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A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial do título de psicólogo.
Palhoça, 23 de novembro de 2010.

RESUMO

MORAES, Geofilho Ferreira. A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência. 108f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2010.

A permanência do tratamento em saúde mental no modelo hospitalocêntrico desenvolvido na lógica manicomial tem sido questionado há bastante tempo, colocando em pauta reflexões acerca da institucionalização/desinstitucionalização. O objeto em questão no estudo é a internação psiquiátrica, tive como foco identificar práticas de tratamento na lógica manicomial que são desenvolvidas em hospital psiquiátrico. No Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, afirma-se a necessidade de que haja a transformação das práticas de intervenção que institucionalizam pessoas na lógica do manicômio. O estudo busca contribuir para a ciência através da produção de conhecimento visando a transformação de práticas manicomiais de intervenção que ainda hoje estão presentes no hospital psiquiátrico. Para a sociedade, o estudo busca contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, objetivando políticas para que ocorra a desinstitucionalização em nosso país. A pesquisa caracteriza-se como exploratória/qualitativa com delineamento de estudo de caso; utilizei entrevista como instrumento para coleta de dados. Participou da pesquisa uma pessoa do sexo feminino que foi internada várias vezes em hospital psiquiátrico, seu esposo foi o segundo participante da pesquisa. Meu trabalho aponta a permanência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial sendo praticada nos dias de hoje e indica que a cultura do manicômio ultrapassa os muros do hospital psiquiátrico, estando à institucionalização presente em nossa vida cotidiana na sociedade.

Palavras-chave: Internação psiquiátrica. Lógica manicomial. História de vida. Políticas públicas em saúde mental.

ABSTRACT
MORAIS, Geofilho Ferreira. The permanence of mental health treatment in a psychiatric hospital in asylum logic: account of an experience. 108f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2010.

The permanence of mental health treatment in hospital-centered model developed in asylum logic has been questioned for a long time, putting in hand reflections on the institutionalization / deinstitutionalization The object in question in the study is the psychiatric hospital, had focused on identifying treatment practices in asylum logic that are developed in a psychiatric hospital. In Brazil, the approval of Law No. 10216 of April 6, 2001, represented a major advance in public policy on mental health in Brazil, and from this legal provision, states the need that there is a transformation of practices intervention logic of institutionalized people in mental hospitals. The study seeks to contribute to science through the production of knowledge aimed at transforming asylums intervention practices that are still present in the psychiatric hospital. For society, the study seeks to contribute to the affirmation of the dignity and the exercise of citizenship for people who are in psychological distress, objective policies for institutionalization to occur in our country. The research is characterized as exploratory / qualitative case study design, interview used as an instrument for data collection. Participated in the survey a female person who was hospitalized several times in a psychiatric hospital, her husband was the second research participant. My work points out the permanence of treatment for mental health in asylum logic being practiced today and indicates that the asylum culture beyond the walls of the psychiatric hospital, with the institutionalization present in our everyday life in society.

Keywords:  Psychiatric hospitalization. Mental institutions. Life history. Public policies on mental health
 

1. Introdução

O trabalho de conclusão de curso que realizei na área da saúde mental teve como foco de estudo, práticas que foram ou são desenvolvidas na perspectiva do modelo de intervenção na lógica manicomial em hospital psiquiátrico. A motivação para a escolha da problemática a ser pesquisada me acompanha desde o início do curso de psicologia, tendo mais ênfase na 8ª fase do curso, a partir de reflexões nas disciplinas: Saúde Mental Coletiva e Estágio em Saúde Mental Coletiva; e principalmente, por realizar estágio não curricular desde outubro de 2009 em um hospital psiquiátrico no estado de Santa Catarina.
A pesquisa está vinculada ao Núcleo Orientado da Saúde que faz parte da grade curricular do curso de psicologia da UNISUL. Eu como estagiário, o projeto de pesquisa e a professora orientadora estiveram integrados ao projeto de Mediação Familiar, que está implantado no Fórum de São José e atende situações que envolvem conflitos familiares e demandas da Vara de Família (separação judicial, divórcio, dissolução de união estável, guarda, alimentos, visitas). Devido ao estágio oferecido no projeto está integrado ao Núcleo Orientado da Saúde, permite discussões acerca da relação Psicologia e Saúde, e diante do meu interesse e pela relevância da pesquisa a ser desenvolvida, os orientadores do mesmo compreenderam ser pertinente e possível o projeto ser desenvolvido integrado ao projeto de Mediação Familiar.
De acordo com as normas técnicas de trabalhos científicos desenvolvidos na UNISUL, o trabalho de pesquisa foi dividido em cinco partes, a primeira parte é a introdução, composta pela problemática, justificativa e objetivos, onde apresento o contexto da temática para se assinalar o recorte do fenômeno da pergunta que nortearam os objetivos do projeto de pesquisa; autores como Franco Basaglia, Franco Rotelli, Michel Foucault, Erving Goffman, Walter Oliveira, entre outros, contribuíram nas reflexões apresentadas nas discussões iniciais, bem como na fundamentação teórica. A segunda parte compõe-se da fundamentação teórica, que foi dividida em unidades e subunidades. E na terceira parte do projeto de pesquisa apresento o método, descreve os procedimentos que foram empregados no desenvolvimento do projeto. Na quarta parte, apresento a análise e discussões dos dados, que analisei a partir do referencial teórico que fundamentaram o projeto de pesquisa. Na quinta e última parte do meu trabalho de conclusão de curso, apresento as considerações finais, assinalo as conclusões que pude fazer a partir do estudo realizado.

1.1. Tema
A permanência do tratamento em saúde mental no hospital psiquiátrico na lógica manicomial: relato de uma experiência.


