RedePsi - Psicologia

Colunistas

Vá Atrás Daquilo que Você Ama

Vivemos uma crise de talentos no mercado, mas o que vem a ser exatamente talento? Quais as condições para que os talentos possam se desenvolver? Todas as pessoas possuem um talento? Essas são algumas das questões abordadas nesta reflexão.

Talento, que negócio é esse?

O que vem a ser talento? Segundo o Michaelis a origem do termo é latina e refere-se a uma antiga moeda "talentus" usada no tempo dos gregos e romanos. Nesse sentido talento reflete um "valor". Depois dessa definição monetária, as definições que se seguem encaminham-se para a inteligência "grande e brilhante", para a agudeza de espírito, para uma disposição natural ou qualidade superior, para força física, e assim por diante. Bem, ao que parece talento é alguma coisa fora do comum, rara, que algumas pessoas parecem possuir.

Quando se fala em talento é fundamental que se saiba qual o referencial que está sendo adotado ou qual é o conceito de talento que se pretende. Essa é uma questão-chave que nem sempre é lembrada. Hoje em dia tem se falado muito em descobrir, atrair e manter talentos. Parece óbvio que se reflita sobre o conceito de talento para que este possa orientar aquilo que precisa ser encontrado, retido ou atraído numa organização. Na verdade a definição pode até ser geral, mas em se tratando de talento para os negócios, por exemplo, esse conceito precisa estar alinhado com o modelo de negócio praticado pela organização. Nesta perspectiva, o que vem a ser talento para uma determinada empresa pode não ser para outra. Essa diferenciação pode se dar ainda em função do momento organizacional vivido, ou da fatia de mercado disputada por uma companhia.

Talento e paradigma

Vejamos a questão pela perspectiva paradigmática. Paradigma, como todos sabem, é uma palavra que vem do grego que em linhas gerais significa padrão, ou modelo. Segundo o filósofo Edgar Morin, que toma o conceito a partir da perspectiva da lingüística estrutural, paradigma é o conjunto de conceitos mestres que orientam a ação direcionando pessoas e sociedades de forma inconsciente. Nesta perspectiva, a grande maioria das organizações faz negócios a partir de um paradigma que lhes é inconsciente. Esta ação é centrada na descoberta ou na criação de necessidades conscientes que justificam a produção de bens, materiais e imateriais, e sua comercialização. Esse é o mecanismo mais elementar que move a economia, ou seja, um paradigma inconsciente gerando necessidades conscientes. É assim que uma área de negócios começa a ser explorada, como o é um campo de petróleo. Nos tempos altamente competitivos em que vivemos é comum que muitas empresas comecem a atuar num mesmo segmento que, em pouco tempo, fica saturado de empresas fazendo ou comercializando a mesma coisa. É então a hora em que os talentos são muito bem-vindos, pois deles espera-se soluções que possam fazer a diferença. Esta dimensão do talento está intimamente ligada à inovação. Entendendo-se por inovação a perspectiva apresentada no Guia Valor Econômico de Inovação nas Empresas cujo foco está no "desempenho econômico e na criação de valor". Não há dúvida que os executivos que pensaram o modelo de (re)comercialização de hipotecas usado no mercado financeiro dos Estados Unidos eram inovadores e, portanto, talentosos. Eles criaram uma solução que movimentou a economia daquele país, e do mundo, mas que levou a um desastre de proporções mundiais conforme estamos vendo. Então há que se colocar um limite para uma ação talentosa e este limite é o da ética e o da sustentabilidade. Desta forma, um talento responsável é aquele que consegue vislumbrar uma ação inovadora – que agregue valor à organização – mas igualmente capaz de pensar, de vislumbrar, as conseqüências de uma ação em longo prazo. É muito interessante essa perspectiva de longo prazo, isso nos remete às culturas originárias que tinham uma imensa preocupação no modo como suas ações se refletiram no futuro. Os índios, por exemplo, falam que uma ação tem que ser pensada no efeito que terá sobre as próximas sete gerações!

