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A Adicção encarada como um modelo clínico

Autores:

Tova Tomaselli
Denise Deschamps

Procuramos, Denise Deschamps e eu, fazer um recorte particular sobre a problemática da adicção, ressaltando sua crescente evolução, bem como a posição de vários estudiosos da problemática espalhados pelo mundo. A influência dos fatores sócio-ambientais também foram levados em consideração. Por tratar-se de uma problemática multifacetada, nos propomos retornar ao tema oportunamente.

Pretendemos com a realização deste trabalho contribuir de alguma forma para a abordagem de uma problemática cada vez mais crescente em níveis mundiais, chegando a atingir patamares assustadores para pais, professores, clínicos, e de todos aqueles que de alguma forma estão implicados na formação e desenvolvimento dos seres humanos.

Ao abordarmos tal temática, devemos em primeiro lugar tentar retirar dela qualquer possibilidade de leitura por uma vertente moral construída pelo social. Lembramos que os estudos antropológicos apontam para o uso de substâncias que provocam alterações da consciência em todas as culturas estudadas, e podemos perceber que seu uso está voltado para uma construção ritualística. Assim, tudo aquilo que é vivido de forma dependente, poderá constituir-se nessa "droga", como por exemplo à compulsão ao amor, ao sexo, ao jogo, ao colecionar, etc.

Embora possamos considerar o uso de drogas como sendo caracterizado pelo impulso irrefreável e pela dependência, entendemos também que através da escuta analítica, podemos chegar a inverter essa fórmula. Passaremos a entender o uso compulsivo de drogas como sendo um dos tipos de ações impulsivas e irrefreáveis existentes na conduta humana. Desta forma, passamos a considerar a toxicomania não apenas como um caso particular referente à utilização de drogas, mas sim como um caso particular de adicção ou mesmo dependência.

Exemplos sobre o tratamento da questão por alguns analistas:

David Liberman: tem procurado relacionar os mais diversos quadros psicopatológicos com a Teoria da Comunicação. Em seu conhecido trabalho  A Comunicação em Psicanálise, Liberman propõe uma classificação dos quadros psicopatológicos, através dos estilos de comunicação. Assim, um dos primeiros estilos ressaltados pelo autor é o estilo épico, o qual comporta as psicopatias, perversões e adicções. Ressalta também que em todos esses quadros, poderemos encontrar um denominador comum, onde estão incluídas pessoas de ação ou de caráter impulsivo. A adicção "consiste na utilização de algum meio com a finalidade de desenvolver determinada ação, na qual a própria droga ou a relação com ela pode constitur em si a finalidade e que, além disso, teria como motivação final um repúdio a determinados aspectos da realidade externa e interna". Salientamos que, de modo geral, tais pessoas de ação possuem uma enorme dificuldade de desenvolver atitudes construtivas e quase sempre abandonam as tarefas no meio do caminho.

Ainda segundo Liberman, o essencial nesses tipos psicopatológicos é que a pessoa percebe a  sua tensão de necessidade, mas é incapaz de codificá-la em termos verbais e transmitir a mensagem a fim de de que a necessidade seja satisfeita. "Trata-se de uma falha simbólica no caminho intrapsíquico que vai da percepção à ação".

Joyce McDougall, a sua vez, propõe a existência de uma estrutura adictiva, onde a atuação representa uma maneira compulsiva de evitar um transbordamento afetivo. Essa autora soma esse grupo de pacientes, àqueles aos quais chamou de normopatas. Assim, os pacientes adictivos formariam o grupo dos des-afetizados. A autora nos diz: "Eu me dei conta que esses analisandos, devido as ansiedades psicóticas insuspeitadas ou mesmo a uma extrema fragilidade narcísica, eram incapazes de conter ou lidar com momentos de maior carga de afetividade". Entendemos que a abordagem da adicção realizada por esta autora, repousa no ponto de vista econômico, já que ela enfatiza a ação como sendo uma descarga. Desta maneira, aquilo que caracteriza a personalidade adictiva, é a procura constante fora de si próprio, para solucionar os problemas que são de ordem interna.

Ainda citando MacDougall: "Como o objetivo adictivo é uma tentativa de resolução de conflitos internos, seu efeito é sempre de caráter transitório, sendo que a atividade adictiva tem que ser continuamente renovada. Denominou este objeto de 'objeto transicional patológico' (utilizando o pensamento de Winnicott), já que se trata de um objeto que nunca completa a transição para o registro da linguagem ou mesmo do pensamento, não sendo possível nunca a introjeção da função materna".

Betty Joseph dedicou-se à produção de um trabalho, denominado A Adicção à proximidade da Morte. Observou em alguns pacientes, a presença de um masoquismo persistente, o qual se reproduz na transferência enquanto uma difícil reação terapêutica negativa. É possível detectar que a autora retoma um trabalho de Freud sobre o masoquismo ligado à pulsão de morte e, propõe um acréscimo: "Não apenas o paciente está dominado por uma parte agressiva de si próprio, que procura controlar e destruir seu trabalho, como esta parte é ativamente sádica com outra parte de si mesmo, a qual encontra-se masoquisticamente capturada neste processo; e sustento que isto se converteu em uma adicção". Para Joseph, a adicção tem um valor defensivo, sendo uma forma de tortura, mas também de sobrevivência: a adicção tem a função básica de evitar uma dor depressiva insuportável.

"Qual o lugar da Toxicomania, como uma problemática clínica para a psicanálise"?

