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Psicologia Transpessoal

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar a Psicologia Transpessool e tecer algumas considerações sobre este campo de estudo da consciência e dos processos mentais.

A Psicologia Transpessoal é a linha da psico­logia voltada para o estudo dos estados da consciência, normais ou patológicos, que envolvem uma modificação qualitativa da consciência devido a fenômenos mentais subjetivos além da consciência normal em vigília e às limitações do ego em perceber a realidade apenas através dos cinco sentidos. Em outras palavras, implica em uma expansão da consciência e em uma ampliação de seu campo de percepção.

A Psicologia Transpessoal, mais de 40 anos após ter sido criada, tem lugar de destaque entre as linhas de psicologia. Sua origem está ligada a nomes consagrados como Abraham Maslow, Viktor Frankl, Antony Sutich e Arthur Koestler dentre outros. Sua principal publicação, The Journal of Transpersonal Psychology, é indexada em Psychological Abstracts e listada em Chicoral Health Science Index, Mental Health Abstracts e Psychological Reader's Guide. A difusão da Psicologia Transpessoal nos USA, Canadá e Europa levou a criação de institutos de ensino e pesquisa que atraem psicoterapeutas e pes­quisadores de todo o mundo.

Desde 1966, centenas de trabalhos têm sido publicados, destacando-se os de Grof12-16, Levy20, Mintz23, Plank & Richards24, Sutich28-30 e Tart32-34, dentre muitos outros.

No Brasil, podemos citar os trabalhos de Weil36-39, Garcia11, Tabone31 e Tripicchio35,36.

Mesmo sendo uma área em franco desenvolvimen­to, no Brasil ainda se limita a um grupo pequeno de pesquisadores e psicoterapeutas, devido à associação pre­conceituosa que profissionais de outras abordagens fazem da Psicologia Transpessoal com linhas filosóficas e psico­lógicas orientais, que não têm valor como Ciência no Oci­dente, onde predomina o positivismo. Em 1978, o Brasil sediou o IV Congresso Internacional de Psicologia Trans­pessoal, realizado em Belo Horizonte. A partir dessa época, a Psicologia Transpessoal foi se fortalecendo, e em 1985, criou-se a Associação Brasileira de Psicologia Transpes­soal, que funciona em convênio com a Associação de Psicologia Transpessoal da Finlândia e em cooperação com várias associações da Europa e dos Estados Unidos. A Associação Brasileira forma especialistas nesta aborda­gem e promove congressos e reuniões científicas.

A importância em se fazer uma pesquisa bibliográfica em Psicologia Transpessoal está na possibilidade de des­crever aos profissionais do Campo Psi um estudo sis­tematizado sobre uma abordagem em psicologia que apre­senta uma nova visão da consciência e uma concepção de vida e educação holísticas que ganha força nas Ciências Humanas. Didaticamente pode servir como organizador de trabalhos já publicados que, revisados conjuntamente, contribuam para que os profissionais da área tenham uma visão global de artigos, livros e pesquisas existentes em Psicologia Transpessoal.

Psicologia Transpessoal. A Quarta Força em Psicologia

Experiências ditas transcendentais acompanham o ho­mem há milênios. No Ocidente, na maioria das vezes, estas vivências são associadas à religião, caracterizando-se como um encontro com um estado místico indescritível e não vivido pela maioria dos indivíduos. Ao contrário, porém, no Oriente estas experiências obtiveram atenção e estudo que desenvolveram métodos e técnicas para vivenciá-las. O Zen-Budismo, a Ioga e o Sufismo, por exemplo, são três doutrinas orientais que, além de uma preocupação com o funcionamento da mente, sua relação com o Cosmos e o desenvolvimento da personalidade, têm implicitamente em seu pensamento a evolução interior do indivíduo visando atingir experiências transcendentais.

No Ocidente, uma fundamentação científica cartesiana e mecanicista impôs limites ao estudo do homem e da consciência, relegando as experiências transcendentais ao campo da religião ou da psicopatologia.

Esta concepção foi mudando, principalmente a partir da década de 60, quando surgiu a Psicologia Transpessoal. Neste período, se questionou como nunca a necessidade de transformação geral dos valores da sociedade, trans­formação esta que só ocorreria a partir de uma "trans­formação pessoal", portanto, a partir do indivíduo, um pensamento bastante próximo da filosofia oriental.