Sucesso, genialidade e talento

Nem sempre uma pessoa talentosa faz sucesso imediato, ou se quer sabe que é talentosa. Sucesso, aliás, é uma condição conquistada sempre a posteriori, ou seja, depois da realização de uma ação.  A história é repleta desses exemplos. Mozart cujo talento para a música foi descoberto e explorado como negócio familiar desde a infância, fazia apresentações e compunha já aos 6 anos idade. Ele Chegou ao ápice de sua expressão artística aos 35 anos de idade morrendo no mesmo ano. Como se sabe, ele encontrou reconhecimento em sua época, mas sua consagração se deu mesmo depois de sua morte.  Já Salieri, seu contemporâneo, era um dos compositores de maior sucesso da época, hoje é praticamente um desconhecido. No campo das artes esse tipo de exemplo é bem comum. Salieri explorou o paradigma vigente ao passo que Mozart estava preocupado com o desbravamento de novos horizontes, abrindo caminho para um novo paradigma na música. Não se pode esquecer, todavia, que quando falamos de Mozart estamos falando de um gênio, cujo talento está bem focalizado numa determinada área, no caso, a música. Benjamin Franklin, que também era contemporâneo de Mozart, foi igualmente talentoso, porém ele era multifocado. Fez fortuna no ramo da imprensa que despontava em sua época, mas é mais conhecido por suas realizações no campo da ciência, com seus estudos sobre eletricidade, ou no campo da política, pois foi um dos articuladores da independência dos Estados Unidos. Seu invento favorito, entretanto, é pouco conhecido. Trata-se da curiosa "Harmônica de Vidro", instrumento musical feito com 37 copos vinho afinados, e dispostos num eixo horizontal que girava impulsionado por um pedal, enquanto o músico executava a melodia com os dedos umedecidos em água. Esse instrumento foi uma sensação na Europa Iluminista para o qual Mozart, assim como Tchaikovsky, compuseram. A música tema do filme Harry Potter, composta pelo talentoso John Willians, é inspirada no som desse instrumento, quase esquecido em nossos dias. Em todos os países e ramos de atividade é possível encontrar-se talento. No Brasil, entre muitos, temos o notório Machado de Assis, cujo centenário de morte comemorasse esse ano (2008), tendo seu primeiro trabalho literário sido publicado quando ele contava apenas 16 anos. É curioso notar que Machado de Assis que era escritor, jornalista e teatrólogo, fluente em vários idiomas era negro, de origem humilde e, além disso, gago e epilético. Michael Phelps é outro exemplo mais recente. O maior nadador da história dos Jogos Olímpicos era hiperativo quando criança sendo levado à natação para conter sua inquietação, pois só dentro d'água o menino parecia acalmar, conta sua mãe. Roseane Ferreira dos Santos, a Rosinha, é uma das maiores paratletas brasileira no arremesso de pesos, que só foi descoberta quando, após um atropelamento teve que amputar a perna. Como se vê os talentos podem aflorar das maneiras mais distintas possíveis. O sucesso dos talentosos depende de serem descobertos por alguém, mas principalmente de reconhecerem-se a si mesmos como talentosos. Aqui associo os potenciais pessoais a talentos, pois raramente uma pessoa que não acredita em si mesmo ganha notoriedade. É claro que se não fosse por seu pai, Mozart não teria começado a compor com seis anos de idade. Mas, se ele não acreditasse em si mesmo, certamente nunca teria acontecido.

Talento, potencial e inteligências múltiplas

Olhar a questão do talento pela perspectiva das múltiplas inteligências, conforme preconizado pelo psicólogo de Harvard Howard Gardner, pode ser uma idéia bem interessante, pois nem todos são multifocados como Benjamin Franklin. A equipe de Gardner da Universidade de Harvard descreveu que os seres humanos são dotados de, pelo menos, nove tipos de inteligência: a Lógico-matemática, a lingüística, a espacial, a musical, a físico-cinestésica, a intrapessoal, a interpessoal, a naturalista e a existencial. Levantando, também, a hipótese de uma inteligência espiritual também. A compreensão de Gardner é muito bem-vinda para a discussão de talentos, pois nesta perspectiva todos podem possuir talentos. O que acontece é que uma pessoa pode ser mais talentosa para um tipo de inteligência do que para outra. Neste sentido se dará bem, ou será talentosa, aquela que buscar desenvolver o tipo de inteligência que lhe for mais peculiar. Mozart era péssimo para as relações interpessoais, sendo muitas vezes visto como arrogante, mas um incontestável gênio para a música. Pelé é um exemplo de talento cinestésico, assim como Michael Pheps. Abraham Maslow, que morreu muitos anos antes de Gardner propor sua teoria, certamente ira concordar com ela, mas certamente iria advertir que as inteligências poderiam existir de forma potencial necessitando ser atualizada. Carl Rogers diria que esses potenciais, sempre latentes, são muito susceptíveis aos estímulos ambientais e, portanto, precisam ser bem cuidados, pois podem ser facilmente embotados. Assim vê-se que o talento não é apenas uma questão de ter, ou não ter, mas de conseguir condições para poder desenvolvê-los. Se considerarmos que todas as pessoas possuem potenciais que podem ser atualizados e sendo estes facilmente embotados, muitos talentos podem jazer desconhecidos dentro das organizações porque não foram descobertos.  Há algum tempo tem circulado pela Internet o vídeo de Paul Potts um vendedor de celulares do País de Gales que sempre gostou de cantar ópera. Um dia ele teve coragem para se apresentar num famoso programa de calouros do Reino Unido o Britain's got talent sendo então descoberto e a partir dali realizando seu potencial. Isso aconteceu em 2007, hoje ele tem um fan clube oficial e já gravou seu primeiro CD.

