RedePsi - Psicologia

Artigos

Vítima, facilitadora da violência sexual?

Atualmente, vivemos em uma sociedade onde presenciamos um aumento diversificado das condutas transgressoras em todas as áreas da vida social e individual, entre elas a violência sexual. Esse aspecto tem motivado vários estudos nos campos de Ciências Humanas, tais como Sociologia, Direito e, sobretudo, a Psicologia.

A Psicologia Jurídica é uma das especialidades da ciência psicológica. O termo usado como Psicologia Jurídica é uma das denominações para nomear essa área da Psicologia que se relaciona com o sistema de justiça. Dentro da Psicologia Jurídica, seus setores são bem diversificados como, estar aplicando os conhecimentos do comportamento humano nos casos de separação de casais, disputa pela guarda dos filhos, estabelecimento de pensão, dentre outras situações, constantemente ligadas ao Direito Civil, como também pode estar atuando na área de Direito Penal, onde o profissional dessa área sendo requisitado pelo juiz ou pelas partes estará avaliando aspectos da personalidade do criminoso ou do impacto do crime na vítima e elaborando um laudo conclusivo para o auxílio do juiz.

            No Brasil, violências sexuais tais como o estupro e o atentado ao pudor são considerados como crimes, sendo estes atos físicos de atacar outra pessoa e força-lá a praticar sexo sem o seu consentimento.

O presente estudo tem como objetivo mostrar o papel das vitimas de violência sexual dentro do ato criminoso, como também fornecer subsídios para ações preventivas no campo da violência sexual, onde a vitimologia demonstrará ao individuo e à sociedade meios mais seguros de se comportar diante da realidade de que os números desses crimes sexuais estão cada vez maiores. Percebeu-se isso diante da observação na delegacia da mulher na cidade de Goiânia – GO, onde foi visto um índice elevado de queixas registradas por mulheres de diferentes níveis sociais.

Com a finalidade de uma melhor clareza ao conteúdo teórico a introdução do presente trabalho foi dividida em sub-tópicos onde, primeiramente, decorrerá uma relação sobre a agressão e a violência, devido ao alto grau de discussão realizado sobre o assunto. Posteriormente, será abordado o assunto violência sexual e logo em seguida será discorrido sobre deficiência mental, já que se trata de um estudo de caso com uma paciente portadora dessa deficiência. E, enfim, será transcrito algumas referencias sobre a vitimologia.

 
Agressão X Violência

            A agressão e a violência muitas vezes são colocadas como processos comportamentais, porém, não podem ser definidos assim, pois são difíceis de estudar de forma isolada de outras formas de comportamento motivado. A tendência à agressão e à violência pode ser concebida como traços de personalidade, como respostas aprendidas no ambiente, como reflexos estereotipados de determinados tipos de pessoas, como também ser de ordem psicopatológica.

            A agressividade (em latim agredire = marchar em direção a) foi introduzida na língua jornalística do século XVIII mais como uma substituição da palavra maldade do que uma definição, explicando assim, seu vazio relativo ao contrário das palavras agressão e agressor que sempre tiveram um poder ético-jurídico por designar o ato que atinge a integridade de outrem e o suposto responsável pelo prejuízo, ou pela deteriorização das relações que antecedem os combates.(Caneghem, 1978).

Pelo Dicionário da Língua Portuguesa, a agressividade é conceituada como: 1(adj). Disposição para agredir; 2. qualidade de agressivo; 3. dinamismo, atividade, energia, força; 4(Psicol). Disposição para o desencadeamento de condutas hostis, destrutivas, fixada e alimentada pelo acúmulo de experiências frustradoras. Já a definição de agressão, também descrito no dicionário da língua portuguesa é: 1. ação ou efeito de  agredir; 2. provocação, desafio, hostilidade; 3. ofensa, acometidos, ataque; 4(psicol). Conduta caracterizada por intuito destrutivo.

Singer (1924) coloca que a agressão não é limitada por nossa constituição física. A agressão não precisa ser só física, como também verbal. Para ele, o comportamento agressivo pode ser de ordem físico-verbal; ativo-passivo e direto-indireto. Enfim, todos os comportamentos acabam apresentando uma única propriedade, a de que um individuo fornece estímulos desagradáveis a outro.

