Uma Análise Além da Capacidade de Trabalho dos Portadores de Deficiência
Eliane Assumpção
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Sempre que leio artigos direcionados aos portadores de deficiência sinto falta de alguns fatores, e um deles sempre está direcionado ao próprio desejo. Muito tem se falado de integração, reintegração, inclusão, e vários sinônimos do direito de ir e vir e poder usar de sua cidadania, porém são muito pouco os que ouvem realmente o que se é desejado.
Mais do que óbvio, existe o desejo de fazer parte de um mercado de trabalho, poder ter acesso aos cinemas, banheiros, bancos, restaurantes, escola, e tudo o que uma sociedade pode oferecer e receber. Sendo assim, não pude conter-me no silêncio, pois estava com a sensação de ser conivente com algumas palavras que me incomodaram.
O que se pode notar no artigo de José Pastore(publicado no O Estado de São Paulo, 29/02/2000) é a posição de um mero pesquisador que se compromete com a verbalização e reverbalização de alguns termos que há muito se discute. Choveu no molhado, como diriam alguns.
Um problema que está se diluindo aos poucos é a falta de informação sobre a deficiência, porque tem sido tema de preocupação de muitos profissionais que não se ocupam apenas das pesquisas. Aos poucos os portadores de deficiência estão conseguindo seu lugar, é certo que timidamente e com alguns erros. Posso citar como exemplo a reserva de vagas especiais para estacionamento, que são colocadas em lugares que seria inviável para uma pessoa que usa cadeira de rodas, estacionar seu carro , retirar e montá-la sem auxílio. Mas não se pode negar que já existe a preocupação. Falta a orientação.
Na questão do trabalho, posso falar com segurança que não é falta de oportunidades que dificulta, e sim a qualificação profissional e educacional. Muitos não concluíram seus estudos, e hoje é essencial que se complete o segundo grau. Por que não concluíram? Falta um estudo sociológico mais aprofundado para se contestar e propor mudanças mais concretas. A questão também é cultural.
Novamente ficam o neologismos superficiais. O número de deficientes nas ruas é alto, e muitos não querem sair dessa condição. Porque na rua ele retira muito mais do que um salário com registro em carteira. Muitos não conseguem compreender que estar sob a CLT é positivo. Ter carteira assinada, com benefícios, para alguns é retroceder na sua retirada mensal. Lidamos com o grande vilão das ruas. Reverter esse quadro é complicado, mas não é impossível. É preciso informar e orientar o deficiente também. Vejo sempre um movimento de mão única. Paira assim o paternalismo, dividir a responsabilidade com quem de direito.
O deficiente também é responsável pela sua condição. Então por que isentá-lo dessa responsabilidade?
Quando existe a contestação de um Decreto que levou DEZ anos para regulamentar uma Lei, esse neologismo superficial fica mais evidente ainda.
O que foi realizado nesse período? Será que José Pastore poderia citar? Talvez fosse importante estabelecer paralelos. Não sou portadora de deficiência, porém trabalho com eles, compartilho de suas dúvidas, seus medos, conflitos, alegrias e tristezas. Cada conquista é uma grande conquista e cada dificuldade se transforma em energia propulsora na busca da conquista. Vejo diariamente a busca das conquistas, e como pode uma pessoa tão esclarecida propor a desistência de algo que levou DEZ anos para se regulamentar? Realmente não consigo compreender! Talvez falta-me capacidade para tal, e proponho aqui que se alguém puder, que me esclareça.
A Lei é clara, mas o que realmente incomodam algumas pessoas é que requer comprometimento para compreendê-la.
José Pastore formula a pergunta : Será que é a forma mais eficiente de ampliar as oportunidades de trabalho para essas pessoas?
Respondo que sim, pois quando o Dr. João Ribas cita: o que se vê, cada vez mais, é que inúmeras empresas estatais e privadas nas quais portadores de deficiência estão trabalhando com grande capacidade produtiva, convivendo no mesmo ambiente e recebendo salários equivalentes à todos os funcionários.”, ele confirma e comprova a minha resposta e ele estende quando propõe parceria com o Governo, não para que administre fundos especiais. Parece-me que José Pastore vivem em outro país onde o povo realmente acredita nos seus governantes e que nunca se envolvem em escândalos de desvio de verbas.
Há um tempo atrás existiu uma Lei de incentivo fiscal para treinamento e desenvolvimento de funcionários, era a Lei 6297, infelizmente ela foi substituída e não estimulou muito as empresas à investirem em seus funcionários.Talvez repensar nessa possibilidade. O que tenho visto em meu trabalho é que existe a intenção de colaborarem, sei que existe a preocupação com o cumprimento da Lei 7853, mas não posso negligenciar que muitos estão preocupados com a questão social também. Alguns empresários procuram e solicitam informações, orientações. Isso é real, e eu trabalho com dados reais, o desemprego, a falta de moradia, discriminação, barreiras arquitetônicas, tudo isso é de verdade, é real. Sendo real, fica mais producente resolver problemas.
Para não me colocar apenas contra José Pastore, concordo com ele quando diz que o Brasil pode melhorar muito o sistema atual, porque conta com profissionais como João Ribas, Sueli Harumi, Steven Dubner, Tais Nhanbu, Rosângela Barqueiro, Ubirantan de Souza, poderia citar muitos outros (perdoem-me os que não citei) que conheço, e que não estão preocupados em alimentar o próprio ego, e desejam resultados producentes, fazendo adiferença e contribuindo nessa mudança, de verdade !
Eliane Assumpção é Psicóloga especialista no Atendimento de Pessoas Portadoras de Deficiência pela USP, mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Mackenzie, Coordenadora de Recursos Humanos da ADD – Associação Desportiva para Deficientes e Psicóloga do Clube Desportivo Magic Hands.