Assim como é sabido pelos profissionais da área e, de certa forma, até pelo domínio público, a questão do patológico tem sido cada vez mais subvertida pela psicanálise. A perversão é um bom modelo para pensarmos a toxicomania: a descoberta da sexualidade infantil, bem como a ampliação do conceito de sexualidade trazidos por Freud nos "Três ensaios para uma teoria sexual", vem destituir de seu lugar conceitos como os de norma e de doença. Freud nos mostra como é natural no amor, a presença de um certo grau de fetichismo.

Uma noção inerente ao pensamento freudiano:

Citamos Joel Birman: "A psicanálise freudiana se insere numa tradição filosófica que destaca a categoria da razão como sendo um sistema simbólico de relações diferenciais, não se restringindo, portanto, a uma filosofia do entendimento" (Conf. Birman: "Sujeito, estrutura e arcáico na metapsicologia freudiana").

Recapitulando: Encontramos em MacDougall, o termo "estrutura adictiva", ou "personalidade adictiva"; S. Dupetit sugere o termo "dependência adictiva", seguidas pela contribuição de José Bleger, o qual nos conduz a pensar em uma "personalidade dependente"; Liberman, por sua vez, agrupa perversões, psicopatias e adições, como se tratando de "impulsões neuróticas".

O que caracteriza uma estrutura adictiva? Trata-se de um modo de funcionamento específico ou a adicção pode simplesmente ser assimilada à estrutura perversa?

Muito embora não exista um consenso absoluto nessa questão, podemos pensar como sendo legítima a introdução e permanência do termo toxicomania no seio da psicopatologia psicanalítica. Teríamos então configurada uma situação onde confluiriam o uso de drogas e o fenômeno da adicção ou dependência e que, deve ser diferenciada de outros usos de drogas, onde não se encontrem um funcionamento adictivo.

Dando continuidade ao trabalho, gostaríamos de citar um outro autor que possui uma grande trajetória no estudo das drogadicções: Decio Gurfinkel: a especificidade da toxicomania em relação a outras adicções: "Considero que a droga enquanto objeto tem uma "ação específica" sobre a estrutura adictiva que deve ser levada em conta. Assim, temos a materialidade da droga configurando um objeto que transcende a sua representabilidade para o sujeito. Além disso, temos o efeito farmacológico da droga sobre o organismo, específicamente sobre o Sistema Nervoso Central(SNC), que leva a uma interferência direta sobre o psiquismo. Em termos de relação de objeto, temos que considerar: o modelo oral-canibalístico, que é vivido concretamente com a droga, além de tratar-se de um objeto que está ora dentro e ora fora, caracterizando um tipo de relação indiscriminada eu-objeto"

Entendemos então que a toxicomania, assim como outros quadros psicopatológicos colocam a psicanálise em cheque, quer como teoria, quer como técnica de tratamento, o que nos dá a indicação que nesses casos, assim como propõe uma das maiores autoridades mundiais nessa temática, o Dr. Claude Olievenstein, devemos sempre trabalhar dentro de um enfoque multidisciplinar, sem o qual todo e qualquer esforço no sentido terapêutico, estará fadado ao fracasso a priori.

Ainda segundo o Dr. Olievenstein: "Se admitimos que a droga é o encontro de um produto, de uma personalidade e de um momento sócio-cultural, há um não-dito que se refere a cada um desses três parâmetros".

Muitos pesquisadores acreditam que não é a droga que leva à psicose, mas sim que esta já estaria subjacente, levando à busca da droga como uma tentativa de apaziguamento da "dor psíquica". Olievenstein acrescenta que: "Isso coloca o indivíduo de maneira diferente em relação ao real ou a realidade, a angústia de morte, à anulação do tempo vivido na promoção da repetição".

O que se busca no ato de drogar-se?

A psicanálise colocará aqui a sua escuta original, "lerá" inscrições de faltas que estruturaram essa busca por essa 'mágica do entorpecimento'. Há na relação com a droga algo do reino do indizível, como uma relação amorosa, onde somente quem nela está sabe significar o que se passa em seus diálogos, símbolos e códigos.

A figura do co-dependente: são aquelas pessoas que desenvolvem relações baseadas em problemas. O foco está sempre no outro, e o vínculo não é o amor ou mesmo a amizade, mas sim a doença, o poder, o controle. O co-dependente de certa forma acredita que pode mudar o outro. Importante ressaltar que alguns autores definem esse fenômeno como sendo dependência de vínculo, onde o que se percebe é a existência de dois dependentes.

Queremos salientar finalmente que, no que tange a figura do co-dependente, devemos perceber uma relação de ambivalência, uma vez que: "Se ele acredita conscientemente que pode mudar o outro, esse mesmo outro corresponde para ele a sua droga e, em se efetuando essa mudança, ele teria que prescindir dessa droga, o que sabemos ser algo evitado com todas as forças para que o "consumo" fique assegurado. Repetimos que essa necessidade tem tudo a ver com a questão da repetição, alicerçada na pulsão de morte.

Bibliografia Complementar:

Joyce MacDougall: "Em Defesa de Uma Certa Anormalidade".

Decio Gurfinkel: "A Pulsão e seu Objeto-Droga" = Edit. Vozes.

Eduardo kalina: "Drogadicção" = Edit. Francisco Alves.

Oscar Cesarotto: "Um affair freudiano, os escritos de Freud sobre a cocaína. = Edit. Iluminuras.

Claude Olievenstein: "O Destino do toxicômano" = Ed. Almed

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