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As bases da Psicanálise e os Pais das Psicanálises

Este trabalho tem por objetivo comparar os conceitos de Energia Psíquica, Libido e Inconsciente (estrutura e dinâmica da psique) em três importantes teóricos: Freud, Jung e Reich. Esse texto não apresentará os conceitos em formas de tópicos, mas dentro do contexto de cada construção teórica.
O conceito de Inconsciente foi uma evolução dentro das Ciências Psicológicas (como eram intitulados os estudos em Psicologia até o início do século XX) que marcou profundamente todas as Ciências Humanas e até mesmo algumas disciplinas das Ciências Naturais. Trazia à tona uma possibilidade de resposta para perguntas incômodas aos olhos dos estudiosos que pautavam suas teorias sob o paradigma Positivista, como Wundt, Watson e outros.

O primeiro teórico do Inconsciente a concatenar um conjunto de idéias e hipóteses dispersas em obras filosóficas, como a de Schopenhauer e Nietzsche, foi o fundador da Psicanálise, Sigmund Freud. Seus estudos sobre a histeria na última década do século XIX o levaram a formular a hipótese de um mecanismo mental inacessível à memória, porém tão ou mais influente que este na subjetividade humana. Necessitamos compreender sua obra antes de passarmos a Reich e Jung, visto os conceitos destes suporem os conceitos de Freud.

Freud
   
Utilizando o método da hipnose (ainda como colaborador de Breuer, médico vienense renomado), Sigmund Freud percebeu que as manifestações histéricas estavam ligadas a recordações que em condições normais seriam impossíveis às pacientes de trazê-las à tona. Observou também que estas lembranças provocavam não somente o sintoma histérico, mas influenciavam o comportamento cotidiano das pacientes. A partir daí, formulou a hipótese de que a mente dessas pessoas poderia estar bipartida, onde o conteúdo traumático tivesse sido oculto a fim de evitar sofrimento, mas viria à tona por meio dos sintomas sem que fosse reconhecido.

Com seus estudos sobre os sonhos, Freud aprimorou este conceito: este “ocultar” de lembranças não se limitava às histéricas, mas se estendia a todos os seres humanos.

O sonho era a prova mais evidente: no conteúdo onírico, surgem elementos mnemônicos que permaneciam inacessíveis em estado de vigília, retornando durante o repouso através de simbolizações, algumas vezes mais, algumas vezes menos diretas.
 

A energia psíquica e a libido
 
É necessário analisarmos inicialmente o conceito de pulsão (Trieb), que, para Freud, é um aumento de tensão, um acúmulo de energia mental voltado para um objeto. Essa energia mental Freud a intitulou de libido; teria caráter dinâmico, sempre alternando acúmulo e descarga – a descarga gerando alívio ou prazer. O impedimento de descarregar-se essa energia acumulada gera grande desprazer, o que leva a mente a recalcar essa pulsão, “aprisionando-a” no Inconsciente. Ela tem a tendência de sempre retornar, isto é, a mente continuará tentando descarregar essa energia acumulada afim de alcançar equilíbrio.

O conceito de libido em Freud é essencialmente erógeno, isto é, ligado ao prazer, ainda que não diretamente erótico/reprodutivo. O autor ainda divide a libido em narcísica, predominante no início do desenvolvimento humano, onde o prazer se encontra no próprio corpo; e objetal, onde o prazer está ligado aos objetos externos do desejo.
 

Inconsciente, estrutura e dinâmica da Psique
 
A Primeira Tópica da mente
 
Assim, Freud formulou a primeira tópica da mente (intitulado Modelo Pulsional ou Dinâmico), dividindo-a em Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. O Consciente seria, conforme expressão comumente usada, a ponta do iceberg da mente humana. É onde se encontra o domínio lingüístico e semiótico da mente humana, e também o raciocínio. O Pré-Consciente é a seção onde encontram-se os traços mnemônicos acessíveis ao Consciente, não-recalcados e num estágio pré-representativo. No Inconsciente, a área mais vasta e insondável da mente, encontram-se as lembranças recalcadas: tudo aquilo que, sem o auxílio da análise, está fora do alcance do Consciente.

Assim, a maior parte do comportamento humano seria ditado pelos conteúdos inconscientes, que estão em constante necessidade de descarregar-se; para tanto, o Inconsciente utiliza-se de diversos recursos, como o Deslocamento, a Condensação, a Projeção e a Sublimação, citando apenas os mais importantes dentre diversos outros estudados por Freud.

As histéricas, objeto dos primeiros estudos de Freud, possuiriam os sintomas histéricos por causa de desejos sexuais não satisfeitos, pelo fato de serem proibidos (por serem incestuosos ou simplesmente “depravados”).
 
 

A Segunda Tópica
 
Estudando esses fenômenos e, particularmente, após seus estudos sobre o Narcisismo e sobre o complexo de Castração e Édipo, Freud aperfeiçoou o conceito de Inconsciente, formulando a chamada Segunda Tópica (intitulado Modelo Estrutural), dividindo a mente em Id, Ego e Superego.

O Id é a maior estrutura da mente. Nele encontram-se as pulsões e todo material recalcado (mas não se deve confundi-lo com o Inconsciente da Primeira Tópica). Assim, seu caráter é sempre afirmativo, isto é, para o Id não há recusa, ele sempre busca a satisfação plena, irrestrita e imediata (essa característica é intitulada de princípio de prazer). É a estrutura mais primária da mente, predominando nos primeiros anos de vida do ser humano.

Gradativamente, essa predominância é superada por uma estrutura que é uma diferenciação do Id, o Ego. Formado a partir do contato do indivíduo com o meio externo, o Ego é o controle sobre o Id, condizendo seus desejos com o que o meio pode ou permite oferecer-lhe (característica intitulada de princípio de realidade).

A parte mais diferenciada da mente, surgida a partir do complexo de Castração e Édipo, é o Superego. Nesta estrutura, encontram-se os valores morais do indivíduo, introjetados particularmente a partir do contato deste com as figuras parentais. Atua, inibindo os anseios inconvenientes do Id através do mecanismo de culpa.
 

O complexo de Castração e Édipo – nascimento do Inconsciente
 
O complexo de Castração e Édipo é apontado como o momento do surgimento definitivo do Inconsciente e é um elemento central na teoria psicanalítica “ortodoxa”[1].

Ligeiramente, podemos explicar esse complexo da seguinte maneira: para os meninos, o desejo que sente pela mãe, vindo do vínculo existente entre ambos desde o nascimento, sofre um revés quando este percebe que ela não possui o falo. Após uma fase de recusa desse fato, o menino percebe que quem provê a mãe do falo é o pai, e este a teria castrado. Dentro do que Freud e os psicanalistas que o seguem intitulam de “equação simbólica”, o menino chega à conclusão de que o pai o castrará, assim como castrou a mãe, por desejá-la. Ele então recalca esse desejo e introjeta a figura do pai como um ideal a ser seguido, a fim de um dia substituí-lo.

Para a menina, Freud e seus seguidores admitem não existir uma explicação satisfatória. Esta seguiria um percurso diferente: imaginando-se possuidora de um falo, quando depara-se com o fato de não tê-lo e de sua mãe também não possuí-lo, tenta recusar esse fato, admitindo para si possuir um falo diminuto (o clitóris). Desloca então seu objeto de desejo (que inicialmente era a mãe, devido ao fato do vínculo gerativo) para o pai, por este possuir o falo, desejando assim dar-lhe um filho[2]. Não há uma explicação clara sobre como esse processo se encerra; aparentemente, o desejo pelo pai simplesmente se dissiparia, explicação evidentemente insuficiente.
 Pulsão de Vida e Pulsão de Morte (Eros e Thanatos)  

Em sua obra “O Mal-estar na Civilização”, Freud tenta dissertar a respeito do problema clássico da “metafísica última”, isto é, o bem e o mal. Apresenta uma distinção entre as pulsões, onde a Pulsão de Vida guiaria a busca pelo desenvolvimento pleno na integração, sendo assim a base do convívio e da civilização. É o que leva os seres humanos a conviverem e colaborarem entre si para sua sobrevivência e satisfação. A Pulsão de Morte seria o instinto de desintegração, responsável pela destruição e aniquilação. Guia o indivíduo para a fixação (isto é, o não-desenvolvimento) e a fragmentação.
   

Jung
 
Carl Gustav Jung foi por muito tempo o principal colaborador de Freud. A teoria dos complexos, de onde Freud extraiu a base para formular os princípios dos complexos de Castração e Édipo, é de sua autoria, para dar um exemplo dentre tantas contribuições que deu a obra de Freud.

