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Um pouco de Filosofia Quântica – parte IV

Se perguntarmos a uma pessoa escolhida ao acaso se o mundo externo existe, o das árvores, casas, nuvens ou outras pessoas, provavelmente ela nos olhe com estranheza e comece a duvidar de nossa saúde mental. Se insistirmos com a pergunta: Existe essa árvore? – passado o assombro e o temor de ser vítima de alguma piada com uma câmara oculta – provavelmente nos responda:
“É claro que sim, existe! Não a estou vendo? Além disso, posso tocá-la e provocar ruído se a golpear. Posso sentir o aroma de suas flores, o gosto de seus frutos. Claro que existe! Não pergunte bobagens!”, e sairá aborrecida pelo tempo perdido.
Porém, responder justificadamente essa “bobagem” é um dos sérios problemas da filosofia que tem dividido os pensadores em doutrinas irreconciliáveis, surgidas em adotar diferentes respostas à pergunta
da existência do mundo externo. Analisemos este problema e algumas correntes filosóficas que dele emanam.

Mas o que isso tem a ver com mecânica quân­tica?

Muito.

As diferentes posturas que se podem assu­mir a respeito do problema da existência do mundo externo, considerando que o sistema físico e suas proprie­dades são extraídos da suposta realidade do mesmo, são de fundamental importância para se tentar desenvolver uma interpretação da mecânica quântica.

Veremos que certos eventos implicam em uma tomada de posição defi­nida referente ao problema filosófico exposto. Quem o desconheça não poderá apreciar as graves diferenças entre as mencionadas interpretações da mecânica quântica.

Retomemos os argumentos que a pessoa consultada deu para "demonstrar" a existência da árvore. Vê-la, tocá-la, cheirá-la, ouvi-la. Todas estas "provas" da existência da árvore fazem alusão à percepção sensorial que se tem da suposta árvore. Veremos, contudo, que as mesmas não demonstram sua existência, mas que, na melhor hipótese, somente demonstram a existência da percepção ou, mais precisamente, daquilo que Bertrand Russell chama, os dados sensoriais.

Quando afirmo "vejo a árvore", o que eu vejo não é a árvore, mas um grande nú­mero de raios de luz que se propagam da suposta árvore até meus olhos. "Ver a árvore" não demonstra sua exis­tência, apenas a somatória desses raios de luz. Na obscuridade total, não se veria a árvore, mas suponho que a mesma não deixa de existir. Ou seja, que "ver a árvore" não é equivalente à que "a árvore existe". Pior ainda, "ver" tampouco demonstra a existência dos raios de luz, senão, talvez, a de uma imagem que se forma em minha retina depois que esses (supostos) raios de luz passam pela córnea e se combinam como em uma tela de cinema.

Mas podemos continuar questionando. "Ver" faz alusão a certas vibrações e excitações de certas células fotossensíveis, chamadas cones e bastonetes, que compõem a retina. E, mais. Faz alusão a complexos sinais bioelétricos que se propagam no interior das células do trato óptico e que se transmitem por reações físico-químicas, que os neurobiólogos conhecem mais ou menos bem. Continuando, ver é certa excitação de células de certa região do córtex occipital do cérebro.

Suponho que estejamos convencidos de que "ver a árvore" não demonstra inequivocamente que a árvore existe. Situações nas quais vemos coisas que provavelmente não existem, abundam. De noite con­templamos as estrelas e confiamos em sua existência; quan­do recebemos um golpe na cabeça também vemos estrelas (e as vemos tão bem como às outras, pois produzem simi­lares excitações dos cones e bastonetes causadas pela comoção), porém cremos que não existem. Em um caso "ver" demonstraria a existência de algo, mas em outro não. O que vemos nos sonhos existe? Existe o arco-íris como objeto que podemos tocar e fazer ruído?

Se "ver" não é prova da existência do que esta­mos vendo, nos perguntamos o que é que esta vivência tão clara que chamamos "ver" demonstra sem dar lugar a dúvi­das. Aquilo cuja existência é demonstrada sem possibili­dade de dúvida é o dado sensorial.