            Já a violência, pode ser definida como sendo ações de pessoas, classes ou nações que ocasionam a morte de seres humanos ou que afetam prejudicialmente sua integridade física, moral, mental ou espiritual.

 Para Arendt (1970), a violência é distinta do poder, força ou vigor. Para ele, a própria violência é regida pela categoria meio/objetivo cuja mais importante característica se aplica às atividades humanas, foi sempre as de que os fins correm perigo de serem dominados pelos meios, que justificam e que são necessários para alcança-los.

Tavares dos Santos, 1997 citado por Liane e Rovinski, 2004 coloca que a violência constitui uma relação social, caracterizada pelo uso real ou virtual da coerção, que impede o reconhecimento do outro como diferença – pessoa, classe ou raça – mediante o uso de força ou da coerção, provocando algum tipo de dano.

Definida pelo dicionário da língua portuguesa, violência (do latim violentia) tem como significado 1. qualidade de violento; 2. ato violento; 3. ato de violentar; 4(Jur). Constrangimento físico ou moral, uso de força, coação.

A violência está atrelada à agressão. Assim, pode se ter uma agressão com ou sem violência, como também se pode ter uma violência com ou sem a agressão. A violência por sua vez, sugere a idéia de ação, com atitudes com fins avassaladores.

Levando em consideração toda essa discussão a respeito de agressão e violência, será utilizado no decorrer de todo o trabalho o termo violência, já que, enquanto na agressão há uma ação que prejudica o estado de integridade de uma identidade estruturada (pessoa ou situação), na violência, há um movimento no sentido de aniquilar, eliminar uma vida, um corpo, um sujeito. A violência afeta o homem em sua dignidade, ficando submetido a um espaço onde não pode mover-se um espaço delimitado pelo outro.

 
Violência Sexual

Em se tratando de violência sexual, esta pode consistir em vários crimes, além daquele de natureza sexual, propriamente dito. A mulher, pode, alem de ser vitima de violação, ser vitima também de ofensas à integridade física, de roubo, dano, entre outros.

Alguns significados são empregados para esses crimes como: violação sexual, ou estupro, é quando alguém é forçado a manter relações sexuais com uso de violência, ameaça grave, criação de estado de inconsciência ou de impossibilidade de reação; Coação sexual que consiste em constranger outra pessoa por meio de violência, ameaça grave  para esse fim, ou tornar a vítima inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, ato sexual de relevo; Assedio sexual onde inclui uma aproximação sexual não-bem vinda, uma solicitação de favores sexuais ou qualquer conduta física ou verbal de natureza sexual indesejável; Abuso sexual é a prática de ato sexual com pessoa inconsciente ou incapaz de opor resistência, aproveitando-se do seu estado de incapacidade, mas não tendo contribuído para a criação desse estado, quando então seriam coação e assedio sexual; e Exploração sexual que ocorre quando há algum tipo de envolvimento sexual (ou intimidade) entre uma pessoa que está prestando algum serviço (de confiança e com algum poder delegado) e um indivíduo que procurou a sua ajuda profissional. (Ballone, 2005).

A lei penal denomina de liberdade sexual aquela onde há a livre escolha ou livre consentimento nas relações sexuais; livre de dispor do próprio corpo no tocante a fins sexuais. A lesão desse bem ou interesse jurídico pode ocorrer mediante violência, sendo ela física ou moral, ou por fraude.

De acordo com o Código Penal Brasileiro, artigo 213, o estupro é definido : “constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça. Dessa forma, conjunção carnal entende-se como sendo a intromissão do pênis a cavidade vaginal, onde outras formas de ato sexual como as praticadas em homens, como também de forma anal e oral, são vistas como atentado violento ao pudor, artigo 214 que diz: “Consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso de conjunção carnal”. (um crime que se diferencia do estupro por envolver ato sexual diverso da cópula).

Echeburúa e colaboradores (1995) afirmam que as agressões sexuais não dependem de ter havido a penetração vaginal, devendo, na verdade, se dirigir o foco do estudo aos danos físicos e psicológicos causados nessas pessoas. Assim, a concepção deve ser compreendida sob o enfoque psicológico, ou seja, sob a percepção da mulher quanto na atividade em que ela foi submetida sem o seu consentimento. Para os autores, a forma como as mulheres interpretam a violação acontecida com elas, é que vai ajuda-las em seu tratamento e sua readaptação.

A violência sexual é um crime cometido por indivíduos de todas as classes sociais e muitas vezes por pessoas acima de qualquer suspeita, tais como pais, padrastos, vizinhos, namorados, amigos, maridos, patrões, colegas e desconhecidos que podem obrigar a mulher por meio de força, ameaça e até mesmo usar de suas limitações para ter relações sexuais; como também podem ser cometidas, muitas vezes, por pessoas consideradas “normais”, onde a agressão ocorreu em uma circunstancia momentânea como o uso de drogas ou intoxicação alcoólica. Essas violências podem também ocorrer por pessoas portadoras de transtornos da sexualidade, como, por exemplo, as parafilias.

 É importante esclarecer que as parafilias não são obrigatoriamente produtoras de delitos e nem que os delitos sexuais são mais freqüentes por pessoas com parafilias.

O DSM-IV fala das Parafilias como uma sexualidade caracterizada por impulsos sexuais muito intensos e recorrentes, por fantasias e/ou comportamentos não convencionais, capazes de criar alterações desfavoráveis na vida familiar ocupacional e social da pessoa por seu caráter impulsivo.

Charam (1997) coloca que a violência sexual é um crime cometido para aliviar energias agressivas contra pessoas ante as quais põe-se medo.

Joseph Berke (1992) defende que os distúrbios de caráter, que podem desdobrar-se em desvios sexuais, e as anomalias nas organizações sociais teriam como origem à malícia provocada por representações imaginarias de experiências parentais e sexuais mal resolvidas. O estupro, para Berke (1992) é a extensão das intenções mais destrutivas de sujar e dominar o corpo de outrem, estuprador sente que as vitimas tem tudo e ele não em nada, sendo que o ato de estuprar diminuiria as qualidades da vitima.

            Erich Fromm (1987) critica o determinismo apenas filogenético da organização da sexualidade de Freud e propõe a influencia, principalmente de fatores sócio-culturais, no desenvolvimento da sexualidade humana e dos desvios destrutivos da mesma. A este respeito, distingue que haveria uma agressividade “benigna” (biologicamente adaptativa e existente enquanto a ameaça persistir) dirigida por imperativos filogenéticos, e outra “maligna” (satisfação voluptuosa; não é biologicamente adaptativa; definida como crueldade e destrutividade), especifica da espécie humana cuja origem seria de natureza “sócio-biológico-histórica”, e seu objetivo, a destrutividade. Fromm coloca que o problema no homem não é a agressão benigna que esta enraizada as necessidades do homem, sendo assim inata, mas sim a maligna que esta ligada ao caráter, “segunda natureza” do homem, que esta ligada às paixões humanas, como amar, ser livre, mas também destruir, e até matar.

            Gusmão (2001) coloca que os instintos sexuais são herdados por filogêneses. Como conseqüência da evolução filogenética, o homem tem um apetite sexual mais intenso. Cabendo a mulher o papel passivo. Para ele, os atos sexuais podem assumir caráter de anomalias ou perturbações sexuais, tais como: Hipoestesia e anestesia sexual onde não tem muita importância para o direito criminal, pois compreende a diminuição do apetite sexual; Hiperestesia sexual que constitui em uma intensificação do apetite sexual; Parestesia sexual ou também conhecido como aberrações sexuais que são as perversões sexuais como o fetistas, os sadistas e os masoquistas.

Deficiência Mental

A deficiência mental começou a ser estudada e reconhecida como uma ciência na Idade Média, deixando assim de ser vista como magia, onde ligavam os deficientes mentais com o demônio; e também com religião, sendo representado como a inocência e a pureza. Desde então, com Thomas Willis, o deficiente mental passa a ser colocado não como uma pessoa, mas sim como um organismo; até que Locke em meados de 1700 propõe que o cérebro humano é uma pagina em branco onde passa a ser preenchida nos programas de educação. Essa teoria de Locke vai influenciar o trabalho de Jean Itard onde este inicia um projeto de educação em um menino denominado de Victor diagnosticado com “imbecilidade” quando a pouco havia sido capturado nas florestas. Em seu projeto educacional, Itard propondo levar em consideração a história do desenvolvimento do retardo mental, percebeu progressos em Victor. Mas ainda assim, a concepção orgânica relacionada com a deficiência Mental (DM) continua existindo. Daí que surge no século XX características das quais as problemáticas passam a ser mais operacionais e o surgimento do pensamento de como abordar os DMs dentro da sociedade, surgindo, posteriormente, com a psicometria de Binet e seus conceitos de idade mental e a revisão do Quociente Intelectual (QI) avaliando o desempenho médio e seus graus de afastamento. (Junior ; Sprovieri, 2000)

