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Sob estresse, cérebro liga o “piloto automático” e você cai na rotina

Se, após alguns meses de exposição à nossa economia estilo David Lynch – onde mercados imobiliários entram espontaneamente em combustão, colegas de trabalho desaparecem misteriosamente e os asfixiantes lamentos de agonizantes planos de 401 mil podem ser ouvidos através dos andares – você tem a terrível sensação de que a reação de estresse de seu corpo assumiu uma autodestrutiva vida própria, parabéns. Você é bastante perceptivo. Ela fez isso mesmo.

Se, após alguns meses de exposição à nossa economia estilo David Lynch – onde mercados imobiliários entram espontaneamente em combustão, colegas de trabalho desaparecem misteriosamente e os asfixiantes lamentos de agonizantes planos de 401 mil podem ser ouvidos através dos andares – você tem a terrível sensação de que a reação de estresse de seu corpo assumiu uma autodestrutiva vida própria, parabéns. Você é bastante perceptivo. Ela fez isso mesmo.

Como se não fosse suficiente que esse estresse crônico tenha provado elevar a pressão sanguínea, endurecer artérias, suprimir o sistema imunológico, aumentar o risco de diabetes, depressão e Alzheimer, e tornar uma pessoa um companheiro de jantar deveras indesejável, agora os pesquisadores descobriram que a sensação de estar altamente estressado pode religar o cérebro de forma a promover sua sinistra persistência.

Escrevendo no início deste verão no jornal "Science", Nuno Sousa, do Instituto de Pesquisa de Ciências da Vida e da Saúde, na Universidade de Minho, em Portugal, e seus colegas, descreveram experimentos onde ratos cronicamente estressados perderam sua usual perspicácia e caíram nos familiares costumes e rotinas, como pressionar compulsivamente uma barra pedindo alimentos que eles não tinham a intenção de comer.

Além disso, as perturbações comportamentais dos ratos foram refletidas por um par de mudanças complementares em sua rede primária de circuitos neurais. Por um lado, as regiões do cérebro associadas à tomada de decisões executivas e comportamentos direcionados por objetivos haviam encolhido, enquanto, em oposição, setores cerebrais ligados aos hábitos haviam crescido.

Em outras palavras, os roedores estavam agora predispostos a seguir fazendo as mesmas coisas de novo e de novo, dar voltas na mesma corrida de ratos sem fim do que buscar um cano capaz de levar aos esgotos mais verdes. "Comportamentos se tornam habituais com maior rapidez em animais estressados, e pior, esses bichos não conseguem voltar a um comportamento direcionado por objetivos quando essa seria uma abordagem melhor", disse Sousa. "Chamo isso de círculo vicioso".

Robert Sapolsky, neurobiólogo que estuda o estresse na Escola de Medicina da Universidade de Stanford, disse, "Esse é um ótimo modelo para compreendermos por que nos vemos numa rotina, e então nos afundamos cada vez mais nela".

A verdade, segundo Sapolski, é que "somos péssimos em reconhecer quando nossos mecanismos normais de enfrentamento não estão funcionando. Nossa reação, geralmente, é fazer aquilo cinco vezes mais, ao invés de pensar que está na hora de tentar algo novo".

Embora a perseverança possa ser um traço admirável e essencial a todo sucesso na vida, quando levada longe demais ela pode se tornar insistência – a repetição incontrolável -, ou simplesmente uma deturpação. "Se eu fosse tentar entrar no mundo da dança moderna, após as primeiras rejeições a reação lógica poderia ser treinar ainda mais", disse Sapolsky, autor de "Por Que as Zebras Não Contraem Úlceras", entre outros livros. Porém, depois de 12 mil rejeições, talvez eu devesse perceber que essa não é uma opção viável de carreira.

Férias

Felizmente, as mudanças induzidas pelo estresse no comportamento e no cérebro parecem ser reversíveis.