"Ver a árvore" demons­tra a existência de um dado sensorial associado, tão somente. O mesmo ocorre com as outras "provas" da existência da árvore: tocá-la, ouvi-la etc., não demonstram em absoluto a existên­cia da mesma, mas sim, demonstram a existência de algo indubitável que são os dados sensoriais.

Essa dúvida meto­dológica que nos levou a descobrir a existência de algo indubitável, os dados sensoriais, é equivalente ao raciocínio de Descartes que o leva a concluir que somente a existência do pensamento é indubitável. Penso, lo­go existo, se transforma para nós em: sinto, logo meus dados sensoriais existem.

Quando questionamos a existência, não somente da árvore, mas de todo o mundo externo: devemos clarear o significado da palavra "externo". Externo a quê?

Cada indivíduo reconhece a existência de um mundo interno e privado, composto por sua consciência, seu pensamento, seus dados sensoriais e suas lembranças, que denomina­mos mente. A existência deste mundo interno não é questionável, já que só o fato de se propor a dúvida a confirma. Ao mundo da mente de cada individuo é externo o mundo cuja existência estamos analisando.

Assim:
Os dados sensoriais, cuja existência é inquestionável, não são prova suficiente da existência do mundo ex­terno.

Que existe coerência entre os dados sensoriais de di­ferentes indivíduos é um fato facilmente comprovável. Analisemos esta afirmação. Consideremos o con­junto total dos dados sensoriais de um indivíduo (cada leitor Psi pode tomar-se como exemplo). Este conjunto não só está formado pelos dados sensoriais presentes, os quais estão sendo gerados neste mesmo instante, mas também por aqueles registrados na memória do in­divíduo. Dentro do conjunto, existem dados sensoriais associados a outros indivíduos: a imagem visual de seus cor­pos, o som de suas vozes etc. Estes sons têm asso­ciado um significado de acordo com algo bastante com­plicado, que excede nosso projeto, que é a linguagem. Graças a ela, o indivíduo pode obter informação sobre os dados sensoriais dos outros indivíduos (cuja existência está-se supondo).

A comparação entre os dados sensoriais de diferentes indivíduos per­mite constatar que, em certa medida, são coin­cidentes, compatíveis, ainda que quase nunca exatamente idênticos e, algumas vezes, até contraditórios. Note­mos que esta coerência entre os dados sensoriais se dá no mundo interno e privado de cada indivíduo. Tome­mos, por exemplo, os dados sensoriais que o autor destes artigos, tenho de uma mulher e que segundo meus códigos estéticos, me fazem dizer "tal mulher é bela". É provável que em uma conversa com um amigo, ele também diga o mesmo, frase cujo som se integra a meus dados sensoriais estabelecendo-se uma coincidência entre estes e a informação que tenho dos dados sensoriais de meu amigo – informação que provém de uma inter­pretação dos dados sensoriais que tenho de meu amigo (supostamente existente) -. Sem dúvida, encontrarei muitos indivíduos cujos dados sensoriais sejam compatíveis com os meus, mas, devido a diferentes códigos estéticos, alguns poucos haverá que os contradigam. Em todo caso, da mesma maneira que meus dados sensoriais referentes à bela mulher não são prova suficiente de sua existência, tampouco o é a coincidência com os de outros indivíduos.

Generalizando a partir desse exemplo afirma­mos que a maioria de nossos dados sensoriais é coin­cidente com os de todos os outros indivíduos. Ante esta correlação podemos tomar duas posturas: (a) constatá-la e deixá-la como um fato primordial que não requer mais explicação; (b) tentar explicá-la apelando a algum prin­cípio ou teoria que a demonstre. A postura filosófica cha­mada "realismo" toma a segunda opção, postulando a existência – objetiva e independente dos observado­res – do mundo externo, que é a origem dos dados sensoriais de todos os indivíduos. Desta maneira se ex­plica a coerência entre os dados sensoriais de diferentes indivíduos, porque todos são gerados pela mesma realidade.

A maioria de nós está de acordo em que "essa mulher é bela", porque existe objetivamente e tem propriedades reais que nossos códigos qualificam como bela. Assim mesmo, é importante notar que não demonstramos que a mulher existe, senão que a temos postulado, já que uma demonstração rigorosa parece ser impossível. Este postulado tem a virtude de explicar não somente a coincidência entre os dados sensoriais de diferentes indivíduos, mas, também suas di­ferenças, que podem dever-se, no exemplo da­do, a componentes culturais, educativos, sociais, raciais etc., que geraram diferentes códigos estéticos.