Esta década foi marcada por grandes tumultos na so­ciedade ocidental que estava descontente com os valores e o sistema político-social vigente. Protestos contra a Guer­ra do Vietnã, o movimento hippie, o feminismo, eclodiram nessa época e representavam a insatisfação diante de uma ideologia de vida que começava a ser questionada.

Fadiman & Frager8 relacionam os conflitos desta época com a chegada, nos USA, das filosofias orientais:

"Numa época de contínuo questionamento a respeito dos pontos de vista estabelecidos sobre religião, ciências e sistemas políticos organizados, há uma busca correspon­dente por modelos de comportamento humano suplementares, modelos que sejam baseados em uma observação diferente e que conduzam a novas conclusões."

"A proliferação de professores, livros e organizações baseadas em diversos modelos orientais é uma indicação deste interesse. Um número crescente de estudantes, ami­gos e colegas de nossas relações dedicaram-se a um estudo intensivo ou à prática de doutrinas orientais em busca de novos valores e de crescimento pessoal e espiritual. A psicologia torna-se cada vez mais um campo de estudo internacional, menos amarrado aos pressupostos intelec­tuais e filosóficos dos USA e da Europa Oci­dental" .

O pensamento oriental influenciou notadamente o sur­gimento da Psicologia Transpessoal, que sintetizava os anseios de psicólogos na busca de um modelo de com­preensão do homem diferente da visão ocidental tradi­cional e das linhas de pensamento reducionistas.

A Psicologia Humanista já mostrara essa insatisfação e foi uma primeira tentativa de valoração do crescimento interior do homem, do desenvolvimento de suas poten­cialidades e da capacidade infinita para expansão de sua consciência levando o homem a procurar as suas respostas nele mesmo, tendo em Carl Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970) seus maiores expoentes.

Citando Maslow21 "a Psicologia Humanista, ou Ter­ceira Força em Psicologia, (é) apenas transitória, uma pre­paração para uma Quarta Psicologia, ainda 'mais eleva­da', transpessoal, transumana, centrada mais no Cosmos do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação (…)".

Outros teóricos da psicologia, como Jung, Assagioli e Tripicchio, destacam em seus estudos tentativas com êxito de abor­dar e entender o homem a partir de um enfoque que privilegia o desenvolvimento da totalidade da psique, ou seja, modelos que ultrapassam a concepção cartesiano­-newtoniana da Ciência e de visão-do- homem e visão-do-mundo.

O conceito de individuação de Jung se aproxima da expansão da consciência proposta pela Psicologia Trans­pessoal e é uma maneira de pensar a realidade e a inte­gração do homem com o Cosmos cujos postulados têm eco na Psicologia Oriental.

Jung18 se refere à capacidade de auto-atualização atra­vés do auto-conhecimento e da integração do consciente com o inconsciente:

"(…) quanto mais conscientes nos tornamos de nós mes­mos através do auto-conhecimento (…) vai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, susceptível e pes­soal do eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interesses objetivos. Essa consciência am­pliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, te­mores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por contra-­tendências inconscientes; tornar-se-á uma função de re­lação com o mundo dos objetos, colocando o indivíduo numa comunhão incondicional obrigatória e indissolúvel com o mundo".

O psiquiatra italiano Roberto Assagioli, criador da Psi­cossíntese, é incluído entre os precursores da Psicologia Transpessoal. Seus estudos destacam a exploração do ego e o crescimento interior e, segundo Tabone31, os aspectos transpessoais da psicossíntese são: "ênfase na necessidade do desenvolvimento da dimensão espiritual; os conceitos de superconsciente e de inconsciente coletivo; o conceito de controle dos diversos aspectos da psique, por uma experiência de identificação total e a substituição do "pa­tologismo" pela noção de que certos estados psicóticos correspondem ao de crises espirituais e à transformação da personalidade".

Citando ainda Tabone31, "na prática, a Psicossíntese propõe uma psicoterapia holística, cujo objetivo é permitir à pessoa o acesso a todas as áreas de sua personalidade… (e) enfatiza que as necessidades de significado de vida, de valores universais e de vivência espiritual são tão reais quanto as outras necessidades biológicas ou sociais".