O distanciamento de Freud por Jung deve-se basicamente por três pontos:

a) Jung não dava tanto peso ao papel de uma pulsão sexual na mente humana, como Freud fazia – veja-se o princípio da Psicanálise, pautada na análise de desejos sexuais não realizados nas histéricas.

b) O complexo de Castração e Édipo não teria um papel tão central na formação da mente nem da personalidade do indivíduo.

c)  Seus estudos sobre misticismo e religiões incomodaram a Freud, conhecido por sua defesa ferrenha do ateísmo e que via a religião como uma espécie de patologia.

Não se está aqui deixando de lado possíveis fatores menos elevados para o distanciamento entre Freud e Jung, como disputas dentro da Sociedade Psicanalítica ou a polêmica tese de uma disputa entre os dois pelo amor de uma paciente. Importa mais o percurso do desenvolvimento teórico da Psicanálise.
    

Energia Psíquica e Libido
 
Para Jung, existiria uma energia psíquica que seria a base para todos os processos psíquicos, em nível elementar, isto é, ainda sem ligações a objetos quaisquer. Ele amplia o conceito freudiano de libido, recusando-se a aceitar a visão desta como essencialmente ligada ao prazer erógeno: ela estaria ligada a todos os processos vitais do ser humano, como fome, sede, necessidade de repouso etc.
 

Inconsciente, estrutura e dinâmica da Psique
 
A conceituação de Jung sobre o Inconsciente segue caminho bem distinto do de Freud, porém, deve-se sempre ter em mente que seus conceitos supõem a conceituação de Freud, ao menos em sua primeira tópica.

Para ele, a psique (como intitulava a mente) era constituída por três níveis: a Consciência, o Inconsciente Pessoal e o Inconsciente coletivo.

A Consciência é o nível das lembranças e das percepções, proporcionando o contato com a realidade e a adaptação a esta. Julgava-a secundária diante do Inconsciente, no que concordava com Freud.

O Inconsciente Pessoal é o nível do inconsciente pertencente ao indivíduo. Estão aí suas experiências, impulsos, desejos, percepções fugidias etc., numa ampliação do Inconsciente freudiano. Além disso, para Jung o acesso ao Inconsciente Pessoal não seria tão difícil, por não ser tão profundo. Esse nível estaria organizado em complexos, isto é, agrupamentos de idéias, lembranças etc., em torno de um assunto específico. O Ego seria um complexo presente no Inconsciente Pessoal, aglutinando material concernente à consciência do indivíduo sobre si mesmo.

O corpo do iceberg estaria no chamado Inconsciente Coletivo.
 

O Inconsciente Coletivo

 Seus estudos sobre religiões, antropologia e misticismo levaram Jung a concluir que diversos traços culturais são comuns às mais diferentes culturas. Diante desse fato, Jung chega a conclusão que fariam parte de um repertório de recordações comum a toda humanidade, o Inconsciente Coletivo.

É o “pano de fundo” da personalidade, desconhecido pelo indivíduo, e que contém as experiências acumuladas ao longo da evolução da espécie humana (Jung não deixa claro se este conteúdo seria transmitido geneticamente ou não). É considerada a força mais potente da personalidade.

Constitui-se por arquétipos, estruturas básicas formadas ao longo da evolução em torno de temas que repetiram-se ao longo de seu processo. Atualizam-se (no sentido filosófico do termo) na interação com o meio, “preenchendo-se” e atuando sobre a personalidade.

Dentre os arquétipos mais importantes, Jung destaca:

– A Persona e a Sombra

A Persona é a estrutura onde se encontram os traços de personalidade visíveis por serem socialmente aceitos; é como uma máscara, necessária para o convívio. Pode não corresponder a verdadeira personalidade do indivíduo. Já a Sombra é seu oposto, depósito dos traços de personalidade que não são aceitos socialmente. Mais ainda, contém traços de desejos e atividades ligadas às formas mais primitivas de vida, completamente amorais. Contudo, é a fonte da criatividade, da espontaneidade e das emoções mais profundas. Não há um antagonismo necessário entre Persona e Sombra (como entre Id e Superego).

– Anima e Animus

A mente possuiria também ideais introjetados do que seja o masculino e o feminino.

Assim, um indivíduo masculino possuiria características femininas inconscientes (o anima); o indivíduo feminino, características masculinas inconscientes (o animus).
– Self

Mais importante arquétipo, é o equilíbrio de todos os aspectos do inconsciente, proporcionando estabilidade e unidade ao indivíduo. Tenta sempre promover a auto-atualização, isto é, o desenvolvimento integral e harmônico de toda a personalidade.
 