Para consolidar o que foi dito tomemos um exemplo mais sim­ples. Suponhamos uma mesa retangular ao redor da qual estão sentados vários indivíduos. Cada um deles terá uma perspectiva diferente da mesa segundo sua posição: alguns a verão mais ou menos trapezoidal ou romboi­daI, mais ou menos brilhante, mais ou menos grande. Todos os dados sensoriais são diferentes, ainda que não totalmen­te contraditórios. Se postulamos a existência real e obje­tiva da mesa retangular, podemos explicar todas as diferenças e similitudes entre os dados sensoriais dos indivíduos ao seu redor.

Outra possibilidade é, em vez de muitos indivíduos ao redor da mesa, considerarmos a situação equivalente de um indivíduo que se move ao redor da mesa e cujos dados sensoriais vão mudando com o tempo ao ocupar diferentes posições. Neste caso o postulado realista explicaria a evolução tempo­ral dos dados sensoriais. (Algo parecido à equiva­lência entre muitos observadores estáticos em torno da mesa e um observador que se move ao seu redor, é o que os físicos chamam "teorema ergódico".) O postula­do realista se mostra altamente econômico e eficiente, por sua simplicidade, e porque ele explica algo de enorme complexidade como o são as coincidências e diferenças entre os dados sensoriais de muitos indivíduos.

Assim:
No realismo se postula a existência do mundo externo objetivo e independente da observação, gerador dos dados sensoriais. Este postulado explica as co­rrelações entre os dados sensoriais de diferentes indi­víduos.

A postura realista, com seu grande poder explicativo, é tão sensata que parece assombroso que existam pensadores que a rechacem. (Veremos, contudo, que muitos fí­sicos, sem sabê-lo, a negam.) Se ninguém a recusasse, se fosse aceita universalmente, não haveríamos feito tanto esforço em apresentá-la. O realismo existe como linha de pensamento filosófico porque existem alternativas a ele.

Analisemos primeiro a negação mais violenta e extre­ma do realismo, denominada "solipsismo".

O solipsismo surge da constatação, que nós mesmos temos feito anteriormente, de que toda per­cepção do mundo externo está no mundo interno e privado de nossa mente em forma de dados sensoriais. A partir daí, se decide que o mundo externo não exis­te e que tudo o que chamamos desse modo não é mais que uma construção mental. Significa, então, que o leitor Psi deste artigo é solipsista, e se nega que tudo o que o rodeia existe, incluídos os outros leitores e o autor. O artigo que tem às mãos tampouco existe, não é mais que uma construção mental que está fazendo neste instante. Tampouco existem suas mãos nem seu corpo nem a mãe que o pariu.

O filósofo irlandês G. Berkeley (1685-1753) demonstrou que esta idéia, que beira à de­mência, é perfeitamente defensável em termos lógi­cos. É impossível convencer a um solipsista, por meio de argumentos, de que está errado, já que para ele, quem está tentando convencê-lo tampouco existe. Não figura entre as metas deste pequeno curso (nem é da competência de seu autor) discutir em detalhe os diferentes matizes e graus de solipsismo, nem sua relação com o idealismo, que subor­dina a realidade da matéria à realidade da mente. Aqui é suficiente apelar ao senso comum para rechaçá-lo, apesar de que não há nenhuma falha lógica nos ar­gumentos que se podem apresentar em sua defesa (!); pelo contrário, quanto mais extrema e inaceitável é a posição solipsista, mais fácil é sua defesa, argumentada em termos lógicos. O solipsismo é uma demência per­feitamente lógica. É a Síndrome de Asperger da filosofia, com seus idiotas-sábios. Isto nos leva a constatar que o rigor lógico não é um critério suficiente de verdade para uma doutrina, ainda que, toda ideologia que pre­tenda ser verdadeira deva ser impecável em sua argumen­tação lógica.