Para deixar os ratos no ponto em que a reação de estresse permanecia demonstravelmente hiperativa, os pesquisadores expuseram os animais a quatro semanas de diversos agentes de pressão: choques elétricos moderados, encarceramento junto a ratos dominantes, mergulhos prolongados na água. Aqueles animais cronicamente estressados foram, então, comparados a outros não estressados. Os ratos estressados não mostraram problemas para aprender tarefas como pressionar uma barra para receber alimento, ou um jato de água com açúcar, mas tiveram dificuldade ao decidir quando deveriam parar de pressionar a barra – algo facilmente realizado pelos ratos normais.

Contudo, após somente quatro semanas de férias dos agentes estressantes, os ratos pareciam iguais aos do grupo de controle, capazes de inovar, discriminar e deixar a barra de lado. Conexões sinápticas atrofiadas nas regiões decisivas do córtex pré-frontal voltaram a florescer, enquanto a região responsável pelos hábitos recuou.

De acordo com Bruce S. McEwen, chefe do laboratório de neuroendocrinologia da Universidade Rockefeller, as novas descobertas oferecem uma demonstração particularmente elegante de um princípio que os pesquisadores estão apenas começando a entender. "O cérebro é um órgão muito elástico e flexível", disse. "Dendritos e sinapses retraem e se reformam, e o remodelamento reversível pode ocorrer ao longo da vida".

O estresse pode ser mais prontamente associado ao rápido ritmo da sociedade pós-industrial, mas a reação do corpo ao estresse é uma das posses mais antigas. Sua arquitetura básica, sua rede ligada de neurônios e órgãos endócrinos, responsáveis por lançar hormônios estimulantes e inibitórios, além de outros fatores, quando necessários, parecem ser basicamente a mesma nos seres humanos e num peixe dourado.

A reação do estresse é essencial para manobras através de um mundo dinâmico – se esquivar de um predador ou caçar uma presa, se balançar entre árvores ou combater uma doença -, e é, por si só, dinâmica.

Conforme vivemos, diz McEwen, os mediadores bioquímicos da reação do estresse sobem e descem, se agitam e reluzem. "O cortisol e a adrenalina aumentam e diminuem", diz ele. "Nossas citocinas inflamatórias vão para cima e para baixo".

Os órgãos-alvo dos hormônios de estresse, da mesma forma, dançam conforme a música: a pressão sanguínea sobe e desce, o coração dispara e desacelera, os intestinos se contraem e relaxam. Esse sistema da chamada alostase, de manter o controle através de constantes mudanças, fica em contraste aos mecanismos da homeostase, responsáveis por manter o nível de pH e a concentração de oxigênio no sangue dentro de um intervalo estreito e invariável.

Infelizmente, o dinamismo de nossa reação de estresse a torna vulnerável ao rompimento, especialmente quando o sistema é tratado muito rudemente e contra as instruções. Na maioria dos animais, uma ameaça séria provoca uma forte ativação do lado estimulante, simpático, da reação de estresse, o "lute ou corra". Porém, quando o perigo termina, os circuitos parassimpáticos tampam tudo de volta à hesitação referencial.

Em humanos, todavia, o cérebro pode pensar demais, extraindo ameaças-fantasma de cada reunião de equipe ou baile de colegial, e com o tempo, a constante hiperativação da reação de estresse pode desequilibrar toda a volta de realimentação. Reações consideradas desejáveis em quantidades limitadas se tornam perigosas quando usadas em excesso. Você precisa de um reforço na pressão sanguínea quando vai correr, para entregar oxigênio mais rapidamente a seus músculos. Uma pressão sanguínea cronicamente elevada, entretanto, é uma fonte de múltiplos sofrimentos médicos.

Por que o cérebro estressado deveria ser inclinado à formação de hábitos? Talvez para ajudar a desviar o maior número possível de comportamentos ao piloto automático, mantendo o foco no problema mais evidente. Entretanto, os hábitos podem se tornar rotinas, e conforme observou a romancista Ellen Glasgow, "A única diferença entre uma rotina e um túmulo são as dimensões".

Ainda estamos em agosto. Hora de relaxar, voltar atrás e remodelar seu cérebro.

Fonte: BOL Notícias

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