            Segundo a AAMR (Associação Americana de Deficiência Mental) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), por deficiência mental entende-se o estado de redução notável do funcionamento intelectual significativamente inferior à média, associado a limitações pelo menos em dois aspectos do funcionamento adaptativo: comunicação, cuidados pessoais, competência domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho. (Júnior & Sprovieri, 2000)

Krynski, 1969 citado por Assumpção Junior & Sprovieri, 2000 coloca que a deficiência mental “não corresponde a uma moléstia única, mas um complexo de síndromes que tem como única característica comum à insuficiência intelectual”.

               Os indivíduos portadores de deficiência mental não são afetados da mesma forma, mas sim, dependendo do seu grau de comprometimento. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1985, essas pessoas eram classificadas em cinco diferentes níveis de QI, sendo que a variação normal da inteligência fica em torno de 71 e 84 de QI. Os níveis apresentados pela OMS são:

DM Leve: que corresponde ao QI entre 50 e 70; dependem dos processos de treinamento e adaptação; dificuldades no aprendizado precocemente percebidas; independência quanto auto-cuidados.

DM Moderado: corresponde ao QI entre 33 e 49; necessitam de ensino especializado com equipe multidisciplinar; Não conseguem trabalho a nível competitivo.

DM Severo: corresponde ao QI entre 20 e 34; treinamento especializadas visando o desenvolvimento da independência quanto auto-cuidados;são semi-dependentes necessitando supervisão freqüente.

DM Profundo: corresponde ao QI inferior a 20; idade de desenvolvimento abaixo de dois anos; alguns apresentam déficits motores acentuados; vida adulta dependente quanto auto-cuidados.

Contudo, atualmente, tende-se a não enquadrar previamente a pessoa com deficiência mental em uma categoria baseada em generalizações de comportamentos esperados para a faixa etária.
O nível de desenvolvimento a ser alcançado pelo indivíduo irá depender não só do grau de comprometimento da deficiência mental, mas também da sua história de vida, particularmente, do apoio familiar e das oportunidades vivificadas.

Vitimologia

O outro aspecto que vem sendo estudado para saber sobre as causas dessas violências é a vitimologia que surge ao se desprender da Criminologia em 1947 com seus fundadores Benjamin Mendelson e Hans Von Hentig, tendo a finalidade de estudar a vítima, onde, também, abrange seu comportamento e do criminoso na relação entre eles. 

Autores como Berinstain, 1992; Kosovski, 1990; Mayr, 1988 e Miotto, 1974; descrevem o surgimento da vitimização como tendo a finalidade de demonstrar o papel ativo que a vítima desempenha no ato criminoso. Eles acreditam que, por vezes, a vitima tem grande participação para o acontecimento do crime.

Mendelson afirma não ser mais possível considerar as vítimas apenas como meros sujeitos passivos de um crime, uma vez que seus comportamentos podem influenciar o criminoso a cometer a infração penal. 

Dentro dessa questão, o autor Jose Guilherme de Souza vai falar sobre o que ele chama de “parelha penal”, a dupla criminoso/vitima, onde um não existe sem o outro, ou seja, sem um deles não se pode analisar o outro. Sendo assim, Souza cita Sempertegui que coloca que a concepção de Mendenson que denomina de dupla-penal “destrói a afirmação de que só o delinqüente pode decifrar o problema do crime, sem considerar que sua existência como tal só é possível com a correlata existência da vitima e que toda ação dirigida única e exclusivamente ao delinqüente fundar-se-á sobre bases falsas”.