1.2. Problemática

O modelo de assistência hospitalar psiquiátrica desenvolvido na lógica manicomial para o tratamento de pessoas que estejam em sofrimento psíquico tem sido questionado há bastante tempo, não só no Brasil, mas no mundo. Basaglia (1978) com a proposta de implantação da Lei 180 na Itália e a publicação do seu livro: A instituição negada (1985); Michel Foucault com sua obra: A história da loucura (1978); Erving Goffman com o seu livro: Manicômios, prisões e conventos (1961), em que relata suas observações sobre a vida de pessoas que estiveram internadas em instituições, são exemplos de relatos e críticas que na contemporaneidade, faz pensar sobre a institucionalização/desinstitucionalização, sobre pessoas em sofrimento psíquico que viveram esse processo de internação psiquiátrica na lógica manicomial e como estas enfrentaram essa situação.
A desinstitucionalização propõe uma mudança de paradigma na assistência em saúde mental, tendo como ação a criação de serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico como: os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas (SRTs), as emergências psiquiátricas, leitos em hospitais gerais, bem como a criação de leis, portarias, programas do governo que regulamentem esses serviços.
Sobre a crítica a internação psiquiátrica desenvolvida na lógica manicomial, uma das pessoas mais conhecidas no Brasil na luta antimanicomial foi o paranaense Austregésilo Carrano, considerado um marco no movimento antimanicomial em nosso país. Em 2001, Carrano publicou o livro autobiográfico: “Canto dos malditos”, onde relata a experiência que teve nos hospitais psiquiátricos e denuncia o tratamento desumano realizado na lógica manicomial praticada nessas instituições. No seu livro, Carrano enfatiza principalmente, os três anos e meio em que ficou internado em hospitais psiquiátricos no estado do Paraná, sendo submetido a 21 eletrochoques e a usar medicamentos com fortes efeitos colaterais, que, como Carrano citou, o deixaram em uma "prisão química", deixando-o revoltado por ter perdido anos de sua juventude (CARRANO, 2003).
O livro de Carrano recebeu 43 prêmios nacionais e oito internacionais, sendo censurado em 2001 e retirado de circulação em 2003, mas uma nova decisão da justiça permitiu a sua reedição em 2005 (PRADO, 2008); foi a primeira vez que uma obra literária foi cassada desde a ditadura (CARRANO, 2003).
Carrano Bueno morreu em 27 de maio de 2008, aos 51 anos de idade, em São Paulo, por uma infecção provocada por um câncer no fígado (PRADO, 2008).
O filme “Bicho de sete cabeças” lançado em 2001 foi inspirado no livro de Carrano; retrata como funcionavam os hospitais psiquiátricos naquela década e o sofrimento de quem estivesse em instituições com características manicomiais (PRADO, 2008).
A experiência relatada por Carrano me fez refletir e questionar sobre os serviços de assistência em saúde mental no Brasil, pensar sobre o estigma que as pessoas em nossa sociedade têm em relação aqueles que estão em sofrimento psíquico ou simplesmente se comporta de modo contrário ao comportamento tido como normal que é estabelecido pela sociedade.
Em entrevista concedida em 2003, a Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), Carrano falou sobre as internações psiquiátricas que viveu:

No meu caso, foram três anos e cinco meses de entra-e-sai em chiqueiros psiquiátricos. […] Nós, usuários e não-usuários que fomos violentados dentro dessas casas de extermínio, exigimos os mesmos direitos constitucionais que receberam os presos políticos na época da ditadura militar. Foram indenizados, e muito bem. […] Costumo citar o meu caso como exemplo de como esta experiência como cobaia psiquiátrica interferiu em minha vida.
Minha formação profissional foi anulada de forma estúpida por um erro médico-psiquiátrico. Três anos e meio de minha adolescência e de meu preparo profissional prejudicados. As seqüelas físicas e emocionais que abalam toda uma formação de comportamento, temperamento e efeitos em ações tomadas. Os preconceitos sociais enfrentados dia a dia, quando tomam conhecimento de seu histórico psiquiátrico, o que muitas vezes gera medo nas pessoas. Tudo somado leva ao preconceito agressivo, tanto físico como moral. Existem, assim, grandes chances de esses sobreviventes psiquiátricos serem levados ao isolamento social, ou seja, a uma destruição total do seu processo de reinserção, caso não tenha ajuda profissional como a que nós damos na Rede de Trabalhos Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos Brasileiros. […] Isto é fazer justiça social, ao contrário das esmolas sociais (CARRANO, 2003, s/p).

Consolidando a luta do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, com a bandeira levantada por Carrano contra o modelo de tratamento em saúde mental na lógica manicomial, considero que essa lógica de tratamento teve importante influência na cronificação do sofrimento psíquico de pessoas; no Brasil, a aprovação da lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental e que redireciona o modelo assistencial em saúde mental em nosso país, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental no Brasil e, a partir desse dispositivo legal, confirmou-se a necessidade de que se haja a transformação de práticas de modalidades de intervenção que são disponibilizadas as pessoas que estão passando por algum sofrimento psíquico.
A partir da lei da reforma psiquiátrica brasileira, na lógica da desospitalização, ocorreu a redução de leitos em hospitais psiquiátricos, em 2001 havia 52.962 leitos, no ano de 2009 esses leitos foram reduzidos para 35.426 (BRASIL, 2001). Apesar de ter havido uma redução no número de internações psiquiátricas em nosso país, na maior parte dos estados, o principal recurso de atenção a crise a pessoas que estão em sofrimento psíquico ainda é a internação psiquiátrica, que ocorre em hospitais especializados, como aponta a pesquisa de Brito (2004) realizada no Rio de Janeiro. Essa realidade também ocorre no estado de Santa Catarina, neste estado há 738 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) para internação psiquiátrica, sendo a maioria desses leitos disponibilizados em hospitais psiquiátricos especializados distribuídos em quatro estabelecimentos de saúde (BRASIL, 2009a). Três desses hospitais psiquiátricos estão localizados na Região da Grande Florianópolis e um destes na cidade de Criciúma (SANTA CATARINA, 2010).
No contexto apresentado, questiono a existência do tratamento em saúde mental na lógica manicomial, defendo meios menos invasivos de intervenção, que não seja a internação em hospitais psiquiátricos, que pelos dados apresentados acima e com base em outras pesquisas que serão apresentadas no desenvolvimento do meu estudo, esses procedimentos garantidos pela Lei não ocorrem em Santa Catarina (SC) e parece ser essa a realidade nos demais estados do Brasil.
Corroboro com Delgado (1997 apud MACHADO; COLVERO, 2003, p. 676), quando afirmam que a implantação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais "não serão a salvação da reforma psiquiátrica", mas a inclusão dessas unidades em hospitais gerais podem contribuir para a dignidade à atenção em pessoas que estejam em sofrimento psíquico, podendo favorecer à relação de aceitação, solidariedade e compreensão que as demais pessoas da sociedade não têm para com a pessoa que está vivendo essa situação; pois o ser humano só aprende a lidar com a diferença quando este convive com esta.
Parafraseando Carrano:

 “Não sou contra a psiquiatria, a saúde mental”. Sou contra o modelo de intervenção de atenção a crise a pessoas que estiveram ou estão em sofrimento psíquico, contra práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial na internação psiquiátrica em hospitais especializados, “que vem se aplicando no Brasil, que é você confinar pessoas em hospitais psiquiátricos” (CARRANO, 2003, s/p).

O que questiono neste trabalho de conclusão de curso como pesquisador em relação a internação psiquiátrica são as práticas de tratamento por quais as pessoas que viveram ou estão vivendo essa situação foram submetidas; ao ambiente onde estas práticas são desenvolvidas, sendo este ambiente um hospital psiquiátrico especializado. Na minha pesquisa esse tipo de aparato à assistência de atenção a crise a pessoas em sofrimento psíquico caracterizado nessa perspectiva não é compreendida como sendo modelo de intervenção que respeite os direitos dos usuários.
Concordo com a crítica de Oliveira et al. (2009), de que é historicamente o manicômio o local de escolha para tratar pessoas que estejam vivendo algum sofrimento psíquico; as atitudes estigmatizantes das pessoas em relação a pessoa que é vista nesta situação também constituem essa lógica de tratamento.
Laube e Pinto (2008) confirmam a minha posição de que o tratamento realizado no serviço substitutivo é eficaz, estas autoras analisaram prontuários de 42 usuários do CAPS III em Cascavel Paraná, no último ano apenas 4 destes tiveram de ser submetidos a novas internações. Esses dados indicam que Acompanhamento, tratamento e a intervenção psicossocial são eficientes no seu contexto e mostram a ineficácia do tratamento no manicômio.
Será se o serviço de saúde mental na modalidade internação psiquiátrica, realizada num hospital especializado, o período que a pessoa viveu nesta internação, teve como proposta e prática contribuir à preservação da dignidade, a reintegração psicossocial de sua subjetividade e de seus direitos? Será que a intervenção terapêutica realizada na internação psiquiátrica, da qual a pessoa esteve sob atenção abordaram o objeto: a “existência – sofrimento” (ROTELLI, 1990, p. 89) dessa pessoa e a relação destas com o seu corpo?
Embora com avanços conquistados, principalmente em 2001, a partir da sanção da Lei 10.216, a saúde mental brasileira ainda continua carente de transformações. Diante desse contexto, realizei a seguinte pergunta de pesquisa:
Que práticas de intervenção de atenção a crise podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial em hospital psiquiátrico a partir do relato de uma pessoa que tenha vivido a situação de internação psiquiátrica?

1.3. Justificativa
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde 2001 (ONU), 450 milhões de pessoas com transtorno mental ainda estão sem acesso aos serviços especializados, principalmente, nos países em desenvolvimento. As verbas orçamentárias para a saúde mental, na maioria dos países, representam menos de 1% dos gastos totais em saúde; 40% dos países não investem em políticas de saúde mental (BRASIL, 2002d).
A saúde mental possui dimensão ampla, que se constitui por diversos fenômenos complexos que estão em constantes transformações. Cada vez mais, os fenômenos relacionados a saúde mental variam gerando novas discussões, novos conceitos ou desconstrução de conceitos, tornando-se um campo fértil e necessário à realização de novas pesquisas. Saúde mental é um tema que envolve vários fatores, tais como sociais, financeiros, políticos, conceituais que interferem diretamente neste processo, estando e sendo influenciado sob esses fatores o sofrimento psíquico que acomete as pessoas. As discussões que giram em torno da loucura; da pessoa em sofrimento psíquico, das práticas de tratamento disponibilizadas a essas pessoas; das políticas de saúde pública, que devem ser planejadas para inserir-se neste contexto indicam a relevância de pesquisas nesse campo.
Há na literatura diversos trabalhos que foram realizados em hospitais psiquiátricos ou relacionados a estas, são pesquisas realizadas com pessoas moradoras dessas instituições ou com profissionais que trabalham nas mesmas. Trabalhos como de Barreto, Büchele e Coelho (2008); Andrade e Lavrador (2007); Brito (2004); Pacheco et al (2003); Costa (2002); Spricigo (2001); Reverbel (1996); Rotelli et al. (1990); Basaglia (1985); Goffman (1961). Os trabalhos realizados apresentam críticas às práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial e estão constituindo a fundamentação teórica do meu trabalho.
A principal relevância social do estudo é contribuir para a afirmação da dignidade e do exercício de cidadania das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, para que de fato aconteça a desinstitucionalização, pois defendo a transformação de práticas de intervenção que são desenvolvidas na lógica manicomial que estão enraizadas nos serviços de saúde, nas atitudes dos profissionais que atuam na saúde mental e áreas afins. Também essa lógica manicomial está presente no modo de elaboração e aplicação de políticas públicas em saúde mental que são desenvolvidas em nosso país.
No âmbito da saúde mental, no estudo pretendi contribuir para a produção do conhecimento científico em psicologia, para que a produção de verdades acerca do sofrimento psíquico de pessoas seja referenciada a partir da compreensão das mesmas.
No meu trabalho, busquei contribuir principalmente às práticas de intervenção de atenção a crise, para que quando pessoas optarem ou necessitar de uma internação psiquiátrica, que esta não ocorra em instituições onde prevaleça práticas de intervenção na lógica manicomial, pois pela bibliografia presente no meu trabalho e pelo estudo que realizei, essas práticas podem possibilitar de modo significativo a cristalização do sofrimento psíquico.