Descobrir, atrair e cativar talentos, qual o caminho?

As empresas estão ávidas por talentos, tanto que recentemente o Internacional Business Comunication (IBC) de São Paulo realizou um seminário dedicado a essa temática, onde havia profissionais de RH de grandes empresas em busca das melhores práticas. Diante do que aqui expus, e do que lá ouvi, tenho a convicção de que os talentos estão aí só precisam ser descobertos. Mas, depois de serem descobertos os talentos querem ser valorizados. Essa valorização não é só de ordem econômica, ou seja, é claro que os talentos querem ser recompensados (remunerados) pelo que são, pelo que representam, pelo que proporcionam, ou mesmo pelo que investiram para se tornarem talentos. Mas, o reconhecimento mais importante não é o de ordem financeira, embora esse seja muito importante também. O reconhecimento mais importante é de ordem ética, é o respeito com que são tratados. Então se você quer atrair um talento para sua organização procure tratá-lo de forma respeitosa. Por favor, não confunda respeito com bajulação. Esse parece ser também um elemento decisivo para cativar os talentos. Mas, a descoberta do talento tem que ser primeiramente de caráter pessoal, ou seja, as pessoas precisam entender que são talentosas para alguma coisa, afinal de contas todos têm algum tipo de inteligência, combinada num blend, uma mistura especial, das tantas inteligências descritas por Gardner e, desta forma, cada pessoa é única no seu tipo de blend de talentos. Talvez você não saiba exatamente qual é seu blend. Bem, está é uma das tarefas de maior relevância do viver, ou seja, descobrir e atualizar seus potenciais. Para isso existem as propostas de autoconhecimento, cada vez mais vitais nos dias atuais. Se você prestar muita atenção para as coisas que lhe dão prazer de "ser" terá boas indicações de que caminhos a devem ser tomados para que seus talentos possam ser aflorados. O medo, a descrença são fatores decisivos que podem manter você preso(a) a padrões (paradigmas) pessoais de insucesso. Se você é uma daquelas pessoas que vivem se lamentando que nunca foi descoberta, talvez seja a hora de se inspirar no exemplo do Paul Potts que teve a coragem de se expor àquilo gostava de fazer. Atente para o fato de que ópera não é exatamente muito popular em nossos dias, mesmo para os padrões europeus. É sempre fácil lançar mão de uma desculpa para não sair em busca de seus sonhos: Quando meus filhos crescerem… Quando eu tiver dinheiro… Quando eu me formar… Quando eu me aposentar… Estas são apenas alguns exemplos desse tipo de desculpa. Então, se você quer descobrir seu talento, vá atrás daquilo que você ama.

______________
Referência:

BIOGRAFIA DE MACHADO DE ASSIS, disponível em http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp Acessado em 12.10.2008.

El Desafio de los paradigmas (Vídeo) Mesa Redonda realizada na Multiversidad Real com Edgar Morin, Sonora, México. Disponível em www.multiversidadreal.org. Acessado em 12.10.2008

GARDNER, H. H. Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 1995. 257p.

GAY, P. Mozart. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. 177p.

LIPP, R. e SIMANTOB, M. Guia Valor Econômico de Inovação nas Empresas. São Paulo: Globo, 2003. 150p.

MASLOW, A. H.  Introdução à Psicologia do Ser, 2. ed.,Rio de Janeiro:  Eldorado, 1968. 279p.

______.  Motivation and Personality. 2th, Harper & Row Publishers, New York, 1970. 411p.

______.  The Further Reaches of Human Nature. New York, 7th Printing. 1976. 407p.

Metamorfose (Documentário) Roteiro: Ana Cristina Costa Silva. Portacurtas Petrobras 2002. disponível em http://www.portacurtas.com.br/filme.asp?cod=1660&Exib=1

Ben Frankling Tech (Documentário) MODERN MARVEL (Great Inventions Week)  The History Channel (2008).

ROGERS, C. R. Tornar-se Pessoa, 3. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1990. 360p.

______. Sobre o Poder Pessoal. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1986. 273p.

______. Um Jeito de Ser. São Paulo: EPU, 1983. 156p.

SCHELP, D. “A Aposta do Homem Anfíbio”, Revista Veja, Ed. 1867 (18.08.2004) disponível em http://veja.abril.com.br/180804/p_092.html acessado em 12.10.2008

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter