Introdução psicológica
Chama-se afetividade a capacidade de experimentar sentimentos e emoções. A afetividade compreende o estado de ânimo ou humor, os sentimentos, as emoções e as paixões.
Jean Delay define o estado de ânimo ou humor como "a disposição afetiva fundamental, rica em todas as instâncias emocionais e vitais, que dá a cada um dos nossos estados de ânimo uma tonalidade entre dois pólos, um patético e outro apático. Na esfera tímica, que engloba todos os afetos, o humor representa um papel similar ao que a consciência tem na esfera noética, que engloba todas as representações; é, portanto, a mais elementar e ao mesmo tempo a mais geral".
Para Bleuler, o humor consiste na "soma total dos sentimentos presentes na consciência em dado momento". É a tonalidade afetiva que acompanha os processos intelectuais (percepções, representações, conceitos) em determinado momento e que varia de acordo com as circunstâncias. Os estados de consciência estão a todo instante impregnados por esta tonalidade afetiva fundamental, pois todo ato intencional encerra desde a sua origem uma tonalidade afetiva, do mesmo modo que nenhum estado afetivo é desprovido de significado. No estado de ânimo há a confluência de uma vertente somática e de uma vertente psíquica, que se unem de maneira indissolúvel para dar como conseqüência um colorido especial à vida psíquica momentânea.
Störring considera necessário estabelecer a diferença entre o humor fundamental ou dominante e os estados de ânimo mais superficiais e passageiros. O primeiro, escreve, costuma experimentar ligeiras variações periódicas e espontâneas (isto é, não provocadas por motivos exteriores) nos indivíduos normalmente sãos. O estado afetivo fundamental de um indivíduo (alegria, bem-estar, júbilo, felicidade, inquietação, angústia, tristeza, desespero) depende Inteiramente das circunstâncias pessoais da vida, dos desejos, inclinações e especialmente do estado de sua saúde física. Muitas alterações desfavoráveis do estado afetivo são perfeitamente compreensíveis e respondem de maneira adequada a motivos psicológicos, como, por exemplo, a morte de um parente, uma enfermidade grave. Se o indivíduo não experimenta uma distimia, quando existe uma causa que justifique o seu aparecimento, deverá ser considerado como anormal. Fala-se, ao contrário, da existência de uma distimia anômala quando não se encontra nenhum motivo que possa explicá-la ou o motivo admitido é insignificante e não mantém a devida proporção com a resposta afetiva desencadeada por tal estímulo (Störring). Segundo Kurt Schneider, um dos componentes principais do estado de ânimo básico é o sentimento geral de maior ou menor vitalidade que se encontra ligado a múltiplas sensações subliminares procedentes de diferentes órgãos ou regiões do corpo. O humor é vivido corporalmente: está unido à própria corporeidade. O enfermo maníaco sente o seu próprio corpo como flutuante, infatigável e cheio de vigor, enquanto o depressivo sente-o como apagado, pesado, decaído e murcho.
O estado de ânimo básico depende consideravelmente das condições vegetativas (autônomas) do organismo, e de modo especial de uma função que tem o seu centro no diencéfalo, à qual se dá o nome de função tímica.
O sentimento é um estado afetivo atenuado, estável, duradouro e organizado com maior riqueza e complexidade do que os elementos representativos. Kurt Schneider considera os sentimentos como "estados do eu" que não podem ser controlados pela vontade e que são provocados por nossas representações, pelos estímulos procedentes do mundo exterior ou por alterações sobrevindas no interior do organismo. Uma classificação dos sentimentos com base em sua estratificação foi estabelecida por Max Scheler, que os diferencia em quatro grupos: 1) sentimentos sensoriais; 2) sentimentos vitais; 3) sentimentos psíquicos ou anímicos, considerados como sentimentos do eu; 4) sentimentos espirituais ou da personalidade.
Os sentimentos sensoriais se encontram muito próximos da corporeidade, estão localizados em determinadas partes do corpo, tais como a dor e o prazer. Esses sentimentos não devem ser confundidos com as sensações. Diz Stumpf que todos os sentimentos têm "uma referência vivida ao eu (ou à pessoa) que os distingue dos outros conteúdos ou funções (perceber sensações, representar), referência em princípio diversa de outra que pode acompanhar o ato de representar, querer e pensar". Os sentimentos sensoriais têm algumas características especiais: atualidade, localização, funcionam como sinal, no sentido de que algo está ocorrendo, não têm duração definida e falta-Ihes intencionalidade, o que não ocorre com os sentimentos superiores.
Os sentimentos vitais, tais como o bem-estar e o mal-estar, o sentimento de saúde ou de enfermidade, os sentimentos de vida ascendente ou descendente, a calma e a tensão, a alegria, a tristeza e a angústia não espiritual, pertencem ao organismo como totalidade. Ao contrário dos anteriores, os sentimentos vitais não estão localizados; neles existe continuidade, duração e intencionalidade.
Os sentimentos psíquicos ou anímicos pertencem ao eu. A tristeza e a alegria são claramente intencionais. Lersch considera-os como "sentimentos dirigidos", pelo fato de tratar-se de formas sentimentais reativas diante do mundo exterior. O indivíduo pode tornar-se triste ou alegre em conseqüência de uma notícia, o que demonstra, neste caso, a participação ativa do eu. Os sentimentos anímicos não estão ligados diretamente à percepção, mas ao sentido, ao significado do percebido. Não representam uma função do eu, senão uma modalidade do eu. Tristeza e alegria são sentimentos claramente intencionais, próprios do eu, que podem também manifestar-se como sentimentos vitais, quando provenientes do fundo endotímico.
Por último, os sentimentos espirituais. Esses sentimentos estão subordinados aos conteúdos das vivências. Trata-se de sentimentos relativos ao núcleo da personalidade. "A atitude afetiva de uma pessoa em determinada situação deriva do núcleo de sua personalidade, o que se poderia chamar o seu eu, e ocasiona, espontaneamente, as intelecções condicionadas sentimentalmente, as quais, por sua vez, podem funcionar depois de algum tempo como núcleos de cristalização plenos de sentido para seus sentimentos e tendências valorativas" (Störring). A beatitude, o desespero, o remorso, a paz e a serenidade espiritual são exemplos desta suprema região da vida emocional, na qual o ser pessoal não está entregue a nada alheio, pois "são precisamente o ser e o valor por si mesmo da própria pessoa que constituem o fundamento da beatitude ou do desespero" (Scheler).
A emoção é um estado afetivo intenso e complexo, proveniente de uma reação ao mesmo tempo psíquica e orgânica, do indivíduo inteiro contra certas excitações internas ou externas (Lahr). A emoção está na dependência dos centros diencefálicos e acompanha-se normalmente de reações neurovegetativas do Sistema Nervoso Autônomo (motoras, secretoras, viscerais, vasomotoras) e psíquicas, que se manifestam objetivamente pela expressão da emoção.
A paixão é definida por Henri Piéron como a "tendência predominante e geralmente exclusiva, que exerce, de maneira mais ou menos constante, uma ação diretriz sobre a conduta e o pensamento, dirigindo os juízos de valor e impedindo o exercício de uma lógica imparcial". A paixão, diz Ribot, é a emoção em permanência.
O estado de ânimo influi consideravelmente na direção de nossa conduta e no curso do pensamento. "A euforia faz o pensamento fácil, a tristeza torna-o arrastado e lânguido." As emoções influenciam e, algumas vezes, chegam a dominar de modo completo o curso do pensamento.
Patologia e valor semiológico
Entre as alterações da afetividade, estudam-se as seguintes:
Hipertimia
Na hipertimia ou estado de ânimo morbidamente elevado, distinguem-se a euforia e a exaltação afetiva patológica.
A euforia simples se traduz por um estado de completa satisfação e felicidade. Verificam-se elevação do estado de ânimo, aceleração do curso do pensamento, loquacidade, vivacidade da mímica facial, aumento da gesticulação, riso fácil e logorréia. A euforia simples é observada nos indivíduos predispostos constitucionalmente e, em sua forma pura, na fase maníaca, nos estados hipomaníacos, na embriaguez alcoólica, na demência senil. Na epilepsia, podem-se verificar estados de euforia simples, nas crises de automatismos mímicos, em geral de duração rápida, que se manifestam por acessos.
Na exaltação patológica há não só euforia, mas, também, aumento da convicção do próprio valor e das aspirações. Vai acompanhada de aceleração do curso do pensamento, que pode chegar à fuga de idéias, desviabilidade da atenção e certa facilidade para passar rapidamente do pensamento à ação. A instabilidade afetiva desses enfermos se traduz pela extrema facilidade com que eles passam da euforia à tristeza ou à cólera. O estado de ânimo é o da distimia expansiva. Nos estados de exaltação patológica os enfermos dão a impressão de mais jovens, há aumento do turgor vitalis, manifestações de apetite voraz e de excitação sexual, insônia, grande facilidade dos movimentos expressivos e tendência irresistível à ação.
Hipotimia
Na hipotimia ou depressão patológica, verifica-se o aumento da reatividade para os sentimentos desagradáveis, podendo variar desde o simples mal-estar até o estupor melancólico. Caracteriza-se, essencialmente por uma tristeza profunda e imotivada, que se acompanha de lentidão e inibição de todos os processos psíquicos. Em suas formas leves, a depressão se revela por um sentimento de mal-estar, de abatimento, de tristeza, de inutilidade e de incapacidade para realizar qualquer atividade. Nas formas graves, os doentes apresentam um estado de profundo abatimento: fisionomia triste, traços contraídos, atitude em semiflexão. Os enfermos estão dominados por um profundo sentimento de tristeza imotivada. No doente deprimido, as percepções são acompanhadas de uma tonalidade afetiva desagradável: tudo lhe parece negro. Os doentes perdem completamente o interesse pela vida. Nada Ihes interessa do presente nem do futuro e, do passado, são rememorados apenas os acontecimentos desagradáveis. As percepções são lentas, monótonas, descoloridas. Ao enfermo parece que os alimentos perderam o sabor habitual. Nos estados depressivos, as ilusões são mais freqüentes do que as alucinações. As idéias deliriformes são comuns, expressando geralmente idéias de culpabilidade, de indignidade e de auto-acusação. O pensamento é lento e o próprio ato-de-pensar é acompanhado de um sentimento desagradável. O conteúdo do pensamento exprime motivações dolorosas. O doente não pode livrar-se de suas idéias tristes.
O quadro clínico da depressão patológica é caracterizado pela inibição, refletida na lentidão e pobreza dos movimentos, na mímica apagada, na linguagem lenta, monótona, algumas vezes expressa numa voz sussurrada. Em alguns casos, a inibição motora acompanha-se de um estado de tensão da musculatura voluntária, quadro clínico esse denominado pelos antigos autores "estado atônito".
Os sintomas somáticos são evidentes. As alterações vasomotoras se revelam pelas mãos frias e cianosadas, pela cianose dos lábios e pela hipotermia. São freqüentes os espasmos vasculares, com elevação da pressão arterial, palidez da face e diminuição do turgor vitalis. Os doentes dão a impressão de mais velhos. As perturbações digestivas são constantes: língua saburrosa, inapetência, prisão de ventre. As perturbações circulatórias ocasionam um sentimento subjetivo de opressão na região cardíaca, determinando a chamada angústia precordial.
Em determinados casos, sob a influência de fatores externos ou em conseqüência de causas internas temporárias, a depressão pode aumentar de modo considerável, determinando um estado de excitação ansiosa, quando o enfermo, não encontrando solução para o sofrimento intolerável, tenta o suicídio.
A depressão patológica é um dos sintomas fundamentais dos transtornos mentais afetivos, em sua fase melancólica. Estados depressivos podem ser observados em todos os quadros psicóticos e neuróticos. Mas, nos transtornos mentais afetivos a depressão tem uma origem endógena, está ligada a fatores afetivos internos, que escapam à compreensão do doente. Nos quadros neuróticos, ao contrário, a depressão é reativa, isto é, psicogênica, originando-se de situações compreensíveis e de experiências desagradáveis. A sua anormalidade está apenas na intensidade e na duração do estado depressivo, que não corresponde às causas que a determinaram. Além disso, costuma desaparecer com relativa facilidade quando se modifica a situação externa desfavorável, enquanto na melancolia a depressão é inacessível às influências exteriores.
Exemplo clínico – Um enfermo de Honório Delgado, portador de depressão melancólica em vias de remissão, descreveu, retrospectivamente, alguns traços do seu estado depressivo: "Como se fosse uma onda de sofrimento, de incompreensão, de desarmonia, de impotência; um estranho sentimento, muito íntimo, de ausência de vontade de agir… sem desejo para nada… Há ausência quase absoluta dessa força espiritual que impulsiona as idéias e nos faz pensar em algo… Parece que o meu receptor mental, que normalmente tem certa quantidade de fluido gerador de força, tinha carga muito reduzida… diríamos como a luz amarela de um carro com acumulador descarregado, que só ilumina um metro de caminho, impossibilitando a visão da perspectiva. O que se experimenta com maior intensidade é uma enorme onda de algo que é mais do que sofrimento e impotência juntos, que asfixia o espírito… Sinto enorme peso de arrependimento e pesar por ter ocasionado sofrimento aos meus, pois eu matei minha mãe de preocupação com todas as minhas loucuras. Tudo isso me faz desejar a morte…".
Apatia ou indiferença afetiva
Bleuler salienta com muita razão que a apatia, no sentido de que a afetividade esteja completamente abolida, não se observa nunca em nenhum transtorno psicótico. Entretanto, a diminuição dos móveis afetivos é um sintoma constante em várias enfermidades mentais. Na esquizofrenia, por exemplo, os autores antigos admitiam a existência de um "embotamento afetivo", no sentido de uma derrocada completa da afetividade. Observações posteriores revelaram que nesta enfermidade não existe, "embotamento afetivo"; ao contrário, as alterações afetivas são devidas aqui a um "transtorno da coordenação" entre os sentimentos e o pensamento. O que se verifica, na realidade, é uma alteração qualitativa dos processos afetivos, tornando os sentimentos dos esquizofrênicos inadequados e inteiramente incompreensíveis para as pessoas normais. Os enfermos se conservam apáticos e indiferentes diante de situações emocionais ou se manifestam alegres ante acontecimentos que, normalmente, provocam tristeza.
Indiferença afetiva e uma completa ausência de "sensibilidade moral" são observadas em certas personalidades anormais (os psicopatas), especialmente naqueles indivíduos os quais Kurt Schneider chama "insensíveis". Diz Schneider: "São indivíduos destituídos de compaixão, de vergonha, de sentimento de honra, de remorso e de consciência". Muitos assassinos são personalidades anormais insensíveis. A indiferença afetiva revelada por certos criminosos habituais pode conduzir ao erro de considerá-Ios como esquizofrênicos. Bonhoeffer deixou uma descrição muito viva das alterações afetivas reveladas por estes delinqüentes: "O sintoma se manifesta sob a aparência de estoicismo diante de situações que se tornariam desagradáveis e até insuportáveis para um indivíduo são. Em primeiro lugar, a simples inação (não fazer nada), que se torna tão desagradável – quando muito prolongada – às pessoas normais, persiste e se observa nesses pacientes durante meses seguidos, inclusive no mais absoluto isolamento, sem que nem por um instante sequer revelem alguma iniciativa ou manifestem verdadeiro desejo de trabalhar. Muitas vezes contrasta com esta indiferença uma rápida e quase impulsiva compreensão da situação, por exemplo, diante da impossibilidade de evasão". Esse estado de apatia, de indiferença emocional, assemelha-se a certos casos de inafetividade dos hebefrênicos. Mas uma indiferença afetiva real, no sentido de uma incapacidade para sentir emoções delicadas, só é observada nas personalidades psicopáticas insensíveis. Kurt Schneider chama a atenção para a particularidade de que nem todos os "psicopatas insensíveis" são obrigatoriamente anti-sociais, pois existem as naturezas de aço, os "indivíduos capazes de marchar sobre cadáveres".
Admitia-se antigamente que nos estados demenciais e na deficiência mental existe uma obrigatória deficiência da afetividade. Entretanto, Bleuler mostrou que, nesses casos, o transtorno se concentra na capacidade de raciocínio e não no campo da afetividade. "Os pacientes perderam o conceito do que é permitido, do que é bom e do que é belo (moralmente falando), e, por conseguinte não podem por isso revelar sentimento algum. Quando se consegue, por qualquer artifício, fazê-Ios compreender uma situação, a reação afetiva correspondente aparece sem deficiência, manifestando-se, ao contrário, muitas vezes mais intensa e mais fácil pela diminuição das funções inibidoras. A idéia de que o déficit intelectual congênito se acompanha, como regra geral, de um déficit afetivo deve também sofrer limitações" (Bumke).
Exemplo – "A minha condição espiritual, a situação dos meus sentimentos é incompreensível, é um estado de impossibilidade de sentir emoções. Não posso, mesmo que queira, experimentar amor ou ódio; não tenho nenhuma espécie de emoções, não consigo sentir alegria, por exemplo, nem muito menos tristeza; não tenho medo de nada, nem de ninguém, nem de nenhum perigo. Quando houve o tremor de terra na semana passada, eu me encontrava no salão de bilhar e todos saíram correndo no maior desespero. Eu permaneci completamente indiferente, apesar de compreender o perigo a que estava exposto."
Manifestações de indiferença afetiva são também observadas nos neuróticos. Na melancolia, o desinteresse pelas coisas do mundo exterior revelado pelos enfermos pode conduzir ao erro de considerá-Ios como casos de apatia esquizofrênica.
Sentimento de falta de sentimento
Em pacientes esquizofrênicos observa-se o curioso fenômeno do sentimento de falta de sentimento. Os enfermos se queixam de que não experimentam sentimentos de espécie alguma, de que não sentem ânimo para participar de festas ou de qualquer tipo de distração. Recusam ir às sessões de praxiterapia ou a diversões ou passatempos promovidos no meio hospitalar. Um dos nossos enfermos nos disse certa ocasião: "Eu não sinto emoções. Acabaram-se as minhas emoções. Desejo sentir emoções. Ouvir música e sentir emoções. Passe um remédio que me faça sentir emoções."
Sentimento de insuficiência
Os enfermos deprimidos manifestam alterações dos sentimentos no sentido de uma espécie de "sentimento de insuficiência", que os incapacita para a prática de qualquer ação. Trata-se de uma incapacidade real, motivada pelo transtorno primário da afetividade. Diz Jaspers que a consciência de ser inútil para o mundo real, incapaz para qualquer ação necessária, inapto para determinar-se, a indecisão, o sentimento de não ser capaz, de não poder pensar, de ter perdido a memória, causam um profundo sofrimento ao paciente. Nem sempre essas queixas correspondem a uma insuficiência real, ou podem existir em grau moderado. Correspondem, provavelmente, à inibição geral que acompanha os casos de depressão.
Sentimentos sem objeto
Em determinados casos é possível observar o aparecimento de sentimentos sem objetos, pelo menos na aparência, mas que ocasionam profundo sofrimento aos pacientes. Nas depressões endógenas pode-se verificar uma espécie de angústia indeterminada, que não se encontra ligada a nenhum fato real, à qual Bleuler denominou "angústia flutuante". Em alguns casos, esse tipo de angústia determina um estado de grande inquietação, que pode determinar a prática de atos de extrema violência contra si mesmo ou contra pessoas do ambiente.
Sentimentos inadequados
Em pacientes esquizofrênicos, algumas vezes, as reações são inteiramente inadequadas aos estímulos. Acontecimentos que, normalmente, produzem reação intensa em indivíduos sãos, podem ocasionar, nesses enfermos, uma reação paradoxal; os fatos podem ser acompanhados da mais completa indiferença, ou, em determinadas circunstâncias, fatos banais provocam intensas reações afetivas. Um enfermo hebefrênico assim se referiu à morte do pai: "Na ocasião eu me encontrava em casa, acompanhei o funeral e fiquei muito satisfeito porque não era a mim que estavam enterrando. Agora me encontro enterrado vivo."
Bleuler descreveu a inadequação dos sentimentos com a denominação de "dissociação afetiva", admitindo que se tratava de um sintoma primário da esquizofrenia. Por dissociação afetiva, compreende-se uma alteração da referência dos sentimentos e das emoções às circunstâncias do momento, dando como resultado uma alteração das conexões normais no sentido de inadequação afetiva. Fala-se, em sentido geral de "dissociação afetiva" como uma dissolução das lógicas dos sentimentos.
Exemplo – "A paciente, com 18 anos de idade, não apresentou alterações durante os anos escolares. Ao término do curso primário fez a aprendizagem de costureira, realizando durante os dois primeiros anos excelentes progressos na profissão. No terceiro ano, inesperadamente, adoeceu. Não podia trabalhar nem se alimentar, perdeu a capacidade de concentração e somente após grande esforço conseguia tomar alguma decisão. Tinha a impressão de que o mundo se tornara pardacento. No primeiro surto, pobre de sintomas, houve remissão com o tratamento insulínico. Nove meses depois apresentou o segundo surto, acompanhado desta vez de excitação, que motivou a sua internação. Aparentemente, não presta atenção ao que acontece em torno de sua pessoa, porém conhece pelos nomes o médico e a enfermeira e sabe perfeitamente que se encontra internada numa clínica. O comportamento é alternante: ora está tranqüila no leito, ora começa a andar de um lado para outro, desfaz a cama, dirige cumprimentos amistosos às pessoas e, subitamente, começa a gritar e a cuspir em todas as direções, sem levar em conta as pessoas que se encontrem em sua frente. De vez em quando grita como uma desesperada. Ao ser levada ao refeitório, experimenta a comida, joga o prato para longe e grita para a enfermeira que estão lhe dando veneno. Em seguida ri de maneira descontrolada, dá gargalhadas. Depois de algum tempo, durante o qual se manteve tranqüila e abordável, começa a insultar as pessoas presentes e entre a torrente de insultos intercala gargalhadas, corre de um lado para outro, grita, lançando impropérios. Pouco a pouco vai ficando tranqüila e depois de algum tempo se mostra tão atenciosa como em seus tempos de normalidade. Um tio materno é alcoolista crônico. Uma irmã e dois irmãos sofrem de esquizofrenia" (Bash).
Qualidades novas dos sentimentos
Nos quadros de estado de defeito da esquizofrenia é muito comum verificar-se que o enfermo revela sentimentos e estados de ânimo qualitativamente novos, na maioria das vezes indefinidos e incompreensíveis. Os pacientes fazem referência a sentimentos de pavor, desespero, de solidão, de desprezo social, ou a sentimentos de beatitude e de iluminação divina.
Diz Nágera que a indeterminação dos sentimentos, unida à mudança de qualidade, determina o aparecimento de inexplicáveis sentimentos de solidão, de inadaptação ao ambiente, de encontrar-se fora do mundo, "de não estar de acordo consigo mesmo", de revelar contradições em seus mais íntimos sentimentos.
Pânico
O pânico consiste numa vivência de extraordinária repercussão psíquica, tão intensa em certos casos que se tem tentado denominá-Ia de reação neurótica de pânico. Trata-se de uma síndrome fugaz observada em raras ocasiões, principalmente na guerra, nas grandes catástrofes e nos tremores de terra. Baelz chamou de estupor emotivo a uma intensa comoção psíquica originada pelo medo. Caracteriza-se pela cisão dos processos psíquicos afetivos, paralisia dos sentimentos e ligeira obnubilação do sensório. O indivíduo permanece apático e indiferente, porque não pode chorar, nem expressar nenhum sentimento. Manifesta-se imediatamente depois da comoção. Observa-se em alguns soldados ou operários retirados dentre escombros causados por deslizamentos de terra: nos primeiros instantes, o indivíduo parece inteiramente normal, para em seguida submergir no estupor. Trata-se de um bloqueio psíquico parcial da consciência, pois os reflexos tendinosos, sensitivos, luminosos e viscerais estão conservados. Em alguns casos, o quadro clínico se complica com idéias deliriformes de tipo persecutório e alucinações, reveladas através de algumas palavras, cujo quadro se mantém por alguns dias. O estupor psicogênico não impede que o enfermo se mantenha asseado, procure posições cômodas e se alimente em horas certas, o que demonstra a conservação de certo grau de lucidez do sensório.
Honório Delgado descreveu um quadro clínico denominado de "reação neurótica de pânico", como uma reação aguda provocada por situações intempestivas de grande perigo, o que causa profunda impressão. A resposta emocional é de terror pânico, com alterações momentâneas da consciência. É observada nas situações de catástrofes, especialmente em pessoas predispostas emocionalmente. Os sintomas vinculados ao estado emocional, com violenta repercussão somática, são os seguintes: estupor, estupor emocional, vertigens, lipotimias, relaxamento muscular, vômitos e incontinência vesical e intestinal, ou, ao contrário, tempestade motora, excitação intensa acompanhada de gritos. Em uma ou outra forma costumam apresentar-se vários graus de perturbação da consciência, algumas vezes idéias deliriformes, ou simples desorientação, com ou sem amnésia subseqüente. Passada a causa imediata, a crise desaparece por completo, ainda que nem sempre de imediato: este é o traço distintivo das reações histéricas, cujas reações persistem durante longo tempo. Por sua vez, tem sido observado em grandes catástrofes que indivíduos propensos a manifestações histéricas se comportam de maneira normal, ou vêm a apresentar fenômenos histéricos reativos depois de passado o perigo. O prognóstico nem sempre é bom: as pessoas frágeis que tenham apresentado em alguma ocasião uma reação de pânico, em situações de real perigo, por exemplo, as de trabalho em minas ou na aviação, podem apresentá-Ia de novo sem que exista maior risco de volta a suas ocupações habituais. Nesses casos, impõe-se a mudança de ambiente.
No Transtorno do Pânico é importante a identificação do, assim chamado, ataque de pânico. Neste momento, o sentimento de abandono do indivíduo é tão intenso que impede nossa comunicação ou qualquer outra abordagem consigo.
O ataque se caracteriza pela manifestação de um terror abrupto e espontâneo, sem motivo "aparente". Externamente podemos admitir, mas e o "inaparente" interno? Freud já lidava com isso em fins do século XIX.
O pânico vem acompanhado de uma revolução autonômica: taquicardia, sudorese, tremores, falta de ar, dor no peito, náusea, ondas de calor e arrepios, despersonalização e por aí vai. No homem o mais comum é a sensação de morte iminente, em geral, por infarto do miocárdio; nas mulheres, a mais temida é a sensação de estar enlouquecendo.
Confesso que tenho certa resistência em usar a expressão Doença do Pânico, ou mesmo, Síndrome ou Transtorno do Pânico, como se tem insistido há mais de duas décadas. Para mim este quadro sempre existiu, isto é, nada tem de novo. Virou modismo, da mesma forma que a Doença de Alzheimer, que é muito rara. Preferimos chamar às crises de angústia pânica que se repetem de Ansiedade Paroxística Recorrente.