1.4. Objetivos
1.4.1. Objetivo geral

Compreender práticas de intervenção de atenção a crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial, na modalidade de internação psiquiátrica.

1.4.2. Objetivos específicos
a) Caracterizar práticas de intervenção de atenção a crise que podem ter sido desenvolvidas na lógica manicomial em hospital psiquiátrico, a partir do relato de uma pessoa que tenha vivido essa situação;
b) Descrever a partir do relato do entrevistado como ocorreu sua internação psiquiátrica;
c) Descrever a percepção da pessoa sobre sua vida antes e depois dela ter vivido a situação de internação psiquiátrica;
d) Verificar se a pessoa que viveu a situação de internação psiquiátrica teve esclarecimento sobre os seus direitos enquanto usuária do serviço de saúde mental.

2. Fundamentação Teórica
Foi numa época relativamente recente que o Ocidente concedeu à loucura um status de doença mental.” (FOUCAULT, 1975, p. 74).

2.1. A constituição histórica da doença mental e o surgimento da Psiquiatria
Diversos autores escreveram ou realizaram pesquisas sobre a institucionalização de pessoas em sofrimento psíquico, os denominados loucos; um dos principais autores que se tornou referência para essa reflexão é Michel Foucault. Foucault escreveu obras e textos sobre ou relacionadas ao assunto como: a história da loucura (1978); a constituição histórica da doença mental, conxtido no livro: doença mental e psicologia (1975); o Nascimento da Clínica (2001); O poder psiquiátrico (1997). No primeiro capítulo da fundamentação teórica utilizei como texto base o texto de Foucault: “a constituição histórica da doença mental”, nesse texto Foucault atribui à loucura como fundadora da psicologia. Como complemento a este capítulo, utilizei escritos de Lancetti e Paulo Amarante e Rui Carlos Stockinger, ao escreverem sobre a história da loucura ou da compreensão sobre o louco estes autores fundamentam suas reflexões nos trabalhos desenvolvidos por Foucault.
Para o entendimento do leitor e contextualização do mesmo sobre a problemática que apresento neste trabalho, senti ser necessário para entender a dimensão da institucionalização/desinstitucionalização escrever sobre os movimentos sociais que reivindicaram a reforma psiquiátrica; a construção dos serviços substitutivos e para que se entenda o tratamento na lógica manicomial ainda praticada com as pessoas em sofrimento psíquico pelos recursos humanos dos serviços de saúde, entendi ser necessário que o leitor tenha o conhecimento acerca da constituição histórica da doença mental, articulada com a história do surgimento da psiquiatria.
Utilizo o termo “lógica manicomial” no trabalho a partir da compreensão de Oliveira et al. (2009, p. 34), de que é “o manicômio, historicamente, o local de escolha para o tratamento psiquiátrico e por ali ter se desenvolvido a prática clínica que fundamenta o conhecimento psiquiátrico sobre a doença mental”. Neste contexto, a pessoa em sofrimento psíquico é excluída e vista como objeto (OLIVEIRA, 2009).
Além da lógica manicomial estar relacionada ao confinamento de pessoas em manicômios, as atitudes estigmatizantes de profissionais e das pessoas da comunidade se relacionar com o usuário dos serviços públicos e privados de saúde mental, também estabelecem elementos institucionais e subjetivos que constituem a perspectiva do modelo do tratamento no manicômio (OLIVEIRA et al., 2009).

