolueno, substância ativa da cola, o produto mais consumido, felizmente não de­monstra uma toxicidade elevada, em oposição ao segundo produto o mais comum, o loló, ou lança-perfume, cujos componentes éter e clorofórmio provocam facilmente reações adversas, sozinhas ou em combinação, de modo que acidentes fatais por "inocentes cheiradores de loló" não são incomuns.

No conjunto, o risco de morte, se bem que limitado, não pode ser negligenciado. A maioria dos agravos somáticos, no entanto, é reversível a curto prazo, ao contrário das reações psicopatológicas, com freqüência prolongadas e graves.

Na América Latina não são as minorias sociais que representam o maior grupo de risco, como na Europa e nos USA; este é recrutado entre a "maioria social", a grande massa da população pauperizada, cuja juventu­de encontra no uso de solventes um meio barato de evasão mediante expe­riências prazerosas curtas, mas intensas, propiciando sonhos e esqueci­mentos. O uso de inalantes é evidenciado, sobretudo em meninos de rua.

Se a inalação voluntária de solventes por jovens do Brasil corresponde a um fenômeno social, vinculado, nas suas manifestações em classes desfavorecidas, a fatores como a fome, a miséria e o abandono, ela não se deixa reduzir a uma conseqüência desses fatores. Além dos fatores sociais e aqueles inerentes ao produto tóxico, cabe levar em conta a personalidade do usuário, suas vivências, conflitos e carências.

O consumo de inalantes faz parte da subcultura de tal grupo, excluído da sociedade estruturada em conseqüência da sua marginalização. Esta merece o rótulo de "passiva", resultante das condições socioeconômicas que marcaram a origem desses jovens, com a falta de oportunidades míni­mas para educação e saúde, para habitação condigna e alimentação ade­quada.

Tudo indica, portanto, que eles não cheguem a cheirar inalantes sim­plesmente por "vício", por serem "marginais", mas por uma questão que toca a sua sobrevivência enquanto seres humanos. Sem querer minimizar o problema ou enfeitá-Ia, temos de admitir que a droga propicia momentos de entorpecimento que libera emoções, de relaxamento e até de alegria, advindo com idéias persecutórias à qual estão expostos.

Aspectos Clínicos

Efeitos no Cérebro e no Corpo

O início dos efeitos após a aspiração é bastante rápido – em 15-40 minutos já desapareceram; assim, o usuário repete as aspirações várias ve­zes para que as sensações durem mais tempo.

A ação geral dos inalantes se dá como depressores do Sistema Nervo­so Central (SNC). As concentrações sangüíneas são aumentadas quando associadas ao álcool, por competirem com os mesmos enzimas que metabolizam o álcool. Os inalantes são detectados no sangue por quatro a dez horas após o uso.

De forma bastante similar ao álcool, os inalantes têm efeitos farmacodinâmicos específicos que não são bem compreendidos. Alguns investigadores sugeriram que os inalantes operam através de uma amplia­ção do sistema do ácido gama-aminobutírico (GABA). Outras hipóteses já foram formuladas (fluidização da membrana).

O aparecimento dos efeitos após a inalação dos solventes foram divi­didos em quatro fases:

I – FASE DE EXCITAÇÃO: (desejada) a pessoa fica eufórica, apa­rentemente excitada, pois ocorrem tonturas e perturbações auditivas e vi­suais, mas podem aparecer também náuseas, espirros, tosse, muita salivação e as faces podem ficar avermelhadas.

II – FASE DE INIBIÇÃO: a inibição neuronal do cérebro começa a predominar, ficando a pessoa, confusa, desorientada, voz meio embargada, visão embaçada, perda do auto-controIe, dor de cabeça, pali­dez, vendo e ouvindo estímulos inaparentes.

III – DEPRESSÃO PROFUNDA: redução acentuada do alerta, incoordenação ocular e motora com marcha vacilante, fala enrolada, refle­xos diminuídos; podem ocorrer evidentes sintomas alucinatórios.

IV – DEPRESSÃO TARDIA: inconsciência, queda de pressão, so­nhos estranhos, convulsões. Esta fase ocorre com freqüência entre aqueles cheiradores que usam saco plástico e após certo tempo já não conseguem afastá-Io do nariz e, assim, a intoxicação torna-se muito perigosa, levando ao coma e morte.

Finalmente, sabe-se que a aspiração repetida, crônica, dos solventes pode levar à destruição (necrose) de neurônios.

Além disso, pessoas que usam solventes apresentam-se apáticas, têm dificuldade de concentração, déficit de memória e são extremamente pessi­mistas. Os solventes praticamente não atuam em outros órgãos, a não ser no cérebro.

Entretanto, existe um fenômeno produzido pelos solventes que pode ser muito perigoso. Eles tornam o coração humano mais sensível à adrenalina, o que faz o número de batimentos cardíacos aumentar (taquicardia). Essa adrenalina é liberada toda vez que o corpo humano tem de exercer um esforço extra do padrão ataque/defesa. Assim, se uma pessoa inala um solvente e logo depois faz um esforço físico seu coração pode sofrer. A literatura médica já registra muitos casos de morte por síncope cardíaca, principalmente de adolescen­tes.

Os solventes, quando inalados cronicamente, podem levar a lesões da medula óssea (tecido produtor de células sangüíneas), dos rins, do fígado e dos nervos periféricos que controlam os nossos músculos. O benzeno, mesmo em pequenas quantidades, provo­ca a diminuição da produção de glóbulos brancos e vermelhos pelo orga­nismo.

Um dos solventes bastante usado nas nossas colas é o n-hexano. Essa substância é muito tóxica para os nervos periféricos, produzindo degene­ração progressiva dos mesmos, a ponto de causar transtornos na marcha, podendo chegar à paralisia.

A prática da inalação de solventes, mesmo intensa e freqüente, não causa dependência, nem psíquica nem física, e não há, por isso, síndrome de abstinência.

A tolerância se instala no final de um a dois meses.

Referências Bibliográficas

Bucher R Drogas e drogadição no Brasil. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1992.

Goodman G As Bases Farmacológicas da Terapêutica. 9ª edição. Rio de Janeiro: The McGraw Hill, 1996.

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Griffith E & Malcom L A Natureza da dependência de Drogas. Porto Alegre: Editora Artes Médi­cas, 1994.

Kaplan HI, Sadock JB & Greeb AJ Compêndio de Psiquiatria: Ciências do Comporta­mento e Psiquiatria Clínica. 7ª ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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