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Psicofarmacologia V – Neurolépticos Convencionais e Atípicos

Neste artigo destacarei os vários tratamentos farmacológicos dos transtornos psicóti­cos, com especial ênfase na esquizofrenia. Os tratamentos tradicionais das psicoses são os antipsicóticos ou neurolépticos, drogas que bloqueiam os receptores de dopa­mina, como também os neurolépticos atípicos. Há, obviamente, especificidades nos trata­mentos com antipsicóticos, dependendo de qual transtorno psicótico estamos tratan­do (isto é, esquizofrenia ou outro). Além disso, os tratamentos antipsicóticos podem variar muito em termos de combinações com outros medicamentos psicotrópicos, duração do tratamento, dose e antipsicótico específico.

O leitor psi deve consultar manuais de referência e livros-texto para obter tais informações.

Este artigo sobre os antipsicóticos enfatiza conceitos farmacológicos básicos sobre mecanismos de ação. Os conceitos farma­cológicos desenvolvidos aqui devem ajudar o leitor psi a entender a base racional do uso dos antipsicóticos. Esta base será desenvolvida a partir da perspectiva farmacológica de como as drogas para a esquizofrenia e outras psicoses podem interagir com dife­rentes sistemas neurotransmissores no Sistema Nervoso Central, exercendo assim suas ações terapêuticas.


Neurolépticos

Os tratamentos da esquizofrenia e de outros transtornos psicóticos têm sido originados a partir de observações clínicas casuais, bem como dos conhecimentos científicos neu­robiológicos básicos das psicoses. Estas abordagens atualmente estão acelerando a velocidade com que novos agentes terapêuticos da esquizofrenia estão sendo desen­volvidos. Faço uma revisão dos neurolépticos clássicos que já se encontram em uso no tratamento das psicoses; além disso, também analisaremos os amplos esfor­ços de pesquisa para se encontrarem novas terapias farmacológicas. Revisaremos ainda as modernas abordagens terapêuticas.


Tratamentos Neurolépticos Convencionais

Os primeiros neurolépticos antipsicóticos foram descobertos acidentalmente na década de 1950, quando se observou que uma droga que se acreditava ser anti-histamínica (clorproma­zina) casualmente apresentou efeitos antipsicóticos únicos quando testada em pacien­tes esquizofrênicos. De fato, a clorpromazina possui alguma atividade anti-histamíni­ca, porém, apresenta igualmente atividade mais importante sobre os receptores de dopamina. Ela até apresenta atividade adicional, embora geralmente indesejável, sobre os receptores alfa-adrenérgicos e colinérgicos muscarínicos. Justamente como acontece com os antidepressivos tricíclicos clássicos, os neurolépticos clássicos apresentam atividade em três receptores que medeiam os efeitos colaterais e não os terapêuticos, quais sejam: anti-histamínicos (ganho de peso), bloqueio alfa-adrenérgico (efeitos colaterais cardiovasculares) e bloqueio coli­nérgico muscarínico (boca seca, visão turva e constipação).

Uma vez tendo sido observado que a clorpromazina era um antipsicótico efetivo, foram realizados testes experimentais para tentar descobrir seu mecanismo de ação. Logo no início dos ensaios, descobriu-se que a clorpromazina e outros antipsicóticos produziam "neurolepsia" em animais experimentais. Novos neurolépticos foram des­cobertos muitas vezes por sua capacidade de produzir este efeito. Somente muitos anos mais tarde, talvez nas décadas de 1960 e 1970, é que foi amplamente reconheci­do que todos os neurolépticos conhecidos naquela época apresentavam a proprieda­de comum de bloquear os receptores de dopamina, particularmente os receptores dopamina-2 (D2).

Os diversos antipsicóticos diferem quanto à capacidade de bloquear os vários receptores. Por causa disso, diferem nos perfis de efeitos colaterais, embora não difiram de maneira geral em seus perfis terapêuticos. Alguns neurolépticos são mais sedativos do que outros; alguns apresentam maior capacidade de provocar efeitos colaterais cardiovasculares do que outros; e alguns são mais potentes do que outros. No entanto, todos os neurolépticos reduzem os sintomas psi­cóticos – especialmente os sintomas positivos – quase que igualmente em grupos de pacientes esquizofrênicos nos ensaios multicêntricos. Isto não significa dizer que deter­minado paciente não possa responder melhor a um neuroléptico do que a outro.  


Principais neurolépticos convencionais

Acetofenazina (Tindal); Carfenazina (Proketazine); Clorpromazina (Amplictil, Thorazine); Clorprotixeno (Taractan); Clozapina (Leponex, Clozaril); Flufenazina (Anatensol, Prolixin); Haloperidol (Haldol); Loxapina (Loxitane); Mesoridazina (Serentil); Molindona (Moban, Lidone); Perfenazina (Trilafon); Pimozida (Orap); Piperacetazina (Quide); Proclorperazina (Compazine); Propericiazina (Neuleptil); Tioridazina (Meleril); Tiotixeno (Navane); Trifluoperazina (Stelazine); Triflupromazina (Vesprin).