De acordo com Stockinger (2007), a loucura na Grécia Antiga era considerada uma manifestação divina, a pessoa em sofrimento psíquico era entendida pela sua excentricidade supersticiosa, ela era considerada dotada de determinada sabedoria profética e transformadora. Neste período não havia ainda a segregação do louco. O método de tratamento empregado a essas pessoas era pelo sono e incubação nos templos esculapianos, imaginava-se que quando elas sonhavam com o deus dos mortais (Esculápio), da saúde e da medicina e com outros deuses, os sintomas que elas apresentavam poderiam desaparecer.
Na idade média a pessoa que estivesse em sofrimento psíquico, “o louco”, era considerado um “possuído”, eram ignorados e aprisionados pelos significados atribuídos pela religião, como mágicos, perversões sobrenaturais. Essas pessoas definidas como possuídas eram “doentes mentais”; mas como disse Foucault (1975, p. 74), isso foi um erro de raciocínio: “deduz-se que se os possuídos eram na verdade loucos, os loucos eram tratados realmente como possuídos. De fato, o complexo problema da possessão não revela diretamente de uma história da loucura, mas de uma história das idéias religiosas”.
No século XV, o manual: Martelo das feiticeiras (aprovado pela Universidade de Colônia) descrevia que os loucos, além daquelas pessoas excluídas da sociedade, que não houvesse encontrado razão observável orgânica para seus sintomas, eram considerados tomados por feitiços e demônios. Eles eram julgados por ambição, luxúria, infidelidade e por suas tendências sensuais (STOCKINGER, 2007).
No século XVI ao XVII, a medicina interferiu por duas vezes no problema da possessão, a primeira vez através de J. Weyer a Duncan (de 1560-1640), a pedido dos Parlamentos, dos governos, da igreja católica, contra certas ordens monásticas de práticas da Inquisição. Os médicos tiveram de mostrar que todos os pactos e ritos diabólicos podiam ser explicados pelos poderes de uma imaginação desregrada (FOUCAULT, 1975).
De 1680 a 1740, ocorre a explosão de misticismo protestante e jansenista, desencadeada pelas perseguições do final do reinado de Luis XIV, a medicina é solicitada a interferir pela segunda vez no problema da possessão a pedido da Igreja católica e do governo. Os médicos tiveram de mostrar que todos os fenômenos do “êxtase, da inspiração, do profetismo, da possessão pelo Espírito-Santo” eram causados pelos heréticos, tidos como demonizados ou feiticeiros (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Os loucos eram exorcizados em rituais demoníacos, na Santa Inquisição da Igreja Católica, várias dessas pessoas, além dos judeus ou quaisquer outras pessoas consideradas como ameaça a instituição católica, eram martirizadas em tribunais religiosos, quase sempre queimadas nas fogueiras (STOCKINGER, 2007).
A doença mental “não é resultante de um esforço essencial para o desenvolvimento da medicina; é a própria experiência religiosa que, para se apoiar, apelou, e de modo secundário, para a confirmação e a crítica médicas.” (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Mais tarde, a contraposição da medicina aos fenômenos considerados pela religião, a crítica foi feita a Igreja Católica “para mostrar ao mesmo tempo, e de modo paradoxal, que a religião depende dos poderes fantásticos da neurose, e que aqueles que a religião condenou eram vítimas”, ao mesmo tempo de sua “religião e de sua neurose” (FOUCAULT, 1975, p. 75). Neste período a definição da doença mental no modelo positivista já tinha sido alcançada (FOUCAULT, 1975, p. 75).
Desde a medicina grega, uma parte da loucura já era dominada pelas noções de patologia e as práticas que a ela se relacionavam. Na idade média, os hospitais alojavam, na sua maior parte, como o Hôtel-Dieu de Paris, leitos fechados reservados para os loucos (FOUCAULT, 1975).
Durante o Renascimento (século XV) na Europa (Espanha e depois na Itália) surgem as primeiras instituições destinadas aos loucos, estes são submetidos a tratamentos inspirados na medicina árabe. Neste período de acordo com Foucault (1975, p. 77), até o ano de 1650, a cultura ocidental não repugnou esses tipos de manifestação: a “loucura é no essencial experimentada em estado livre, ou seja, ela circula, faz, parte do cenário e da linguagem comuns, é para cada um uma experiência cotidiana que se procura mais exaltar do que dominar”.
Em meados do século XVII, o mundo da loucura torna-se o mundo da exclusão, cria-se em toda a Europa instituições para internação não só dos loucos, mas toda uma variedade de pessoas como: os inválidos pobres, as pessoas idosas que estavam na miséria, os mendigos, os desempregados opiniáticos, pessoas com doenças venéreas, libertinos de toda espécie; enfim, seriam internadas todas as pessoas que em relação à “ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de “alteração” (FOUCAULT, 1975, p. 78).
As primeiras casas de internamento surgem na Inglaterra nas regiões de: Worcester, Norwich, Bristol, eram as regiões mais industrializadas deste país. Em 1656 foi fundado em Paris o Hospital Geral, a partir desta data, essas instituições foram destinadas aos pobres de Paris, de todos os sexos, lugares e idades, inválidos, doentes ou convalescentes; pessoas que se apresentavam voluntariamente ou eram encaminhadas pela autoridade real ou judiciária foram recolhidas. Foucault (1997) denominou essas macroinstitituições de: “A Grande Internação” quando se refere a essas instituições asilares. Era preciso cuidar da subsistência dessas pessoas, pela boa conduta e pela ordem geral.
O objetivo da existência desses hospitais não eram cuidar dos loucos e das demais pessoas que foram alojadas nessas instituições, a assistência era para que essas pessoas não fizessem mais parte da sociedade. Nesses hospitais as pessoas foram forçadas a trabalhar, fabricam-se objetos diversos que são lançados a preço baixo no mercado para que o lucro permita ao hospital funcionar; além disso, a função do trabalho forçado também está relacionada a sanções e de controle moral.
Compreendo a partir de Foucault (1997) que neste período as pessoas incapazes de produzir por qualquer motivo, eram confinadas nestas instituições por não poderem acompanhar o mundo moderno, por não poderem participar de modo ativo na reestruturação da economia.
Para Stockinger (2007), no período do Iluminismo, com a ênfase no racionalismo e a predominância do modelo mercantilista, a exclusão por parte da religião aos loucos e demais pessoas refere-se principalmente a fatores econômicos, ocorre à criação de abrigos para essas pessoas que não conseguiam ter um aproveitamento produtivo para movimentar o mercado. A loucura passou a ser entendida como desrazão, desqualificantes morais eram atribuídos a loucura.
Nas palavras de Foucault que apresento na citação a seguir, ele fez uma avaliação de atribuições que são dadas à loucura, como a descoberta a respeito da mesma que ocorriam de forma progressiva, atribuindo-lhe culpa pelo que seja errado, pelo que seja imoral, pela desrazão; esses atributos que cristalizaram na loucura não fazem parte dela em si, mas é sim o acúmulo histórico, que foi sobrepondo ao longo de sua construção.

Não nos espantemos que se tenha desde o século XVIII descoberto uma espécie de filiação entre a loucura e todos os “crimes do amor”, que a loucura tenha-se tornado, a partir do século XIX, a herdeira dos crimes que encontram, nela, ao mesmo tempo sua razão de serem, e de não serem crimes; que a loucura tenha descoberto no século XX, em seu próprio centro, um núcleo primitivo de culpa e de agressão. Tudo isto não é a descoberta progressiva daquilo que é a loucura na sua verdade de natureza; mas somente a sedimentação do que a história do Ocidente fez dela em 300 anos. A loucura é muito histórica do que se acredita geralmente, mas muito mais jovem também (FOUCAULT, 1975, p. 79).

Em meados do século XVIII, o louco faz sua reaparição na vida cotidiana da sociedade. Surgem denúncias ao tratamento utilizado nas casas de recolhimentos, repugnação popular a essas instituições, e “crítica econômica das fundações e da forma tradicional da assistência”. O internamento dos loucos torna-se medida de caráter médico, Pinel na França, Tuke na Inglaterra e na Alemanha, Wagnitz e Riel ligaram seus nomes a esta reforma (FOUCAULT, 1975).
Para Foucault (1975, p. 80): “Pinel, Tuke, seus contemporâneos e sucessores não romperam com as antigas práticas do internamento; pelo contrário, eles as estreitaram em torno do louco”.
Pinel, considerado o pai da psiquiatria, em Bicêtre, “libertou os acorrentados”, ele rompeu com essas ligações materiais que reprimiam fisicamente aos loucos. Mas reconstituiu em torno deles um tratamento moral, transformando o manicômio num tribunal assistido por todo o tempo. O louco tinha que ser vigiado nos seus gestos, ridicularizado nos seus erros; o médico exercia um controle ético sobre o louco invés de realizar uma intervenção terapêutica (FOUCAULT, 1975, p. 81).
Foucault (1975) em sua obra, descreve as práticas de tratamento dado ao louco, a pessoa em sofrimento psíquico era submetida à ducha ou ao banho para refrescar seus espíritos ou suas fibras; era injetado sangue fresco para renovar sua circulação perturbada; tentava-se provar nela impressões vivas para modificar o curso da sua imaginação.
Leuret submeteu seus “doentes” a uma ducha gelada na cabeça, realizando um diálogo durante o qual os forçavam confessar que suas crenças são apenas delírio. Também neste período foi inventada uma máquina rotatória onde se colocava o “doente” a fim de que o curso de seus espíritos demasiado fixo numa idéia delirante fosse recolocado em movimento e reencontrasse seus circuitos naturais. No século XIX essa invenção é aperfeiçoada para um caráter estritamente punitivo, a cada manifestação delirante do doente fazia-se girá-lo até desmaiar; se este não havia se arrependido, era empregado uma gaiola móvel que gira sobre si mesma segundo um eixo horizontal e cujo movimento é tanto mais vivo quanto esteja mais agitado ao louco que estava preso (FOUCAULT, 1975).
Pinel e seus sucessores entenderam esses métodos não mais como terapia fisiológica, mais sim com um caráter puramente repressivo e moral, passaram a aplicar esse recurso quando o louco cometia o que eles elegiam como sendo um erro (FOUCAULT, 1975).
Ora, é a partir deste momento que a loucura deixou de ser considerada um fenômeno global relativo, ao mesmo tempo, por intermédio da imaginação e do delírio, ao corpo e à alma. […]. Não nos surpreendamos, conseqüentemente, se toda a psicopatologia — a que começa com Esquirol, mas a nossa também, for comandada por estes três temas que definem sua problemática: relações da liberdade com o automatismo; fenômenos de regressão e estrutura infantil das condutas; agressão e culpa. O que se descobre na qualidade de “psicologia” da loucura é apenas o resultado das operações com as quais se a investiu. Toda esta psicologia não existiria sem o sadismo moralizador no qual a “filantropia” do século XIX enclausurou-a, sob os modos hipócritas de uma “liberação.” (FOUCAULT, 1975, p. 82-83).

A loucura para Foucault (1975, p. 83) foi fundadora da psicologia e de toda a sua possibilidade de trabalho: a origem histórica da psicologia “objetiva”, “positiva” ou “científica” fundamenta-se numa experiência patológica.
Foucault (1975, p. 84) complementa dizendo que: “Nunca a psicologia poderá dizer a verdade sobre a loucura, já que é esta que detém a verdade da psicologia”. Nesta citação, entendo que Foucault quer dizer que, não foi a psicologia que produziu a verdade sobre a loucura, a psicologia só se apropriou dessa verdade já produzida sobre a loucura para se constituir como ciência.
Para Stockinger (2007) Foi a partir de Philippe Pinel que a loucura passou a ter o status médico de doença, surgindo a psiquiatria. A partir do método de Pinel de identificar as patologias, observá-las, descrevê-las minuciosamente, classificá-las e separá-las, surge a produção e construção do saber e da prática clínica (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
A psiquiatria nasce como produto das relações hospitalares e não o contrário. Surge como uma especialidade para tratar dos asilados, os miseráveis, pessoas tidas como libertinas, hereges, bêbados e sifilíticos confinados nos hospitais europeus daquela época (STOCKINGER, 2007).
Pinel criou a primeira modalidade de organização da psiquiatria: o alienismo ou alienação mental, ele começou a retirar do hospital todos os que não eram considerados enfermos e a dar-lhes outros destinos; para ele somente as pessoas doentes deveriam ficar no hospital, passando a separar as pessoas de acordo com os tipos de enfermidade (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
A “alienação mental” foi o primeiro conceito utilizado na medicina para nomear o que então era denominado de loucura. O livro: Tratado Médico-Filosófico da Alienação Mental ou Mania, escrito por Pinel, é um marco na fundação do saber psiquiátrico, esse tratado se tornou fonte obrigatória de consultas e estudos dos psiquiatras por um longo período de tempo. O termo alienação provem do latim alienatio, que significa: separação, ruptura, delírio, estar fora de si, fora da realidade; alienígena, (estrangeiros, que pode remeter a idéia de alguém que vem de fora, de outro mundo, de outra natureza) (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 617).
Nomear alguém de alienado nessa época, conforme os autores acima significaria que esta pessoa estava incapaz de participar da sociedade. Na Idade da Razão, as pessoas que eram identificadas como alienadas eram excluídas do convívio com a comunidade. Para Pinel, “a alienação mental seria fruto, não de uma perda total da Razão, mas de um distúrbio na Razão, O que é paradoxal, pois a Razão é um conceito absoluto. Uma pequena alteração na Razão implica que não existe Razão verdadeira” (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 618).
Uma das necessidades de internação de pessoas que estivessem em sofrimento psíquico decorre da probabilidade de que o louco seja perigoso, representando risco para si próprio e para a sociedade. Pinel aconselhava que todos os alienados fossem isolados de suas famílias e de todo o convívio social, estes deveriam estar confinados em uma instituição onde não existissem interferências indesejáveis a observação e ao conhecimento científico.
Compreendo que Pinel acreditava que a subjetividade humana poderia ser observada de maneira neutra como se observa um objeto ou animal em laboratório, para ele a internação de uma pessoa em uma instituição bem-estruturada poderia contribuir para a reorganização da própria pessoa, a própria instituição por si mesma tornar-se-ia a esta pessoa uma espécie de tratamento vigiado e punitivo. Pinel com seu tratamento moral, que consistia em regras, princípios rotinas, etc. – tinha como “objetivo reorganizar o mundo interno dos sujeitos institucionalizados” (LANCETTI; AMARANTE, 2006, p. 619).
O sucessor de Pinel, o alienista Jean Etienne Esquirol (1772-1840), contribuiu para a permanência da prática pineliana, prevalecendo em seu pensamento a crença de que o tratamento aos alienados deveria ter como local exclusivo o manicômio.  O isolamento de pessoas em manicômios se consolida não só com o objetivo de experimentar um modelo de tratamento, mas o isolamento dos alienados surge como condição médica necessária (STOCKINGER, 2007).
Jean Antenon, pesquisador das doenças infecto-contagiosas, reforçou essa prática de tratamento que era realizada as pessoas em sofrimento psíquico, dizendo que: “era necessário isolar para melhor tratar” (STOCKINGER, 2007, p. 25).
As instituições na perspectiva de intervenção na lógica manicomial tratam a pessoa em sofrimento psíquico, desvinculando-a de todo o seu contexto social, o objetivo destas no tempo de Pinel era apreender de forma “pura”, “a doença e suas implicações e não o doente o objeto a ser classificado” (STOCKINGER, 2007, p. 25).
Sobre o funcionamento dos hospitais psiquiátricos, Lancetti e Amarante (2006, p. 219), afirmam que estes “são calcados em práticas de tutela, disciplina, vigilância e controle”. Ainda hoje se pode observar e tem notícias desse tipo de tratamento sendo aplicado em diversos hospitais psiquiátricos do Brasil e do mundo.
Os hospitais não nasceram como instituição à prática de atuação da medicina, estes eram instituições de hospedagem para alojar pessoas. Surgiram como instituições religiosas, filantrópicas, para cuidar dos necessitados, dos mendigos, dos miseráveis. As pessoas que eram alojadas nos hospitais eram pessoas paupérrimas com poucas condições econômico-sociais com variados tipos de doenças (LANCETTI; AMARANTE, 2006).
Institucionalização e desinstitucionalização
A proposta de ter desenvolvido este capítulo foi para que o leitor tivesse noção sobre compreensões acerca do processo de institucionalização de pessoas no tratamento na lógica manicomial, e apresentar a desinstitucionalização que tem como proposta o desmonte desse processo, a partir da crítica de Rotelli e Mauri (1990). O estudo de Brito (2004); Costa (2002); Reverbel (1996); Basaglia (1985) e Goffman (1961). Estes autores nos apresentam reflexões sobre as práticas que institucionalizam e violam o direito das pessoas que estejam em sofrimento psíquico.
No meu trabalho, a compreensão sobre a institucionalização e a desinstitucionalização é fundamentada com base no pensamento de Basaglia (1985); Rotelli e Mauri (1990), também apresentarei compreensão de outros autores sobre a temática, como Oliveira et al. (2009); Foucault (1975); Goffman (1961) e Amarante (2003).
Os termos que utilizei na fundamentação teórica deste trabalho indicam qual perspectiva teórica estou considerando para a construção e conclusão da pesquisa, e serão apresentados no desenvolvimento da mesma.
Dividi o capítulo em duas partes, a primeira centra-se nas práticas institucionalizantes que perpetuam a lógica manicomial, e apresento estudos sobre as instituições, em especial, a instituição psiquiátrica que tem como estrutura arquitetônica o hospital psiquiátrico. Na segunda parte do capítulo: desinstitucionalização escrevo sobre este processo na perspectiva apresentada por Rotelli e Mauri (1990).

2.1.1. Institucionalização
Em pesquisa desenvolvida por Brito (2004) “Internação Psiquiátrica Involuntária e a Lei 10.216: Reflexões acerca da garantia de proteção aos direitos da pessoa com transtorno mental”, a autora teve como objetivo estudar o “aspecto da proteção e dos direitos das pessoas com transtorno mental internadas involuntariamente de acordo com o que determina a Lei 10.216 de 6 de abril de 2001”. Através de um estudo de campo, Brito buscou verificar se a aprovação da lei e a participação do Ministério Público na fiscalização das internações involuntárias promoveram mudanças às pessoas com transtorno mental e na prática da emergência psiquiátrica hospitalar.
A autora realizou a pesquisa na emergência de uma instituição psiquiátrica integrada ao Sistema Único de Saúde, no município do Rio de Janeiro. Para a fundamentação teórica da pesquisa, Brito estudou as principais leis brasileiras referentes à saúde mental e utilizou como instrumento de coleta de dados entrevista semi-estruturada, diário de campo e a observação participante.
Participaram da pesquisa: sete médicos psiquiatras do setor de emergência do hospital, sendo: um médico psiquiatra perito do Ministério Público e dois promotores da Promotoria de Cidadania do Ministério Público do Rio de Janeiro. A pesquisadora verificou a atuação do ministério público estadual do Rio de Janeiro no controle e acompanhamento da internação psiquiátrica involuntária (IPI) em relação à organização do cumprimento dos termos estabelecidos pela legislação.
O relatório final da pesquisa De Brito, principalmente o relato das observações realizadas no campo onde ocorre a prática psiquiátrica, está centrado na internação psiquiátrica involuntária, como os profissionais atuam na realização deste procedimento, como a pessoa em crise e seus acompanhantes vêem a internação, em que circunstâncias os médicos optam por realizá-la.
De acordo com os resultados do estudo de campo realizado por Brito (2004), ela concluiu que, no Rio de Janeiro, a internação psiquiátrica ainda continua sendo o principal recurso de tratamento, identificando que a comunicação ao Ministério Público da lei 10.216/01 ainda não garantiu a proteção dos direitos das pessoas que estejam em sofrimento psíquico, não mudou a prática exercida pela psiquiatria, não promovendo uma redução da hospitalização.
Assim como no Rio de Janeiro, a internação psiquiátrica em Santa Catarina vem se constituindo como o principal recurso de tratamento, permanecendo a prática de intervenção de atenção a crise na lógica manicomial. O estudo de Brito afirma a necessidade de que se haja a transformação das práticas que estão sendo desenvolvidas nesta modalidade de serviço em saúde mental.
A Portaria nº 251/GM, de 31 de janeiro de 2002, define “como hospital psiquiátrico aquele cuja maioria de leitos se destine ao tratamento especializado de clientela psiquiátrica em regime de internação.” (BRASIL, 2002b). Considero o termo hospital psiquiátrico no meu trabalho de conclusão de curso de acordo com esta Portaria.
Costa (2002) em sua dissertação de mestrado: “Problematizando para humanizar: uma proposta de transformação do cuidado em uma enfermaria psiquiátrica” realizou um estudo analítico descritivo de uma prática assistencial a partir da abordagem sócio humanística de Paulo Freire. A autora procurou desenvolver com a equipe de enfermagem, processos educativos – reflexivos em relação ao cuidado prestado, buscando alcançar a humanização da assistência psiquiátrica, explorando a condição de trabalho e a educação.
Costa definiu como objetivo geral de trabalho: Desenvolver com a equipe de enfermagem de uma enfermaria de portadores de transtornos psíquicos crônicos, um processo reflexivo acerca do cuidado na perspectiva de alcançar a humanização da assistência, explorando a condição de trabalho e a educação, a partir dos referenciais teóricos metodológicos da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.
Como objetivos específicos, Costa estabeleceu:

a) desenvolver com um grupo de trabalhadores de enfermagem uma reflexão coletiva em  oficinas, sobre aspectos relativos ao cuidado e a organização do trabalho a partir da  metodologia problematizadora;
b) instrumentalizar a equipe de enfermagem da unidade onde se desenvolveu o estudo com conceitos e pressupostos da Reforma Psiquiátrica e a nova forma de cuidado de enfermagem voltado para a condição humana e cidadã;
c) contribuir para a reflexão crítica dos trabalhadores de enfermagem sobre o seu trabalho;
d) avaliar a proposta da prática assistencial a partir do marco referencial e a metodologia  utilizada, com base nos princípios éticos e educativos. (COSTA, 2002, p. 25).

A pesquisa de Costa foi desenvolvida com profissionais de enfermagem de um grande hospital psiquiátrico na Região Sul do país no período de outubro a dezembro de 2001. Como instrumento de coleta de dados, a pesquisadora realizou seis oficinas na qual foram abordados os temas eleitos pelos participantes, para que houvesse a formulação de hipóteses, como contribuição para a humanização do cuidado. Cada oficina teve duração de quatro horas.
Os temas trabalhados em cada oficina foram: 1ª oficina: re-avaliando o início para subsidiar o caminho; 2ª oficina: subsidiando o caminho para as novas mudanças; 3ª oficina: conhecendo o passado, compreendendo o presente e transformar para o futuro; 4ª oficina: buscando caminhos para praticar a humanização; 5ª oficina: conhecer e compreender o sujeito de nosso Cuidado e; 6ª oficina: a valorização do ser humano no processo educativo como possibilidade de transformação.
A pesquisadora analisou os dados a partir do referencial teórico metodológico escolhido, focalizando a educação como possibilidade para a humanização. Ela descreveu que os momentos das oficinas propiciaram uma reflexão para que as ideias e experiências do grupo fossem socializadas, provocando modificações na maneira de pensar e de agir do grupo.
Costa (2002) concluiu que, apesar do progresso nas ações de política pública como as leis, a humanização do SUS não atingiu os setores. Para ela, para que isto aconteça é preciso existir profissionais comprometidos com o ser humano e com a educação, a ausência de um processo educativo permanente gera a alienação, que para a autora é um dos caminhos para a desumanização.
A pesquisa de Costa focalizou o cuidado numa perspectiva histórica, compreendendo e tentando transformá-lo a partir da reflexão de crenças e valores de cada participante. Para ela, ficou evidente nos resultados, o poder institucional, as crenças, valores coletivos e pessoais, mostrando que o saber construído na prática e o saber científico são fatores determinantes no processo de cuidado, sendo a educação, amor e solidariedade, como pré-requisito fundamental do cuidado humanizado (COSTA, 2002).
Compreendo que o trabalho realizado por Costa (2002), contribuiu para o processo de desinstitucionalização, a autora a partir da operacionalização de oficinas buscou desconstruir os conceitos, promovendo a reflexão dos participantes sobre práticas manicomiais no trabalho exercido pela enfermagem às pessoas que permaneciam como moradoras deste hospital.
Apresentando práticas de intervenção desenvolvidas na lógica manicomial que ocorreram na história da saúde mental em Santa Catarina, Costa (2002) assinala que, em 1944 neste estado, no município de Florianópolis foi criado o primeiro ambulatório de saúde mental ligado ao Serviço Nacional de Doenças Mentais. Na primeira metade do século XX, as práticas psiquiátricas se caracterizavam quase que exclusivamente pelo uso de recursos fisioterápicos e por intervenções como a insulinoterapia, eletroconvulsoterapia, e, também, a lobotomia.
Em 1951, surgem os medicamentos neurolépticos utilizados pela psiquiatria, sendo utilizados progressivamente no tratamento do “transtorno mental”.O saber, o controle e poder efetivo da instituição pelos psiquiatras e o uso da medicalização na assist

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