O psiquiatra e psicólogo brasileiro A. Tripicchio, na década de 80, propôs a sua Psicossíntese Analítico-Compreensiva36, se valendo de instrumentos de trabalho já tradicionais no Ocidente, como, também, da Filosofia da Mente35, para atingir a expansão da consciência e, tendo como meta sistematizada, a Experiência Fora do Corpo, que marca sua grande distinção das demais escolas de psicoterapia.

Tanto Jung quanto Assagioli e Tripicchio, ao proporem modelos voltados para um paradigma científico além da realidade concebida pela ciência ocidental, contribuíram para a se­dimentação dos conceitos utilizados pela Psicologia Trans­pessoal, que também buscou na Física, na Parapsicologia e na Neurologia, fundamentos para a elaboração de sua teoria.

A Psicologia Transpessoal, portanto, sistematiza teorias, conceitos, práticas e filosofias que foram desevolvidos independentemente entre si e por pesquisadores de várias áreas do conhecimento, que têm em comum, o estudo dos fenômenos que transcendem a realidade objetiva.

Sua caracterização como Quarta Força em psicologia é decorrente da penetração das linhas psicológicas nos USA, desde o Behaviorismo (Primeira Força), passando pela Psicanálise (Segunda Força) e a Psicologia Humanista (Terceira Força), culminando com o desenvol­vimento de uma abordagem totalmente inovadora para os padrões materialistas da ciência ocidental: a Psicologia Transpessoal.

Psicologia Transpessoal e os Estados Alterados de Consciência

No Ocidente, o pensamento científico dos últimos 300 anos foi notadamente influenciado por uma filosofia es­treita e rígida, limitada a uma visão concreta e materialista da realidade, onde conceitos de tempo, espaço e matéria eram considerados grandezas absolutas. Somente fenô­menos percebidos pelos cinco sentidos ou comprovados por medição de aparelhos poderiam ser considerados co­mo reais.

A Física moderna, porém, propôs novos conceitos que revolucionaram as teorias clássicas fundamentadas pela concepção newtoniano-cartesiana de ciência.

Como relata Tabone31, as transformações introduzidas pela Física Moderna referem-se ao conceito de inter-mu­tabilidade da matéria e energia, proposto por Einstein; aos estudos da Mecânica Quântica; a própria teoria da relatividade, que atribui ao dualismo espaço/tempo uma característica quadrimensional e relativa a um sistema referencial, ou seja, o limite existente entre os conceitos de espaço e tempo é ilusório, ou, pelo menos, criado pelo homem.

Este novo pensamento traz implicações para o desen­volvimento de novos conceitos que reforçam a hipótese da existência de estados de consciência que vão além daquele percebido pelos cinco sentidos, ou seja, os estados alterados de consciência que a mente humana pode atingir.

Cumpre esclarecer que é preciso entender o significado do termo Estados Alterados de Consciência, como estágios com potencialidades adormecidas e não utilizadas pela consciência, e que acontecem fora dos limites de tempo e espaço conhecidos. São estudados pela Parapsicologia, juntamente com as percepções extra-sensoriais e a psico­cinesia, destacando-se trabalhos de diversos autores, como Rhine (1948; 1953), Andrade(1), Blackmore(2), Tart(32), Pratt<25), Faria(9), Cavvan(6), Mendes(22), Jacobson(17), Tripicchio35.

Estes estados alterados quando percorridos em conso­nância com uma orientação psicoterápica ou espiritual (como fazem os orientais) que vise a integração da per­sonalidade total, levam o indivíduo ao conhecimento máximo de si, ou, como afirmam Fadiman & Frager8, a "(…) relacionar-se mais intimamente com algo maior do que o self individual (…) e fortalecer o self objetivando o de­senvolvimento da autonomia, da autodeterminação, da auto-realização, libertação de processos neuróticos e saúde mental"

Descritos por Weil39,40 e Jacobson17, dentre outros, os estados de consciência são assim classificados:

a) Estado de Consciência de Vigília: é a consciência desperta normal, é o estado comum, voltado para o pen­samento lógico de causa e efeito; a pessoa está consciente de si mesma (Jacobson)17. É o estado de consciência no qual nos encontramos quando estamos acordados, pen­sando, trabalhando, planejando. Neste estado predomi­nam as funções do ego (Weil40).

b) Estado de Consciência de Devaneio: é o estado in­termediário entre o de vigília e o de sonho, quando estamos prontos para dormir em estado de relaxamento (Weil40).