Segundo o Professor Guaracy Moreira Filho (1999), a Vitimologia é um ramo da Criminologia, a qual estuda o comportamento das vítimas com o intuito de “adverti-las, orientá-las, protegê-las e repará-las contra o crime”. Além disso, na sua visão, ela é capaz de oferecer à comunidade e ao indivíduo em particular, meios de como dificultar e se defender da ação dos criminosos habituais, além de mostrar diretrizes de como acabar com os criminosos ocasionais, tornando, desta forma, a vida das pessoas mais segura. 

Com o surgimento da Vitimologia como ciência, foi adotado no Brasil a dupla criminoso / vitima, quando inserido então no ano de 1984 no código penal. Assim, se tratando da fixação da pena o artigo 59 determina que: “o juiz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, a conduta social, a personalidade de agente, aos motivos, as circunstancias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme e suficiente para reprovação e prevenção do crime…”. Mesmo com essa nova visão que encaixa a vitima como participante do ato criminoso, o infrator desse crime sempre será condenado.

Souza citado por Bittencour em Iturbe (Vitimologia e violências nos Crimes Sexuais) diz que a Vitimologia se preocupa com que a justiça não conheça apenas o criminoso, mas que também se preocupe com o papel preponderante que representa a vitima.

Mendelson classifica as vitimas sob sua culpabilidade no ato criminoso. Ele as classifica dessa forma:

–         Vítima completamente inocente ou ideal: é aquela que não tem culpa pela infração penal cometida. A vítima, neste caso, não participa em nenhum momento do crime, sendo este, realizado apenas pela participação do criminoso; ou seja, o sujeito passivo não contribui para o resultado. Ex.: vítima de bala perdida, infanticídio, abandono de incapaz etc.

–         Vítima menos culpada do que o delinqüente (vítima por ignorância): este tipo de vítima caracteriza-se pela sua contribuição para a ocorrência do crime. Ex.: pessoas que andam em lugares de extremo perigo, expondo de forma explícita seus objetos de valor com o cuidado necessário.

–         Vítima tão culpada quanto o delinqüente (vítima provocadora): sem a participação da vítima, com certeza não aconteceria o evento criminoso. Elas dão causa ao resultado. Ex.: corrupção, rixa, estelionato etc.

–         Vítima mais culpada que o delinqüente: são exemplos típicos desta espécie de vítima, as lesões corporais, os homicídios privilegiados praticados após injusta provocação etc. São as vítimas que provocam, tendem a prejudicar alguém e o agente age em legítima defesa.

–    Vítima como única culpada: vítimas de suicídio, roleta-russa.

Já Von Henting acredita que as vitimas são classificadas com sendo Vítima resistente, onde o sujeito passivo reage a uma injusta agressão ou provocação, em legítima defesa; e Vítima coadjuvante e cooperadora, onde o sujeito passivo coopera para a produção do resultado, agindo por imprudência ou má-fé.

Para o autor Hentig a vítima apresentava o mesmo grau de importância em relação ao infrator. Segundo ele, a dupla penal vítima-criminoso estão ligados na dinâmica do crime. Hentig foi o primeiro a denominar como sendo vítima nata aquela pessoa que tem um comportamento agressivo, personalidade insuportável e que de acordo com o seu modo de agir, acaba gerando um fato criminógeno.

O presente estudo, teve como principal objetivo perceber até quando a vítima de uma violência sexual tem uma porcentagem de culpa. É importante ressaltar que “vitimização é o processo mediante o qual alguém vem a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro, ou de fato da Natureza”.(Heitor Piedade Júnior).   
 Método

Participantes

Por se tratar de apenas um estudo de caso houve somente uma participante, Paula (nome fictício), com  idade de 32 anos, portadora de deficiência mental. Seu QI corresponde ao de uma pessoa de 15 anos de idade (informações retiradas de arquivo familiar); é solteira, tem um filho de 04 anos; mora com a mãe, o irmão e o filho; é analfabeta.  Paula foi vítima de abuso sexual no mês de agosto do presente ano.

Materiais

Para a obtenção de dados e para devidas intervenções terapêuticas foram realizadas 10 sessões de psicoterapia breve onde foram utilizadas uma sala arejada e iluminada, uma mesa, duas cadeiras, papéis, caneta e lápis.