Diante dessa breve explicação, fica evidente o quanto os estudos de Jung afastaram-se dos de Freud. Sua conceituação sobre a psique dá margem a uma práxis analítica completamente diversa da freudiana, sendo a preferida por estudiosos da mente mais ligados às artes e ao misticismo, por considerarem esta teoria como a que melhor contempla esses aspectos do ser humano.

Passemos agora a mais um dissidente da escola freudiana, Wilhelm Reich.
   

Reich
 
Wilhelm Reich participou por um curto período de tempo dos círculos psicanalíticos. Suas teorias também pressupõem as de Freud, porém estendem-se para muito além das idéias do primeiro teórico da Psicanálise, partindo para a Biologia, Sociologia, Fisiologia e até mesmo Meteorologia, Cosmologia etc. Será apresentada aqui uma conceituação muito breve de suas idéias, concentrando-nos nos temas em debate.
 

Energia Psíquica e Libido
 
Reich principia seus estudos em Psicanálise problematizando o conceito de libido. Em “A energia das pulsões”, artigo publicado em 1921, ele define a pulsão como sendo a expressão motora do prazer experimentado. Assim, o que se encontra na psique não é a própria energia mas apenas uma representação.

Esses estudos o levaram a afastar-se em pouco tempo das concepções de Freud. Enquanto este caminhava para uma concepção estruturalista da mente, Reich nunca abandonaria a posição de considerar a energia psíquica como elemento central para a compreensão da mente.

A energia psíquica percorre todo o corpo, segundo Reich. A psique e o corpo possuem a mesma energia, responsável por todos os processos vitais. Com esta concepção, o autor abriu as portas para a terapia corporal e para a medicina psicossomática.

Dentro dessa concepção, a libido seria a parcela dessa energia diretamente ligada à excitação sexual, porém não de forma exclusiva. Em “A função do Orgasmo”, Reich defende que a saúde do ser humano, física e psíquica, depende diretamente do pleno desenvolvimento da “potência orgástica”, isto é, da plena capacidade do indivíduo descarregar a potência libidinal sem as travas de qualquer repressão.
 

Inconsciente, estrutura e dinâmica da psique
 
É importante salientar que Reich admite a primeira tópica freudiana da psique, dividindo esta em Consciente, Pré-consciente e Inconsciente. Porém, estava mais preocupado com a dinâmica da psique, a economia da energia psíquica, e não com conceitos estruturais.

Seus estudos sobre a transferência o levaram à obra “Análise do Caráter”. Segundo ele, o caráter é uma configuração da psique, formada a partir das vivências do indivíduo, que visa evitar o desagradável e manter o equilíbrio psíquico, consumindo energia recalcada ou que escapa à repressão. Essa configuração reflete-se na denominada “couraça muscular”: tensionamento da musculatura conforme o material reprimido no Inconsciente, levando a determinados modelos de comportamento e constituição corporal.

Na última fase de seu trabalho, cujo cume é a obra “The discovery of the Orgone” (2 vols.), Reich amplia sua concepção de energia psíquica ao realizar a polêmica descoberta da Orgone. Esta seria uma forma de energia presente em todo o Cosmos, responsável pela vida. Ela é auto-organizadora e auto-suficiente, compondo todos os processos químicos e biológicos do Universo, possibilitando que estes se organizem, constituindo o Cosmos como o conhecemos.
   

Conclusão
 
Há muito que se conhecer ainda sobre o ser humano. Os caminhos que levaram esses teóricos a tentar compreender têm uma origem comum, mas são bastante distintos.

São três importantes tentativas de desvendar esse enigma fascinante de nossa existência. Contudo, o que podemos apontar é o quanto falhou a tentativa de compreender-se o ser humano através de estruturas universais, modelos teóricos que passam por cima da singularidade e da infinita diversidade de formas que a vida humana pode tomar.

As psicanálises continuam na busca por mais e mais conhecimento sobre o humano, e assim se espera que continue.

 
[1] A Associação Brasileira de Psicanálise considera como psicanalista somente aquele que tem sua atuação terapêutica dentro do método analítico e que “aceite incondicionalmente o conceito de Complexo de Castração e Édipo”, cf. em http://lacan.net

[2] Para a conceituação aqui usada de Castração e Édipo, lancei mão de argumentos de Melanie Klein e Lacan, considerados continuadores fiéis de sua obra.

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