O que se afirma é que não existe diferença reconhecida de eficácia entre todos os neurolépticos típicos, quando testados em grandes grupos de pacientes.

Todos os neurolépticos típicos são capazes de produzir reações extrapiramidais (REP) e discinesia tardia, ambas derivadas das propriedades que estes agentes apresentam de bloquear o receptor D2. Deste modo, o antagonismo ao receptor D2 faz a mediação não apenas dos efeitos terapêuti­cos dos antipsicóticos, mas também de alguns dos efeitos colaterais destes agentes.

Alguns neurolépticos apresentam maior propensão a produzir efeitos colate­rais extrapiramidais (mediados pelo bloqueio do receptor D2 na via nigrostriada) do que outros. Os neurolépticos que causam mais REP são os que apresentam apenas fracas propriedades anticolinérgicas. Os que provocam menos REP são os que apre­sentam propriedades anticolinérgicas mais fortes. Assim, para reduzir as REP, fre­qüentemente administram-se anticolinérgicos aos pacientes que estão em uso de agentes neurolépticos.

Como o bloqueio do receptor colinérgico reduz as REP produzidas pelo bloqueio do receptor de dopamina? A razão parece ser que a dopamina e a acetilcolina estão reciprocamente relacionadas na via nigrostriada. Os neu­rônios dopaminérgicos nesta via fazem conexões pós-sinápticas com neurônios coli­nérgicos. A dopamina normalmente bloqueia a liberação de acetilcolina dos neurônios colinérgicos nigrostriados pós-sinápticos, suprimindo assim a atividade da acetilcolina. Quando a dopamina não é mais capaz de suprimir a libera­ção de acetilcolina, uma vez que os receptores de dopamina estão sendo bloqueados pelo neuroléptico, então a acetilcolina torna-se demasiadamente ativa.

Uma compensação para esta hiperatividade da acetilcolina é o seu bloqueio
com anticolinérgicos. Assim, os anticolinérgicos sobrepujam a atividade excessi­va da acetilcolina determinada pela remoção da inibição da dopamina quando os seus receptores estão bloqueados pelos neurolépticos.

Isto originou a estratégia de administrar agentes anticolinérgicos juntamente com neurolépticos para reduzir as REP causadas pelos neurolépticos. Como alguns dentre estes apresentam um pouco de atividade anticolinérgica em suas moléculas, isso tende a reduzir as REP causadas pela outra propriedade do mesmo neuro­léptico de bloquear o receptor de dopamina. Assim, dependendo das relativas intensi­dades dos bloqueios aos receptores de dopamina e acetilcolina, o neuroléptico apre­sentará maior ou menor capacidade de causar REP.

Teoricamente, outros agentes farmacológicos que amplificam a dopamina pode­riam também ajudar a reverter as REP conforme fazem na doença de Parkinson, mas ocorreria incremento da dopamina também na área mesolímbica, possivelmente aumentando os sintomas positivos da psicose. De fato, a amantadina, agente antipar­kinsoniano capaz de liberar dopamina, pode ajudar a reverter as REP no parkinsonis­mo induzido por drogas sem necessariamente causar piora da psicose. Na prática, os anticolinérgicos são os agentes mais freqüentemente utilizados concomitantemente com os neurolépticos com o propósito de aumentar a tolerabilidade destes últimos, pois os anticolinérgicos fazem com que os neurolépticos causem menos REP proble­máticas. Infelizmente, o uso concomitante de anticolinérgicos não diminui a capacidade de os mesmos neurolépticos causarem discinesia tardia.

Uso crônico de antipsicóticos. Todos os neurolépticos típicos apresentam a capa­cidade de reduzir os sintomas psicóticos positivos após várias semanas de tratamento. A interrupção do uso dos neurolépticos provoca recidiva da psicose em pacientes com esquizofrenia, na taxa de aproximadamente 10% ao mês. Deste modo, 50% ou mais vão apresentar recidiva seis meses após a interrupção. Conseqüentemente, o tra­tamento crônico com antipsicóticos pode estar indicado na esquizofrenia – considera­da doença de longa duração -, mas não em doenças onde a psicose pode ser de curta duração ou intermitente.