Procedimentos

O estudo de caso se iniciou com a chegada de Paula na Delegacia da Mulher da cidade de Goiânia alegando ter sido violentada sexualmente por dois homens, sendo que um deles era seu vizinho. A partir dessa ocorrência começaram então sessões semanais com a duração de 50 minutos cada. A duração total do atendimento foi de aproximadamente 03 meses, equivalendo a 10 sessões de tratamento divididas assim:

1ª Sessão: Foi relatado por P. o ocorrido no dia do crime. Nesse dia, P. contou que há 01 mês aproximadamente conheceu um vizinho seu que chamaremos aqui de Rodrigo. A partir daí passaram a se ver sempre perto de sua casa e Marta (mãe de P.) sempre pedia para que sua filha só conversasse com R. dentro de casa, quando ela estivesse presente, mas P. acabava não respeitando o pedido da mãe, pois R. nunca queria entrar. No dia que ocorreu o crime, P. estava sozinha em sua casa com seu filho quando R. chegou com um amigo (Marcelo) e entrou na casa de P. Rodrigo então junto com Marcelo chamou Paula para ir ao quarto, e esta foi, deixando seu filho na sala. R. ao chegar no quarto colocou P. na cama, tirou sua roupa e a abusou sexualmente, praticando somente sexo anal. Paula disse que pediu para ele parar porque estava doendo, mas R. não lhe deu ouvido e continuou a praticar o ato. Logo em seguida Marcelo teve relações com Paula, obtendo também somente sexo anal. R. mandou-a não contar nada a ninguém porque seria pior para ela, e depois, foram embora. Esse relato foi feito com sua mãe do lado que complementou depois que ficou sabendo disso porque seu neto havia lhe contado que tinha visto sua mãe “fazer amor” com R. Depois foi feito um rapport com P., agora sem a presença da mãe, para que ela se sentisse confortável para continuar as sessões e conversar livremente o que quiser.

2ª Sessão: Foi tratada a relação que P. tem com R., como também o sentimento que ela tem por ele. Foi relatado pela vitima que havia um sentimento de amor por parte da mesma pelo agressor. Essa sessão durou pouco menos de 50 minutos devido à ansiedade da vitima.

3ª Sessão: Foi trabalhado com a vitima o que ela sentiu durante o abuso sexual. P. disse ter ficado muito triste, pois foi abusada por uma pessoa que pensara ser seu amigo, relatou ter ficado magoada também pelo fato de gostar dele.

4ª Sessão: Durante essa sessão foi realizada uma representação da cena do abuso. Nessa encenação, Paula teve oportunidade de reviver o ocorrido e pôde mudar a historia. Foi utilizada essa estratégia no intuito de mostrar à vitima alguns comportamentos que podem ser utilizados para evitar futuros abusos, e até mesmo outros tipos de vitimização. 

5ª Sessão: Foram feitos ensinamentos e conscientização da importância de encontrar formas para evitar a vitimização. Durante essa sessão foi trabalhado com Paula a importância de não abrir a porta para ninguém quando estiver sozinha, ou seja, receber visitas só quando mais algum adulto da família estiver presente; sempre ir ao encontro de alguém estando acompanhada; aprender a fazer ligações, incluindo então a aprendizagem dos números, para ter como pedir ajuda a alguém caso se encontre com algum problema; e a importância de se alfabetizar para tentar diminuir a sua dependência de outras pessoas.

6ª Sessão: Levando em consideração a sessão passada, foi desenvolvido um processo de ensinamento dos números para que Paula aprendesse a realizar ligações. Pelo fato de se tratar de uma urgência terapêutica foi realizada essa sessão. Porém, foi indicado a Paula uma escola pública (por se tratar de uma pessoa de baixa renda) para a alfabetização completa.

7ª Sessão: Foi trabalhado com a vitima suas relações com outras pessoas, assim como foi realizado uma intervenção de conscientização para mostrá-la que outras pessoas também estão sujeitas de passarem por situações semelhantes. Foi mostrado a vitima que muita gente, de diferentes raças e classes sociais, já foram abusadas sexualmente.

8ª Sessão: Continuação da 7ª sessão. Foi realizado estratégias com a vitima com o intuito de a fazer entender que é uma pessoa passível de ser amada e respeitada e não apenas “agredida”, considerando o fato de que sua auto-estima estava diminuída.