c) Estado de Consciência de Sono Profundo: no estado de sono profundo sem sonhos, as funções do ego desa­parecem, assim como a noção de tempo/espaço. Inexiste a dualidade eu-mundo exterior e o indivíduo entra em unidade com a Consciência Universal, havendo uma re­vigoração energética (Weil40). Pode-se supor que equivale a uma experiência transpessoal que é esquecida pelo indi­víduo.

d) Estado de Consciência de Sonho: neste estado, além dos conteúdos oníricos estudados por Freud e Jung, o indivíduo pode vivenciar experiências mais profundas, como a premonição e a experiência de sair do corpo Weil40; Jacobson17; Tripicchio35,36.

e) Estado de Consciência de Despertar: é um estágio intermediário entre a Consciência Cósmica e a consciência individual no seu estado de vigília (Weil40). O campo da consciência se amplifica e os três outros estados de consciência (o de devaneio, de sonho e de sono profundo) tornam-se claros e interligados, possibilitando ao indivíduo que, pos­teriormente, perceba a unidade do Cosmos e de si.

f) Estados de Consciência Cósmica: é o estado resultante da integração entre todos os estados de consciência; é o estado em que há o controle da atividade cerebral (Weil40). Designa um estado de consciência além da consciência comum do homem. O indivíduo passa a compreender o funcionamento e a razão de ser do universo, a relatividade das três dimensões do tempo e do espaço (Weil39).

Os Estados de Consciência, isoladamente, constituem um padrão normal de funcionamento psicológico, por exemplo, o sonho; ou um estado de devaneio numa sessão de psicanálise.

Certas manifestações psíquicas estudadas pela Parap­sicologia (como as Percepções Extra-Sensoriais – PES) vão ocorrer em um determinado estado alterado de consciência e podem não culminar numa Experiência Transpessoal ou Cósmica, dependendo da evolução pessoal e de como o indivíduo percebe a integração destas manifestações consigo mesmo e com o Cosmos.

A percepção desta integração é fundamental para se entender se o estado mental do indivíduo é normal ou patológico, pois o "êxtase" da Experiência Transpessoal passa por uma ausência de mediação dos órgãos senso­riais, vão além dos limites de tempo e espaço e podem mostrar uma realidade totalmente fora do mundo tridi­mensional ao qual estamos acostumados. Tanto a Expe­riência Transpessoal ou Cósmica quanto as alucinações esquizofrênicas e os fenômenos paranormais estudados pela Parapsicologia se dão em estados de consciência alterados, que levam o indivíduo (ou sua mente) a ter um estado alterado de sensibilidade.

No caso da Experiência Cósmica, Weil39 nos dá a se­guinte conceituação:

"O termo traduz uma experiência em que determinadas pessoas percebem a unidade do Cosmos, se percebem dentro dela (e não fora, como muitos poderiam imaginar); a experiência é acompanhada de sentimentos de profunda paz, plenitude, amor a todos os seres. Compreende-se, de um relance, o funcionamento e a razão de ser dos universos, a relatividade das três dimensões do tempo e do espaço, a insignificância e a ilusão do mundo em que vivemos, os erros monumentais cometidos por muitos seres humanos; uma iluminação acompanha muitas destas percepções. A morte é vista apenas como uma passagem para outra espécie de existência e o medo dela desaparece totalmente. A Experiência Cósmica pode ser, e é em geral, o resultado de uma longa e lenta evolução; às vezes, no entanto, ela constitui o início de uma profunda trans­formação no sentido dos valores mais elevados da hu­manidade; neste último caso ela acontece em momento inesperado" .

Se por um lado, a experiência cósmica constitui um fenômeno ou um conjunto de fenômenos não psicóticos e não se enquadra como manifestação de uma doença mental, vale dizer que a esquizofrenia e suas manifestações alucinógenas podem se dar a partir de estados alterados de consciência sem se traduzirem como uma experiência cósmica. O esquizofrênico não consegue dirigir esta ex­periência interior e rompe com o mundo, perdendo o controle.

Os fenômenos paranormais, como a psicocinesia ou as percepções extra-sensoriais, tanto podem ser verificadas em indivíduos que conseguem ter controle destas mani­festações, quanto em indivíduos incapazes de comandar esta experiência interna.