Assim, deve-se ter em mente uma "estratégia de uso parcimonioso do neuroléptico" em qualquer caso onde os riscos do tratamento crônico não são justificados. Isto é freqüentemente verdadeiro, por exemplo, na depressão psicótica, que pode não necessitar de tratamento neuroléptico de longo prazo tão logo a doença seja estabilizada. Por outro lado, é também muito freqüente na esquizofrenia que o benefício de tratar a psicose justifique os efeitos colaterais dos neurolépticos. A psicose pode ser ainda mais maligna do que o risco de discinesia tardia, o que nos leva a continuar o tratamento neuroléptico, apesar da presença de efeitos colaterais de curto e longo prazos, inclusive discinesia tardia.

Os efeitos colaterais a longo prazo têm originado a busca de tratamentos neuro­lépticos que reduzam ou eliminem tais problemas, mas que ainda assim sejam agentes antipsicóticos potentes para tratar os sintomas positivos da psicose. Os problemáticos efeitos colaterais também acarretam a não-adesão ao tratamento, pois os pacientes freqüentemente querem suspender sua medicação para se livrar dos efeitos colaterais, apesar do alto risco de recidiva dos sintomas psicóticos.

A primeira tentativa de melhorar o perfil terapêutico dos neurolépticos típicos clássi­cos baseou-se em pesquisa que mostrou que os receptores de dopamina na via dopa­minérgica nigrostriada fazem a mediação dos efeitos colaterais extrapiramidais destes agentes, mas que os receptores de dopamina na via dopaminérgica mesoIímbica são mais propensos a mediar suas ações terapêuticas antipsicóticas. Os esforços para a descoberta de drogas têm sido, portanto, no sentido de encontrar agentes que sejam mais eletivos para os receptores dopaminérgicos mesolímbicos do que para os receptores dopaminérgicos nigrostriados, de modo a gerar teo­ricamente melhor perfil de efeitos colaterais. As indicações de que esta poderia ser uma abordagem útil derivam de observações clínicas de certos neurolépticos já utilizados na prática clínica. Os neurolépticos considerados "atípicos", a exemplo da tioridazina (Meleril) e da sulpirida (Equilid), parecem apresentar menor propensão a produzir efeitos colaterais extra-piramidais, embora continuem apresentando boas propriedades antipsicóticas quando comparados aos neurolépticos "típicos" como a clorpromazina ou o haloperi­doI. Assim, o termo "atípico" foi cunhado e primeiro aplicado para o conceito de eficácia típica com efeitos colaterais atípicos.

Uma série de compostos da benzamida estruturalmente relacionados à sulpirida tem sido sintetizada e exibe o desejado "perfil atípico" de preferência pelos recepto­res dopaminérgicos mesoIímbicos em detrimento dos nigrostriados em modelos ani­mais. Vários destes têm sido testados em pacientes esquizofrênicos, sendo a remoxiprida o primeiro a ser colocado na prática clínica. A remoxiprida foi introdu­zida na Europa e no Canadá, mas em seguida retirada do mercado; nos USA e no Brasil nunca foi vendida, por causa de relatos associando-a à anemia aplástica. Um compos­to relacionado, a racloprida, é mais potente do que a remoxiprida, tem sido ferramen­ta útil em estudos de imagens de PET scan (tomografIa com emissão de pósitrons) e pode vir a entrar no mercado como neuroléptico atípico após terem sido completa­dos os ensaios clínicos que estão sendo realizados atualmente.

Outros-neurolépticos atípicos com perfis promissores em modelos animais são a meIperona e a zotepina. Os testes clínicos destes compostos estão incompletos ou foram suspensos; assim, há pouca probabilidade de que venham a ser comercializa­dos, pelo menos nos USA, de acordo com as projeções atuais.


Clozapina
– Uma Classe de Drogas por Si Só

A clozapina (Leponex) foi reconhecida por suas propriedades clínicas atípicas logo após sua introdução na prática clínica na Europa. Trata-se de neuroléptico atípico por apresen­tar poucos (ou nenhum) efeitos colaterais extrapiramidais sem deixar de ser anti-psi­cótico eficaz. Além disso, não parece causar discinesia tardia.

A clozapina também foi reconhecida como incomum por outra razão importante: é mais eficaz do que os neurolépticos típicos, especialmente nos pacientes que não respondem adequadamente a estes últimos. Alguns pesquisadores ampliaram o conceito de "atípico" para a substância que apresente eficácia aumentada e efeitos cola­terais diminuídos, em comparação com os neurolépticos típicos, o que é exemplifi­cado de maneira única pela clozapina. No entanto, conforme foi sendo revelada a efi­cácia atípica da clozapina, o mesmo ocorreu com seu atípico perfil de riscos, que inclui a possibilidade de desenvolvimento de agranulocitose, complicação que amea­ça a vida e que ocasionalmente é fatal.

Estas propriedades terapêuticas incomumente favoráveis acompanhadas de efeitos colaterais incomumente desfavoráveis desencadearam a corrida em busca de composto semelhante à clozapina, mas que não apresentasse a perigosa toxicidade desta sobre a medula óssea (agranulocitose). Para alcançar este objetivo, os farmacologistas têm ten­tado definir qual é o mecanismo bioquímico de ação da clozapina que a torna diferen­te dos outros neurolépticos, definindo assim o que seria uma substância clozapine-like. Aparentemente, a ação seletiva em sítios mesolímbicos ver­sus receptores dopaminérgicos nigrostriados não é suficiente para explicar isto, pois neurolépticos "atípicos" como as benzamidas, discutidas anteriormente, podem apre­sentar melhor perfil de efeitos colaterais, sem haver evidências que indiquem que as benzamidas apresentem as propriedades de eficácia especial da clozapina.

A clozapina é uma das drogas mais complicadas da psicofarmacologia. Até o momento sabe-se que apresenta interações notáveis com pelo menos nove receptores. Não se sabe quais destes ou quais combinações deles podem ser os media­dores da especial eficácia clínica da clozapina. Conforme mencionado anteriormente, junto com a boa notícia da eficácia da clozapina, veio a má notícia de que pode causar agranulocitose, toxicidade potencialmente fatal sobre a medula óssea. Isto significa na prática que se deve monitorizar com extrema atenção o hemograma dos pacientes, procurando detectar possibilidade de desenvolvimento desta complicação, suspen­dendo-se imediatamente a administração da droga e instituindo-se a terapia de suporte adequada.

Felizmente, parece que nenhum dos nove receptores faz a mediação desta séria reação adversa da clozapina. Assim, teoricamente, é possível alcançar-se a mesma efi­cácia da clozapina sem o risco de agranulocitose alterando-se a estrutura química da droga, mas não as propriedades farmacológicas. O dilema reside em quais proprieda­des farmacológicas devem ser mantidas para que a clozapina permaneça com sua especial eficácia e quais propriedades devem ser removidas para melhorar seu perfil de efeitos colaterais (p.ex., convulsões, sedação, hipotensão e agranulocitose).

Numa revisão dos esforços realizados para se encontrarem antipsi­cóticos semelhantes à clozapina que retenham sua eficácia, mas que não apresentem os efeitos colaterais indesejáveis desta substância. As tentativas atuais de se encontrarem drogas semelhantes à clozapina podem ser resumidas em grande parte como varia­ções do tema de se ter como alvos, seletivamente e em combinações, os recepto­res de dopamina e serotonina, pois, das nove interações conhecidas com neurotrans­missores realizadas pelas moléculas de clozapina, seis ocorrem com subtipos de receptores de dopamina ou serotonina.


A Pesquisa de Drogas Semelhantes à Clozapina.

Variações do tema de se ter como alvos, seletivamente, subtipos de Receptores de Dopamina e Serotonina

Antagonistas de serotonina e dopamina. Os cientistas pesquisam ativamente a base neurobiológica das ações clínicas únicas da clozapina. A principal hipótese é a de que algum aspecto único da farmacologia da serotonina e da dopamina faça a mediação das ações clínicas singulares da clozapina. A teoria mais proeminente é a de que o blo­queio simultâneo dos receptores D2 e 5-HT2 seja responsável pelas propriedades úni­cas da clozapina. Esta possibilidade já chegou à fase de testes clínicos de vasta gama de drogas relacionadas, atualmente conhecidas como Antagonistas de Sero­tonina-Dopamina (ASD). Estas incluem risperidona (Risperdal), olanzapina (Zyprexa), sertindol, ziprasidona (Geodon), quetiapina (Seroquel), iloperidona, ORG-5222, amperozida e savoxepina, dentre outras.

Os membros individuais dentro da série ASD diferem entre si na quantidade relati­va de receptores D2 versus 5-HT2 que bloqueiam em determinada dose. As drogas desta classe também diferem umas das outras no que concerne ao bloqueio que reali­zam em outros receptores, tais como adrenérgicos, muscarínicos e histamínicos. Geralmente estes últimos são considerados responsáveis por vários efeitos colaterais, e não pelos efeitos terapêuticos. No entanto, alguns pesquisadores acreditam que os receptores alfa possam estar envolvidos até certo ponto na mediação de efeitos tera­pêuticos dos antipsicóticos. A clozapina também é um poderoso bloqueador de todos estes receptores, mas a hipótese dos ASD considera estas ações nos receptores musca­rínicos, alfa-adrenérgicos e histamínicos irrelevantes para as propriedades desejáveis da clozapina. Espera-se que os ASD possam proporcionar a eficácia especial da cloza­pina sem a toxicidade indesejável sobre a medula óssea.

Uma das possibilidades de como os ASD pode mediar as propriedades especiais da clozapina é que pode haver menor necessidade de bloqueio dos receptores D2 para a ação terapêutica na esquizofrenia quando os receptores 5-HT2 são bloqueados simul­taneamente; as técnicas de imagem por PET-CTscan, através do uso de neurolépticos radiomarcados que se ligam aos sítios D2 no núcleo caudado e aos sítios 5-HT2 no córtex, estão esclarecendo qual a intensidade ótima do bloqueio dos receptores D2 e 5-HT2.      

Isto é, aproximadamente 70% a 90% dos receptores D2 são bloqueados nas doses terapêuticas dos neurolépticos típicos, mas apenas 30% a 60% destes receptores são bloqueados nas doses terapêuticas de clozapina. Atualmente estão sendo realizados estudos de PET scan para alguns dos novos ASD em ensaios clínicos, também na tentativa de explorar a intensidade do bloqueio de receptores 5-HT2 que está ocorrendo simultaneamente ao bloqueio de receptores D2. Assim, 85% a 90% dos receptores 5-HT2 são bloqueados pela dose de clozapina que simultaneamente bloqueia apenas cerca de 20% dos receptores D2. Por outro lado, essencialmente nenhum receptor de serotonina é bloqueado pela dose antipsicótica de haloperidol que bloqueia mais de 80% dos receptores D2. Evidentemente, o neuroléptico atípico tioridazina também bloqueia alta porcentagem de receptores 5-HT2, ao mesmo tempo em que bloqueia alta porcentagem de receptores D2.

Estudos recentes com a risperidona, um ASD colocado no mercado, sugerem que a dose antipsicótica bloqueia aproximadamente 60% dos receptores 5-HT2 e, simultaneamente, 50% dos receptores D2. A possibilidade de se estudar in vivo o bloqueio dos receptores D2 e 5-HT2 com técnicas de PET scan funcional nos pacientes esquizofrênicos está ajudando a esclarecer qual o perfil ótimo de blo­queio relativo de receptores que um ASD deve ter. O fato que surge como evidente a partir dos ensaios clínicos até o momento é o de que é desejável algum grau de anta­gonismo D2, pois o antagonista 5-HT2 puro ritanserina, que não bloqueia de forma alguma os receptores dopamina-2, parece apresentar pouca eficácia nos sintomas positivos da esquizofrenia, embora possa reduzir sintomas negativos e não induza efei­tos colaterais extrapiramidais.

As interações com os receptores 5-HT2 nos gânglios basais também podem expli­car por que os ASD aparentemente apresentam menor propensão a produzir REP, especialmente quando administrados em doses mais baixas. Isto pode estar relaciona­do com a interação de dopamina e serotonina nos gânglios basais já discutida em rela­ção aos inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRS) e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). No caso dos ASD, parece que estes agentes são capazes de explorar a diferença nas conexões de dopamina e serotonina em várias partes do cérebro. Ou seja, nos gânglios basais, o influxo de serotonina no neurônio dopaminérgico nigrostriado produz inibição deste último pela neurotransmissão sero­toninérgica que funciona através de receptores 5-HT2 pós-sinápticos nos terminais nervosos dopaminérgicos pré-sinápticos. Este tipo de influxo de serotonina parece não ocorrer na área dopaminérgica mesolímbica.

Deste modo, quando os receptores de dopamina são bloqueados na via dopami­nérgica mesolímbica pelas propriedades de bloqueio de D2 pelos ASD, estes teorica­mente reduziriam a psicose. Quando, de maneira semelhante, eles bloqueiam os receptores D2 na via nigroestriada, também bloqueiam os receptores 5-HT2 que aí se encontram. Assim, o bloqueio 5-HT2 tende a reverter os efeitos do bloqueio em D2, mas apenas no sistema nigrostriado e não no sistema mesolímbico. Os receptores D2 são bloqueados em todos os locais do cérebro pelos ASD, mas o bloqueio simultâneo de 5-HT2 apenas na área nigrostriada desencadeia a liberação de DA, que de maneira exclusiva apresenta a possibilidade de sobrepujar o bloqueio de D2 nesta área específica do cérebro. Isto pode explicar por que os ASD apresentam menor propensão a produ­zirem REP do que os antagonistas de D2 que não possuem propriedades de antagonis­mo 5-HT2. Isto também pode explicar por que as propriedades sobre os receptores 5­HT2 não minimizam de maneira semelhante o bloqueio dos receptores de dopamina, diluindo assim a eficácia antipsicótica na via dopaminérgica mesolímbica, pois aí não há influxo semelhante de 5-HT nos neurônios.

Atualmente, encontram-se em andamento muitos ensaios clínicos para numerosos ASD listados acima, mas ainda é muito cedo para se afirmar quão vantajosos os ASD poderão ser em relação à clozapina ou aos antipsicóticos convencionais. Nos dias atuais, está bem estabelecido que a primeira droga desta classe, a risperidona, apre­senta eficácia clínica comparável à do haloperidol na esquizofrenia. Existem indica­ções de melhor perfil de efeitos colaterais também em relação ao haloperidol, mas isto não está tão bem estabelecido quanto sua eficácia. Além disso, ainda não foi demonstrado que a risperidona seja superior aos neurolépticos típicos em eficácia, nem comparável à clozapina nos casos refratários. Tais estudos encontram-se em andamento, com a comercialização da risperidona em vários países, inclusive nos USA e no Brasil. Vários outros ASD estão agora demonstrando eficácia clínica superior ao placebo e comparável à dos neurolépticos típicos como o haloperidol, mas ainda não estão sendo comercializados.

Geralmente, só após a colocação no mercado é que são reveladas as propriedades verdadeiramente únicas dos novos agentes terapêuticos na esquizofrenia. Começa-se a investigar a possibilidade de que os ASD sejam substâncias semelhantes à clozapina, assim como outros aspectos; além disso, espera-se que os ASD se tornem mais clara­mente diferenciados dos neurolépticos típicos e da clozapina, talvez de formas ainda não reconhecidas.

Antagonistas de dopamina-4. A subtipagem dos receptores de dopamina ocorre em rápida velocidade, à medida que a biologia molecular está identificando genes únicos para múltiplos subtipos. Existem pelo menos cinco subtipos farmacológicos de receptores de dopamina, cada um com múltiplas possíveis isoformas moleculares. Mapeando-se as propriedades da clozapina sobre estes subtipos de receptores, ela parece ser antagonista mais poderoso dos receptores D4 do que os neurolépticos típi­cos. Curiosamente, alguns dos ASD também apresentam propriedades de antagonis­mo poderoso aos receptores D4. Atualmente buscam-se drogas que sejam antagonis­tas seletivos apenas dos receptores D4 e de mais nenhum outro, para observar se estes agentes apresentariam vantagens especiais na esquizofrenia.

Antagonistas de dopamina-1. A clozapina também bloqueia os receptores D1; daí terem surgido perguntas acerca da possibilidade de o antagonista seletivo D1, que não apresenta ações sobre nenhum outro receptor, ser tratamento útil na esquizofre­nia. O protótipo é a droga SCH-23390, que, no entanto, apresenta baixa biodisponibilidade e não tem progredido no desenvolvimento clínico. Ela tem sido utilizada como ferramenta farmacológica pré-clínica e como protótipo para outros agentes em desenvolvimento inicial, como a droga SCH-39166. Os ensaios clínicos envolvendo os antagonistas seletivos D1 na esquizofrenia ainda se encontram em andamento.

Agonistas parciais da dopamina. Um novo e interessante conceito na farmaco­logia é o de agonistas parciais da dopamina. Estes compostos imitam o neurotransmis­sor de ocorrência natural dopamina, que é o agonista total; no entanto, os agonistas par­ciais geram apenas parcela da resposta gerada pelo agonista total dopamina (por isso a designação agonista parcial). Podem existir agonistas parciais para quaisquer neuro­transmissores; além disso, os agonistas parciais apresentam a interessante propriedade de ser agonista ou antagonista, dependendo da quantidade presente de agonista total de ocorrência natural. O agonista parcial da dopamina seria agonista final na ausência de dopamina (conforme pode existir no córtex pré-frontal dorsola­teral para os sintomas negativos da esquizofrenia), sendo simultaneamente antagonis­ta final quando a dopamina está em excesso (como supomos ocorrer na via dopami­nérgica mesolímbica para os sintomas positivos da esquizofrenia). Além disso, onde pode existir atividade dopaminérgica normal (como nos neurônios nigrostriados), o agonista parcial pode não gerar efeitos colaterais extrapiramidais tão facilmente quan­to os neurolépticos típicos que são antagonistas totais.

Embora vários agonistas parciais da dopamina estejam em pesquisa pré-clínica, ainda se conhece relativamente pouco sobre sua potencial atividade clínica na esqui­zofrenia. No entanto, existe certo apelo teórico para estes agentes como solução para o dilema colocado anteriormente: como simultaneamente aumentar a atividade dopaminérgica deficiente e reduzir a atividade dopaminérgica excessiva em diferentes vias dopaminérgicas do cérebro ao mesmo tempo?

Agonistas seletivos do auto-receptor de dopamina. O auto-receptor pré-sinápti­co do neurônio dopaminérgico é responsável pela detecção da quantidade de dopa­mina sináptica e pela interrupação da liberação de mais dopamina pelo neurônio pré­-sináptico quando a atividade torna-se excessiva. A própria dopamina e a maior parte dos agonistas de dopamina conhecidos não são capazes de distinguir entre o auto-re­ceptor pré-sináptico e o receptor pós-sináptico. Portanto, quando a dopamina ou os agonistas da dopamina desligam o neurônio pré-sináptico, isto é em última análise auto-limitante, pois eles simultaneamente estimulam os receptores pós-sinápticos.

Uma possível intervenção terapêutica para reduzir a excessiva atividade dopami­nérgica é sintetizar o agonista que detecte o auto-receptor pré-sináptico, mas não os receptores pós-sinápticos de dopamina, tendo o efeito farmacológico final de inter­romper a liberação de dopamina e reduzir a atividade dopaminérgica final. Um com­posto deste tipo é a droga 3-PPP, que parece agir como agonista do auto-receptor em modelos animais. Pouco ainda se sabe acerca das possibilidades desta abordagem quando se buscam resultados publicados em ensaios clínicos.

Antagonistas 5-HT3. O bloqueio dos receptores 5-HT3 pode contrapor-se à ativi­dade excessiva da dopamina em alguns modelos pré-clínicos. Isto originou a proposi­ção de nova maneira teórica de diminuir a atividade dopaminérgica aumentada na esquizofrenia, através do bloqueio desses receptores. No entanto, até hoje os resultados preliminares de ensaios clínicos, na maioria das vezes não publica­dos, têm sido desapontadores.

Antagonistas 5-HT2C A clozapina é, dentre suas muitas outras propriedades far­macológicas únicas mencionadas anteriormente, também antagonista 5-HT2C. Uma das teorias é a de que o bloqueio deste receptor pode não só reduzir sintomas na esquizofrenia como também reproduzir as propriedades especiais de eficácia da clo­zapina. Consistente com esta noção é a observação de que o agonista 5-HT2C mCPP pode piorar os sintomas dos pacientes esquizofrênicos. Nenhum anta­gonista seletivo 5-HT2C foi testado até hoje em pacientes esquizofrênicos, pois a ínti­ma relação entre receptores 5-HT2 (também chamados de 5-HT2A) e 5-HT2C resulta no antagonismo de ambos os receptores pela maioria das drogas, sem que os recepto­res 5-HT2C sejam seletivamente bloqueados.


Mais Estratégias de Pesquisa Especulativa para Novos Agentes Antipsicóticos

Outros agentes terapêuticos em desenvolvimento inicial incluem antagonistas 5-HT1A, agonistas parciais 5-HT1A combinados a antagonistas D2, antagonistas de vários receptores peptídicos, incluindo receptores de neurotensina e colecistocinina, e até mesmo drogas que têm seletivamente como alvos várias proteínas G.


Abordagens Moleculares na descoberta de Drogas para a Esquizofrenia e Outros Transtornos supostamente Neurodegenerativos

Outra abordagem terapêutica da esquizofrenia é fornecida pela genética. Os cientis­tas estão tentando identificar genes anormais e as conseqüências que tais genes apre­sentam sobre a regulação molecular dos neurônios de pacientes esquizofrênicos. Se o processo degenerativo é ligado genetica­mente no início da evolução da doença, talvez este mesmo processo possa ser desligado farmacologicamente, evitando assim futura progressão da doen­ça.

Não será possível sintetizar agente terapêutico específico até que o sítio deste processo anormal seja descoberto dentro do DNA neuronal, esclarecendo-se assim quais são os produtos gênicos anormais. Até o momento não foram identificados agentes terapêuticos específicos, mas uma abordagem terapêutica capaz de bloquear a expressão do gene anormal é chamada de "estratégia de nocaute em contra-senso". Neste caso, um pedaço específico de DNA é nocauteado, evitando-se assim que seja expresso pela molécula à qual se liga.


Abordagens no Neurodesenvolvimento da descoberta de Drogas para a Esquizofrenia e uutros Transtornos que supostamente afetam o Neurodesenvolvimento

Investigações a respeito do funcionamento neuronal a partir de estudos de neuroima­gem e testes do funcionamento cognitivo de pacientes esquizofrênicos sugerem que a esquizofrenia pode não começar de fato quando os sintomas psicóticos surgem. Na verdade, o processo da doença pode resultar de desenvolvimento anormal do cérebro a partir do início da vida, quando os neurônios não migram para as partes corretas do cérebro nem formam as conexões apropriadas, tomando-se então sujeitos ao colapso quando utilizados pelo indivíduo no final da adolescência e início da vida adulta.

Se o processo patológico anormal é essencialmente um problema de neurodesen­volvimento completado muito cedo no desenvolvimento do cérebro, não tem mais como ser revertido e não há mais processo patológico em ação. Neste caso, pode ser de fato muito difícil modificar esta situação. Por outro lado, é difícil conceber que o processo que se completa no começo da vida seja inteiramente assintomático até o início do processo da doença e que o curso descendente bem como a sintomatologia intermitente da esquizofrenia sejam devidos a mecanismo fisiopatológico inteiramen­te estático no cérebro. No entanto, pode vir a ser provado que algumas dificuldades de neurodesenvolvimento no processo patológico da esquizofrenia ocorrem no desenvolvimento inicial. Se este for o caso, poderá ser muito difícil reverter tais anor­malidades após o indivíduo atingir a idade adulta.

Por outro lado, podem existir meios racionais de compensar estas supostas difi­culdades do neurodesenvolvimento por outros mecanismos, interrompendo qualquer mecanismo em andamento ainda presente no paciente sintomático. Portanto, é crítico aprendermos quais possíveis anormalidades do neurodesenvolvi­mento existem na esquizofrenia e quais estão presentes muito antes do surgimento dos sintomas da doença para aprendermos como reduzir seu impacto no paciente sin­tomático. Pode ser possível reativar a plasticidade neuronal seletivamente com vistas a aplicações terapêuticas mesmo no adulto sintomático, usando-se terapias genéticas apropriadas capazes de instruir os genes do neurônio. Tais intervenções também podem paralisar qualquer processo em andamento; caso este processo seja revertido, estas intervenções terão a capacidade teórica de reparar o cérebro e a falha do desenvolvimento.

Estas são extrapolações teóricas especulativas e não-substanciadas, com base nas mais otimistas possibilidades terapêuticas sugeridas pelas atuais abordagens molecula­res e de neurodesenvolvimento. Embora essas aplicações terapêuticas possam levar muitos anos para ser descobertas e testadas, a visão de tais terapias é uma possibili­dade encorajadora que traz esperança para aqueles que atualmente sofrem de esquizo­frenia.


Futuras Combinações de Quimioterapias nos Transtornos Associados a Psicoses: Esquizofrenia e Transtornos Cognitivos

Considerando-se os incentivos econômicos para a cura ser o tratamento de escolha dos transtornos psicóticos, não é difícil entender por que a maioria das atividades que objetivam o desenvolvimento de drogas para as psicoses tenha como alvo um único mecanismo patológico, com vistas a ser a única terapia para aquele transtorno. Na rea­lidade, pode ser excessivamente simplista conceituar transtornos com característi­cas psicóticas como produtos de um único mecanismo patológico. Doenças como a esquizofrenia e a demência de Alzheimer podem não só apresentar características psi­cóticas, mas também várias deficiências cognitivas, além do componente neurodege­nerativo. Além disso, pode ser necessário um pouco de fé para acreditar que tais transtornos complexos possam vir a ser tratados satisfatoriamente com uma única entidade agindo através de um único mecanismo farmacoterapêutico.

De fato, pergunta-se quão realista é solicitar que um único agente terapêutico para a esquizofrenia trate os sintomas positivos da psicose, os sintomas negativos, os sintomas desorganizados; impeça o prosseguimento do processo neurodegenerativo; e repare as anormalidades do neurodesenvolvimento.

Talvez os tratamentos psicofarmacológicos dos transtornos psicóticos no futuro precisem tomar emprestado um capítulo do livro de quimioterapia do câncer, onde o padrão de tratamento é utilizar múltiplas drogas simultaneamente. A "combinação de quimioterapias" para doenças malignas utiliza a abordagem de colocar juntos vários mecanismos terapêuticos independentes. Quando bem-sucedida, resulta em resposta terapêutica total maior do que a soma das partes. Geralmente, ela também tem a con­seqüência favorável de simultaneamente diminuir o total de efeitos colaterais, pois as experiências adversas de múltiplas drogas são mediadas por diferentes mecanismos farmacológicos e, portanto, não devem ser aditivas.

Deste modo, os tratamentos futuros da esquizofrenia podem combinar um trata­mento para sintomas positivos (talvez algum tipo de neuroléptico bloqueador do receptor D2) com outro para sintomas negativos (possivelmente um agonista parcial da dopamina, ou um agente que funcione através da combinação de ações sobre os receptores de dopamina e serotonina) ou com um agente neuroprotetor (p.ex., antagonista do glutamato). Juntamente com esses, algum tipo de terapia de base molecular para evitar a progressão geneticamente programada da doença ou para reverter as conseqüências do neurodesenvolvimento aberrante pode também integrar o conjunto dos tratamentos da esquizofrenia.

Ensaios clínicos com múltiplos agentes terapêuticos que funcionem através de vários mecanismos podem ser de difícil execução, mas, como existe uma metodologia de ensaios clínicos na literatura sobre quimioterapia do câncer, esta pode ser a abor­dagem aplicável aos transtornos neurodegenerativos complexos, com múltiplos meca­nismos fisiopatológicos subjacentes (como, p.ex., a esquizofrenia).

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