9ª Sessão: Foi levado pela vitima o fato de que ficava muito ansiosa quando treinava em casa a fazer ligações. Devido a esta demanda, foi realizado treinos além de trabalhar com a ansiedade da vitima.

10ª Sessão: Nessa sessão foi feita a preparação para o encerramento do tratamento, enfatizando o futuro da paciente sem esse acompanhamento. Dentro desse aspecto foi colocado em pauta a possibilidade de se ter uma maior independência.

11ª Sessão: Encerramento. Foi aqui apresentado pela paciente sua opinião sobre o que foi trabalhado no decorrer do tratamento e o que ela espera de agora em diante.

Resultados

É importante ressaltar que o presente trabalho se trata de um estudo de caso, e, portanto, apresenta somente dados subjetivos o que dificulta a confecção de gráficos e tabelas.

Foi observado com a finalização dos atendimentos que Paula conseguiu desenvolver algumas habilidades que conseqüentemente a ajudaram superar o trauma ocorrido devido ao abuso sexual. A partir desse desenvolvimento P. pôde também entender melhor sobre seus sentimentos e emoções, ficando mais claro para a mesma que existem relações confiáveis, onde o amor é recíproco, mas, existem também aquelas relações que se deve desconfiar e por isso desenvolver algumas precauções. 

A partir dos tipos de relações citados Paula aprendeu a ter uma vida social mais saudável. Isto foi visto em alguns de seus relatos onde demonstrou uma maior preocupação com seu filho e, conseqüentemente, uma participação maior na vida dele. Em relação a sua mãe, Paula passou a dialogar mais sobre assuntos rotineiros, inclusive sobre sua vida amorosa, afetiva e sexual.

 Em decorrer do tratamento psicoterapêutico, Paula foi matriculada em uma escola e conheceu um rapaz que desenvolveu uma amizade e percebeu que se tratava de uma pessoa confiável. Começou a namorar e conta que o relacionamento do rapaz com seu filho e sua mãe é benéfico. Paula relata que o namorado vai à casa dela quando sua mãe está presente e brinca muito com seu filho, que diz gostar do rapaz.   

Sobre questões a respeito de sua segurança, P. se mostrou mais preocupada consigo, agindo de forma mais cautelosa até mesmo em momentos banais de sua vida, como, por exemplo, não abrir mais a porta de casa quando estiver sozinha, só andar acompanhada de algum familiar e, por enquanto, só levar o namorado em casa na presença da mãe ou do irmão.

Paula demonstrou também um aumento de sua auto-estima, e isto foi percebido pela preocupação de se criar um futuro mais promissor e assim se tornar mais independente. A paciente procurou um emprego, e conseguiu um cargo em um supermercado mostrando dessa forma para ela mesma que é capaz.

A partir desses dados foi percebido um considerável avanço em relação ao desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional e social de Paula, assim como, um aumento de sua auto-estima o que a levou a confiar mais em si e, por tanto, aprender a dizer não em algumas situações que não considerar confiável.

Discussão

De acordo com o que foi estudado por autores como Piedade Junior (1993) que afirma que “Vitimização é o processo mediante o qual alguém vem a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro, ou de fato da Natureza.”, foi possível perceber no ambiente do tratamento da vitima, ações das quais facilitaram a ocorrência do crime descrito pela vítima. Comportamentos facilitadores como por exemplo, ter permitido a entrada de seu vizinho e um amigo dele desconhecido da vitima, quando esta estava sozinha em casa com a instrução de que não era para deixar ninguém entrar em casa quando estivesse só.

A partir dessas e outras informações tais como do professor Moreira Filho que coloca a vitimologia como uma forma de oferecer as pessoas meios de evitar a vitimização, foi feito então nas sessões descritas anteriormente meios de conscientização da vitima, como também, ensinamentos de como evitar se tornar novamente uma vitima. Ensinamentos que ao decorrer das sessões foram aprendidas e reconhecidas como sendo de extrema importância para ela. Digo aprendida pelo fato de se tratar de uma pessoa com limitações de QI classificada pela Organização Mundial de Saúde em nível leve, sendo assim um caso perfeitamente educável por ser passível de realizar tarefas individualmente quando feita com supervisão.

Um crime que poderia ter sido evitado caso não existisse uma limitação da parte da vitima, onde sua culpa ocorreu pela falta de informação e aprendizado acometido pela sua deficiência mental, justificada assim por ter um funcionamento cerebral abaixo da media, se fazendo assim limitações e prejudicando em algumas habilidades adaptativas como na comunicação, cuidado pessoal, saúde, segurança, entre outras.

A intervenção utilizada para conscientizar a vitima fez com que esta melhorasse suas habilidades adaptativas, passando a se preocupar mais com sua proteção e segurança, como também com a segurança de seus próximos (família).

Com base nos resultados e na teoria apresentada é de extrema importância de que esse estudo não pare por aqui por apresentar ainda várias perguntas para um maior entendimento acerca desse tema. Perguntas que não devem ser deixadas de lado, tais como até onde a limitação de uma pessoa pode prejudica-la? Como também será que ela(a estudada em questão) foi vitimizada apenas por ser deficiente? Ou até mesmo até onde vai a inocência de sua limitação e não a sua malicia em usar essa limitação para esconder um possível desejo na ocorrência do abuso sexual?
    
Referências Bibliográficas
 

ARENDT, H. (1985). Da Violência. Tradução organizada por M.C.D. Trindade. Brasília: Universidade de Brasília.

BALLONE, G.J.(2003). Deficiência Mental. Retirado dia 06/10/2006 do website  http://sites.uol.com.br/gballone/infantil/dm1.html

BALLONE, G.J. (2005).Sexualidade. Violência sexual. Retirado dia 23/05/2006 do website http://www.psiqweb.med.br

 

BALLONE, G.J. & Ortolani IV. (2005). Crime Sexual Serial. Retirado no dia 10/10/2006 do website http://www.psiqweb.med.br

 

BERKE, J.H. (1988). A tirania da malicia: explorando o lado sombrio do caráter e da cultura. Tradução organizada por M. Campello. Rio de Janeiro : Imago.

 

CANEGHRM, D. (1980). Agressividade e Combatividade. Tradução organizada por M. Penchel. Rio de Janeiro : Zahar

 

 CHARAM, I. (1997). O estupro e o assédio sexual. Como não ser a próxima vitima.  Rio de Janeiro : Rosa dos Tempos.

 

DSM IV (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas

 

ECHEBURÚA, E., CORRAL (1997). Avances el tratamento cognitivo-conductual del transtorno de estres postraumatico. Universidade del Pais Vasco. Retirado no dia 11/06/2006 do website  http://www.ucm.es/info/seas/tep/tratamiento_del_tep.pdf

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986). 2º edição. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

 

FROMM, E. (1987). Anatomia da Destrutividade Humana. Tradução organizada por M.A. de M. Matos. 2º edição. Rio de Janeiro : Guanabara.

 

GUSMAO, C. (2001). Dos crimes sexuais, atentado violento ao pudor, sedução e corrupção de menores. 6º edição. Rio de Janeiro :  F. Bastos.

 

JÚNIOR, F.B.A & SPROVIERI, M.H. (2000). Introdução ao Estudo da Deficiência Mental. São Paulo: Memnon.

 

LIANE, S & ROVINSKI, R. (2004). Dano Psíquico em Mulheres Vitimas de Violência. Rio de Janeiro : Lumens Júris.

 

Ministério da educação e do desporto – Secretaria de Educação Especial. (1997). Programa de capacitação de recursos humanos do ensino fundamental: Deficiência mental.  Brasília: SEESP.

 

MOREIRA FILHO, GUARACY. (1999).  Vitimologia, o papel da vítima na gênese do delito. São Paulo: Jurídica Brasileira.

 

OLIVEIRA, J.J.B (2006). Código Penal Comentado. 3º edição.  Rio de Janeiro: Freitas Bastos.

 

PIEDADE JÚNIOR, HEITOR. (1993). Vitimologia, evolução no tempo e espaço. 1º edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos

 

SINGER, J.L. (1975). O Controle da agressão e da Violência. Fatores cognitivos e fisiológicos. Tradução organizada por D.M. Leite. São Paulo : E.P.U.

 

SOUZA, J.G. (1998). Vitimologia e Violência nos Crimes Sexuais – Uma Abordagem Interdisciplinar.  Porto Alegre: Safe

 

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter