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Trabalho e Família – Novas Formas de Trabalho e Relação Familiar

Mudanças no Mundo do Trabalho

O trabalho flexível que possibilita ao homem e à mulher trabalhar em casa, trouxe uma falsa sensação de que é possível trabalhar com mais liberdade, no entanto, o que podemos perceber como já foi dito no primeiro capítulo é que as pessoas que trabalham em casa talvez sejam mais controladas do que as que estão no escritório, pois o chefe não tem um controle direto sobre a sua presença e o tempo que dedica às suas tarefas.

Além disso, a expectativa de que dessa forma seria possível dar mais atenção à família caiu por terra, quando se percebeu que era muito difícil dividir o espaço doméstico com o trabalho e ser ao mesmo tempo pai e funcionário.

Temos ainda uma outra forma de se misturar a vida privada com o trabalho, quando apesar do homem ou da mulher trabalharem fora, levam ao final do dia, tarefas para serem concluídas em casa, muitas vezes porque já está muito tarde e estão cansados ou têm outros compromissos. Ao se chegar em casa com essas tarefas, o rádio da empresa, celular, lap-top e o que mais for possível, não há possibilidade de se relaxar e brincar com os filhos ou conversar com a mulher ou marido. A casa se torna um prolongamento do trabalho e as necessidades da família – inclusive e principalmente afetivas – ficam em segundo plano, geralmente para o período de férias.

Mudanças na Família
A partir da emancipação da mulher no séc.XX, as alterações familiares foram sendo feitas, entre outras razões porque a mulher passou a ter o poder sobre o seu próprio corpo e portanto sobre uma possível gravidez, tirando do homem a decisão quanto à procriação.O surgimento dos métodos anticoncepcionais deu a esta mulher o direito ao prazer de desfrutar de sua sexualidade.

A família começou a se confrontar e interagir com o aborto, a pílula, a inseminação artificial e o divórcio e aquele modelo que por tanto tempo nos foi imposto como universal (pai, mãe e filho) foi sofrendo novos arranjos, alterações e hoje temos vários modelos de família convivendo,entre eles, a família monoparental (mãe e filhos, ou pai e filhos), a família recomposta (mãe, padrasto e filhos do 1º casamento convivendo na mesma casa com filhos do 2º casamento), homoparental (casais homossexuais que adotam um filho).

A família fracassou na tentativa de se manter como um refúgio, isolada de todos os males da sociedade e do trabalho, pois ela é, a todo momento, bombardeada por novos estímulos, exigências regras e modelos de educação, cultura, beleza, enfim, modelos de homem e mulher.

Além disso, ao perder o seu status de refúgio e proteção, surge uma nova função familiar como nos aponta Mizrahi:

“(…) Se o trabalho protege menos, a única “proteção” que o refúgio familiar pode ainda oferecer aos filhos é desprotegê-lo o mais rápido possível. Assim, o espaço privado parece devorar a si mesmo como espaço protetor, na medida em que se mostra cada vez menos capaz de influenciar o mundo do trabalho.” ( Mizhari,2004, p;81)

Existe uma expectativa por parte da empresa que não só o homem, mas também que a mulher não deixe o seu rendimento e a sua produtividade ficarem prejudicados por conta de suas obrigações parentais. Dessa maneira, a gravidez, a amamentação, a entrada da criança na escola ou creche bem como o seu acompanhamento nas reuniões de pais não são consideradas justificativas para faltas e mesmo os direitos garantidos por lei como licença à maternidade não são respeitados. A mensagem que fica subentendida é que a empresa precisa da sua força de trabalho e não dos seus problemas familiares, pois estes são de ordem pessoal, da vida particular, a mesma vida particular que ironicamente é invadida pelo trabalho quando necessário, e na maioria das vezes é.

Além disso, no que diz respeito ao afeto e aos vínculos entre pais e filhos, assim como as relações superficiais estabelecidas no ambiente de trabalho, os pais podem optar por uma relação mais distante com os filhos como forma de se defender do sofrimento inevitável no momento de uma separação por conta do trabalho.

Experiências de Desemprego

Um homem ou mulher que estejam vivenciando uma situação de desemprego, por mais que guardem peculiaridades em suas formas de entender, vivenciar e exprimir o que estão passando, são iguais numa coisa, estão sofrendo. E não há como ser diferente já que estamos falando de sujeitos sociais que tiveram a sua subjetividade fortemente marcada ao longo do tempo pelo trabalho. Ou seja, o homem aprendeu a se reconhecer e ser reconhecido e valorizado através de sua função para a sociedade, através de seu trabalho. Diante dessa situação que joga homens e mulheres no desvalor é normal buscar por outros papéis sociais que lhe resgatam a identidade e a auto-estima.

“(…) em que medida, ao perder o emprego, o sujeito pode como recurso extremo, ver nos papéis de pai e mãe formas últimas para tentar ainda garantir seu reconhecimento e valorização? (Mizhari, 2004, p.102-103)

É bom lembrar que essa manobra é sempre mais fácil para a mulher (que por muito tempo teve o seu papel como mãe e “do lar” valorizado) do que para o homem que historicamente é visto como o provedor da família. Porém, mesmo as mulheres não se livram da sensação de ficarem ultrapassadas quando optam por cuidar apenas da família ou quando ficam desempregadas.

Outras questões foram surgindo; como os conflitos entre o papel do homem e da mulher, do pai e da mãe e o relacionamento entre pais e filhos. Além das questões relativas à culpa e medo pelo excesso de trabalho e mudanças nos vínculos afetivos por conta das exigências das empresas.

Penso que questões que envolvem e mobilizam tantas forças e tanto sofrimento não podem ser ignoradas pelos psicólogos que não atuam senão nessa mesma sociedade onde esses conflitos surgem. Como nos aponta Bock 10 “A Psicologia não tem sido capaz de, ao falar do fenômeno psicológico, falar de vida, das condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens”.

É praticamente impossível pensar em subjetividade sem considerar as condições de trabalho ou situações de desemprego que ora estamos mergulhados enquanto psicólogos ora como trabalhadores que também somos. Não podemos perder essa dimensão do trabalho – a dimensão do trabalho que fazemos dia a dia – nos consultórios, nas escolas, nos hospitais, Postos de Saúdes, Juizados, Conselhos Tutelares, enfim, em todas as nossas entradas.

Ter uma escuta que considere o sujeito à nossa frente como um sujeito sócio-histórico, atravessado por todas as problemáticas econômicas e políticas de seu tempo, é respeitar o que em nós há desse sujeito. Por outro lado, fechar os olhos para um contexto no qual se estabelece um conflito, seja ele familiar ou político e querer trabalhar com o sujeito singular, individual, é negar o que em nós também pulsa como sofrimento pela nossa própria condição de trabalhador à deriva, no momento em que os nossos consultórios não mais estão cheios e que ter um nome ou muitos anos de carreira não é mais sinônimo de estabilidade.

Não podemos evitar que os conflitos do trabalho atravessem as questões familiares, mas através de uma escuta sensível e honesta, poderemos agir como facilitadores de comunicação e propor o debate, a discussão, a resolução do impasse que incomoda e para o qual temos feito vista grossa. Talvez não seja possível mudar o mundo do trabalho nem ao menos fazer psicologia sem ideologia. Mas que seja então uma ideologia do bem comum e uma psicologia humanitária. Porque sem ideologia não há sonho que se sustente e sem sonho, não há trabalho que valha à pena.

Como já dizia o poeta Cazuza “(…) ideologia, eu quero uma pra viver…”.

E eu também.

10 BOCK, Ana Mercês. A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: BOCK, Ana Mercês, GONÇALVES, Maria da Graça, FURTADO, Odair (orgs.). Psicologia sócio-histórica. SP: Editora Cortez, 2001.

BOCK, Ana Mercês . A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. In: BOCK, Ana Mercês, GONÇALVES, Maria da Graça, FURTADO, Odair (orgs.). Psicologia sócio-histórica. SP: Editora Cortez, 2001.

MIZRAHI, Beatriz Gang – A relação pais e filhos hoje – a parentalidade e as transformações no mundo do trabalho , RJ, Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004

ROUDINESCO, Elisabeth – A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003 .

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