Estas considerações são feitas para se entender que, como afirma Grof12, "o termo estados alterados da consciência inclui as experiências transpessoais, mas exis­tem outros tipos de experiências que se dão em estados alterados de consciência ou até podem ser qualificados de estados alterados de consciência mas que não atingem o critério para serem transpessoais".

Viver uma experiência cósmica leva o indivíduo a um crescimento interior, porém não implica numa "santifica­ção" ou em ausência de conflitos. Muda sua visão de mundo, amplia a percepção de si, valores são reformu­lados, o que implica num amadurecimento que possibilita que o indivíduo tenha melhores instrumentos para ela­borar ou lidar com seus conflitos.

Psicologia Transpessoal e psicoterapia

Nas abordagens não-transpessoais, o objetivo da psi­coterapia é mais direcionado ao alívio de sintomas ou à modificação de comportamentos indesejáveis, à resolução de conflitos inconscientes, à reestruturação da personali­dade, a capacitar o ego a integrar ou resolver conflitos, e, ainda que possam visar o crescimento pessoal do in­divíduo, acabam limitando-se a uma ação sintomática (como a terapia comportamental) ou, como a psicoterapia psicanalítica, fundamentada na etiologia da doença ou sintomas (Dewald7; Wolpe42; Kaplan & Sadock19).

Pelo fato da Psicologia Transpessoal ter-se desenvolvido a partir da Psicologia Humanista, inclusive com autores humanistas como Maslow e Sutich encabeçando o movi­mento transpessoal, as diferenças entre elas não são tão acentuadas como em relação à Psicanálise e ao Behaviorismo.

A Psicologia Humanista também tem uma visão holís­tica do homem e se orienta mais para a promoção da saúde do que para a patologia, porém suas metas básicas voltam-se para auto-realização, enquanto que a Psicologia Transpessoal volta-se para a auto-transcendência.

Sutich30 descreve a Psicoterapia Transpessoal como " aquela direcionada, direta ou indiretamente, para o reco­nhecimento, a aceitação e a percepção dos estados últi­mos", ou seja, os estados alterados de consciência e sua integração na consciência do indivíduo.

Tabone31 completa esta idéia e afirma que "além das necessidades próprias à sobrevivência, o alimento, o abri­go, relacionamento, etc., devem ser supridas as necessi­dades outras, ditas 'espirituais', para que possa haver um funcionamento completo do ser e para que se obtenha um nível ótimo de saúde psicológica. (…) Na Psicoterapia Transpessoal os impulsos dirigidos para o crescimento espiritual são considerados básicos para a humanização completa do homem".

Weide37 amplia a comparação entre as abordagens transpessoal e não-transpessoal, e fala que "a maior parte do que comumente consideramos sob o nome psicoterapia pode, apropriadamente, ser chamada de terapia pessoal e/ou interpessoal. Essas diversas terapias convencionais estão primária ou inteiramente relacionadas com o corpo, a mente e as emoções, as inter-relações entre a experiência física, mental ou emocional – tudo dentro de um contexto social. Em contrapartida, a terapia transpessoal diz respeito às inter-relações entre o corpo, a mente, as emoções, e aquilo que podemos chamar de espírito, às vezes num contexto social, às vezes num contexto impessoal".

Tendo uma visão holística, a Psicoterapia Transpessoal não elimina as contribuições que outras linhas psicoterá­picas oferecem, porém vai além dos limites destas abor­dagens, pois tem uma concepção de consciência que não se prende às funções do ego vigil. Isto não significa que ela não trabalhe com resolução de conflitos neuróticos, alívio de sintomas, modificação de comportamentos, mas que, ao trabalhar com indivíduos que têm estas necessi­dades, tem como objetivo ulterior, também prepará-Io para atingir um nível de desenvolvimento espiritual ele­vado que implique numa ampliação da consciência.