Mais interessante que a negação do realismo que faz o solipsismo é a alternativa que apresenta o "positivismo", perspectiva que trataremos com maior detalhe por sua relevância para uma interpretação da mecânica quântica. O positivismo se iniciou na se­gunda metade do século XIX, sem dúvida, influenciado pelo êxito das ciências exatas, as quais possuem critérios para determinar a verdade de suas frases, tais como, por exemplo, a experimentação.

August Comte (1798-1857) pro­pôs depurar a filosofia de toda a metafísica limitando-se a frases "positivas" de demonstrada validez. Esta filosofia, ou, melhor dito, metodologia, se estendeu no século XX com o aporte de vários pensadores, em particular os do "Círculo de Viena", que formalizaram e complementaram a idéia original com a análise lógica. A corrente filosófica assim gerada, denominada também neo-positivismo, teve grande influência no pensa­mento científico e filosófico contemporâneo, propon­do que o sentido de toda frase é determinado exclusiva­mente por seu caráter de ser verificável, seja empiricamente, pelos dados sensoriais, ou como dedução lógica a par­tir destes. A filosofia neo-positivista se pode resumir apresentando a "regra de ouro" que, segundo ela, deve regu­lar todo raciocínio ou afirmação: "limitar-se exclusiva­mente a empregar frases com sentido" (além disso, são tole­rados os nexos lógicos, matemáticos e lingüísticos). Define-se que uma frase tem sentido quando existe um pro­cedimento experimental que a verifica (ou a refuta, acrescentou Carnap), ou quando é logicamente demonstrável a par­tir de outras frases com sentido. Uma frase sem sentido também recebe o nome de pseudofrase. À primeira vis­ta, esta filosofia parece bastante sensata; contudo, ve­remos que apresenta sérias dificuldades.

Com respeito ao problema da existência do mundo externo, o positi­vismo declara que a frase que define o realismo, "existe o mundo externo objetivo, independente da observação", é sem sentido já que, como vimos, é impossível demonstrar "experimentalmente" sua validez. Desta maneira, o positivismo se opõe ao realismo, não demonstrando sua falsidade, senão declarando que não tem sentido. A negação de uma pseudofrase também é uma pseudofrase, segundo a qual, o positivismo não somente nega o realismo, mas que, também nega o solipsismo. Na análise feita para mostrar a conveniência do pos­tulado realista, se ressaltou a evidência das correlações entre os dados sensoriais de diferentes indivíduos. Ante esta correlação, o positivismo se abstém de pretender explicá-la e a aceita como um fato primordial que não requer mais análise, pois, do contrário, inevitavel­mente se violará a "regra de ouro".

Assim:
O positivismo impõe a limitação de formular exclusiva­mente frases com sentido, que são aquelas para as quais existe um procedimento que as verifique ou refute. Afirmar ou negar a existência do mundo externo é uma pseudofrase.

São múltiplas as críticas que se pode fazer a esta filo­sofia. O primeiro argumento contrário é de caráter formal. Já mencionamos que de uma corrente filo­sófica devemos exigir uma coerência lógica impecável. Aí o positivismo evidencia uma falha: a mesma frase que o define seria uma frase sem sentido. Mais grave que, esta dificuldade, que possivelmente pode ser subsanada com algum esforço, é que o critério adotado para de­terminar se uma frase tem sentido ou não e a proibição de usá-la em caso negativo, limitam ao máximo o tipo de afirmações possíveis.

Dizer que o sol nascerá pela manhã não tem sentido e permanece sem sentido, ainda que o afirme com um grau de confiabilidade estabelecido por alguma probabilidade estimada de alguma maneira. Dizer "se plan­to esta semente, brotará uma árvore" é uma frase sem sentido. Toda predição para o comportamento futuro de al­gum sistema (físico ou não) carece de sentido. Não somen­te se encontram dificuldades com referência ao futuro, mas também com as referências ao passado, porque cer­tas frases puderam fazer sentido em algum momen­to, mas não hoje.

Por exemplo, dizer "Cleópatra tem uma mancha no quadril" é uma frase que teve sentido na épo­ca em que Marco Antonio pode fazer o experimento para verificá-la ou negá-la, mas hoje, a mesma frase não tem sentido. Que o sentido das frases varie com o tem­po é altamente inadequado para sua utilização em ciência, já que esta se ocupa principalmente de explicar o passado e predizer o futuro, ainda que seja em forma aproximada. O positivismo lhe nega esta função e a li­mita a constatar as correlações entre fatos experi­mentais e os possíveis resultados numéricos, mas sem que isto nos autorize a fazer frases sobre o comporta­mento dos sistemas em estudo em sua realidade objetiva.

Uma proposta assim lhe subtrai o interesse à física e é fatal para outras ciências como, por exemplo, a história, já que a li­mitaria a comprovar correlações e diferenças entre papeis amarelados tirados de um arquivo, sem poder dizer nada da realidade de uma revolução social ou de um personagem histórico crucial. O critério empírico para determinar se uma frase tem sentido ou não implica uma observação experimental, a qual lhe introduz um ele­mento subjetivo.

Todo experimento contém uma mente ao final de uma complexa cadeia, cujos elos são: o sistema que se observa; intermediários que recebem algu­ma ação do sistema e a transformam em algum sinal que será transmitido ao próximo elo, que pode ser um aparelho eletrônico com agulhas, que marcam valores em escalas ou visores onde aparecem números que serão li­dos por algum observador, que, então, após o compli­cado processo que tem lugar ao nível do olho, retina, trato óptico etc., tomará consciência da observação.

Este componente subjetivo é iniludível no positivis­mo. Propor que o experimento o efetue um robô sem que participe nenhuma consciência levaria indefectivelmente a frases sem sentido. Como conseqüência, todas as frases que participam na ciência, em vez de fazer alusão a alguma propriedade do sistema em estu­do, se referem a conceitos que alguma mente, ainda que seja hipotética, tem do sistema. O subjetivismo presente no positivismo pode extremar-se até a fronteira com o solipsismo. Um convicto positivista deve concluir que não tem sentido afirmar a existência objetiva do corpo de outro indivíduo, e muito menos ainda de sua mente, já que "os experimentos" só confirmam a exis­tência de seus dados sensoriais privados. Rapidamente che­garia à conclusão de que, exceto sua mente, não tem sentido dizer que existe todo o resto. O solipsista diz: "minha mente existe e nego que todo o resto exista". O po­sitivista diz: "minha mente existe e não tem sentido dizer que todo o resto exista". A diferencia é ínfima, quase nula.

Mais adiante veremos que o componente subjetivo do positivismo tem graves conseqüências nas possíveis interpretações da mecânica quântica, mas se pode adiantar que, em troca, não tem graves conseqüências na física clássica. Isto significa que, entre um físico clás­sico realista e um físico clássico positivista, é possível es­tabelecer um pacto de não-agressão, pelo qual o realista assinalará um conteúdo objetivo, no sistema físico, a to­das as referências experimentais subjetivas que faça o positivista, e este traduzirá todas as frases "sem sentido" daquele em um possível resultado de uma observação. Em outras palavras, ambos os discursos são equivalentes, porque para todo conjunto de propriedades – reais e objetivas, segundo o realista – assinaladas ao sistema físico clássico, existe sempre um experimento que permite medi-las simulta­neamente com qualquer precisão desejada. (Um matemá­tico diria que há um isomorfismo entre os dois discur­sos). Como veremos um pacto de não-agressão semelhante é impossível entre físicos quânticos.

Neste quarto artigo apresentei, obrigatoriamente resumidas e simplificadas, duas grandes tendências filosó­ficas que serão relevantes para se tentar estabelecer alguma interpretação da mecânica quântica, e destaquei algumas das dificuldades que apresenta a opção po­sitivista. Importa clarear que existe uma forma de positivismo metodológico evidentemente intocável e iniludível para toda ciência teórico-experimental como o é a física. Estas ciências promovem predições sobre o compor­tamento dos sistemas que estudam comportamento que deve ser verificado, ou negado, experimentalmente. Até que não haja uma confrontação com o experi­mento, a predição não tem assinala um valor que a transforme em uma verdade científica.

A grande diferença entre este positivismo metodológico e o positivismo essen­cial, filosófico, a que aludíamos mais acima reside em que o experimento, para o primeiro, brinda a confirmação ou refutação de um comportamento objetivo do sistema, enquanto que para o segundo, o experimento é, por assim dizer, a única realidade por detrás da qual não tem senti­do pensar que exista algo.

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