Weil38 estabelece a necessidade de ligação entre as técnicas não-transpessoais, no caso a psicoterapia psica­nalítica, como o faz a Psicossíntese Analítico-Interpretativa de Tripicchio35,36, e a Psicoterapia Transpessoal:

"Para atingir os limites da consciência cósmica, é ne­cessário reviver os grandes conflitos da vida, reagir a eles, mantê-Ios no campo da consciência. Não se trata, portanto, como se poderia acreditar de obter estados transitórios ou fugazes de "paz interior", o que seria uma espécie de fuga aos nossos conflitos deixando-os sem solução; isto redundaria conseqüentemente ou na impossibilidade de se chegar ao estado de consciência cósmica, ou em se chegar cedo demais (…) Não se trata, também, de se fazer acreditar que exista uma vida sem conflito; sendo o conflito próprio da energia, é, por conseqüência, próprio do ho­mem. Trata-se, em Psicanálise, de aprender a vê-Io, a tomar uma certa distância para administrá-Io. Uma vez que a paz interior é uma resultante deste poder adminis­trativo do ego, é este poder por sua vez o início da experiência cósmica. A Psicanálise constitui, assim, uma das vias iniciais da experiência transpessoal".

O enfoque da terapia transpessoal não é exclusivamente transpessoal e depende do nível de desenvolvimento em que o cliente se encontra, da qualidade dos conflitos tra­zidos para a terapia e de toda sua experiência de vida.

Considerações teóricas finais

A Psicologia Transpessoal nos oferece um universo rico de conceitos inovadores, descreve a consciência fun­damentando-se em proposições subjetivas que carecem de uma verificação dentro do domínio da ciência tal como é concebida no Ocidente, utiliza técnicas psicoterápicas que enfocam o homem em sua relação corpo-espírito-cos­mo, opondo-se ao enfoque das linhas psicoterápicas tra­dicionais.

Rompe com o modelo-padrão de Psicologia e vai de encontro com proposições muito atuais da Física, da Bio­logia, da Neurologia (Capra4,5), baseando-se em conceitos modernos de espaço, tempo, matéria; numa visão holística do homem; e na integração dos pensamentos Ocidental e Oriental.

Sua difusão entre os psicólogos e psiquiatras é cada vez mais acen­tuada, os resultados de estudos e de tratamentos psico­terápicos são relatados em publicações respeitáveis, e cada vez mais pesquisadores, terapeutas e professores realizam trabalhos em universidades e institutos de todo o mundo.

Qualquer restrição que se faça a tentativas de se de­senvolver estudos e pesquisas que visem apresentar, sis­tematizar ou organizar a Psicologia Transpessoal como teoria e sistema, será fundamentada em um preconceito de­corrente da inexistência, no Paradigma Científico Ocidental, de elementos conceituais que coloquem esta linha psico­lógica dentro das linhas estabelecidas pelo que hoje é considerado Ciência.

A própria Psicanálise fica fora das fronteiras da Ciência, porém sua penetração no meio médico e psicológico, e na própria cultura ocidental, se deu de forma tão profunda, com resultados terapêuticos tão significativos, que conquistou seu espaço como linha psicológica respeitável, como sistema e teoria aceita por considerável número de terapeutas, pesquisadores e professores de universidades em todo o mundo.

Vale lembrar Bachrach3, renomado autor de livros e artigos sobre pesquisa científica em psicologia, que nos ensina o seguinte:

"(…) se a observação não for clara e replicável dentro dos limites de uma observação definida, ela não é passível de um estudo científico. É possível que isto venha a ocorrer no futuro quando os instrumentos ampliarem a capaci­dade de medir e observar (…). Muitas áreas de estudo podem ser abordadas, experimentalmente, com técnicas estatísticas e de planejamento sofisticadas e acessíveis à Ciência; e no entanto, podem permanecer fora do domínio da investigação científica. Uma delas, escolhida porque ilustra muito dos aspectos que desejo considerar, é a área da parapsicologia, o estudo dos fenômenos paranormais, tais como a telepatia e a percepção extra-sensorial (PES). Não há dúvidas que existem investigadores diligentes, laboriosos e produtivos na parapsicologia. Até o momento, contudo, apesar do uso de instrumentos científicos(…) exis­tem fatores que colocam a parapsicologia fora das fron­teiras da Ciência. (…) Isto não condena tais dados ao limbo do qual não possam retornar".

Ou seja, ainda que a Ciência Ocidental não possua um referencial onde os resultados de abordagens como a Psi­cologia Transpessoal possam se basear, tais resultados podem ser considerados, pois o que pesquisadores estão buscando é justamente ampliar o paradigma científico vigente hoje no Ocidente, o que, oportunamente, poderá permitir que a Psicologia Transpessoal seja analisada de forma diferenciada da que comumente ocorre no meio científico.

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