No meio do caminho tem uma crise. Ela costuma bater entre os 40 e 50 anos, quando a mulher de repente se dá conta de que metade da vida já passou. É nesse momento, junto com as alterações hormonais e a percepção dos primeiros sinais de envelhecimento, que ela parte para rever e avaliar as suas realizações.
No meio do caminho tem uma crise. Ela costuma bater entre os 40 e 50 anos, quando a mulher de repente se dá conta de que metade da vida já passou. É nesse momento, junto com as alterações hormonais e a percepção dos primeiros sinais de envelhecimento, que ela parte para rever e avaliar as suas realizações.
E não há balanço existencial sem certa dose de angústia. O primeiro sintoma dessa transição parece um tanto impreciso. A mulher começa a sentir que alguma coisa se perdeu, mas não sabe muito bem onde nem como. Há mesmo uma crise no meio do caminho em maior ou menor grau. E, de acordo com os psicólogos e estudiosos do comportamento humano, todas as mulheres dessa faixa irão vivenciá-la.
É normal -e humano- entrar em crise. A sabedoria está em sair dela fortalecida.
“É muito mais saudável reconhecer a crise do que bancar o avestruz e fingir que ela não existe”, assegura a psicóloga Eliane Marraccini, que acaba de lançar “Encontro de Mulheres – Uma Experiência Criativa no Meio da Vida” (Editora Casa do Psicólogo). O livro, baseado em depoimentos de mulheres entre 40 e 55 anos, é parte da sua tese de mestrado em psicologia clínica defendida na PUC, em São Paulo.
Só fica o que interessa
Amadurecer é rever tudo ou quase tudo. Pegar o amontoado de roupas guardadas no armário, separar o que quer, adquirir novas peças e, aos poucos, ir se livrando das inutilidades acumuladas. A bagagem pode muito bem conter só o que interessa, o que realmente dá prazer.
O empenho não está mais em “construir”, mas em “reconstruir” e na sucessão de atitudes vinculadas à idéia da “reconstrução”: revisão de valores, retomada de antigos projetos, reformulação de hábitos, reinvenção de comportamentos.
O alfabeto do amadurecimento bem que poderia começar pela letra “erre”. Rever tudo: quem acorda tarde pode começar a curtir mais a manhã; quem é sedentária, movimentar o enferrujado esqueleto; quem estiver insatisfeito com o relacionamento, usar de todos os meios disponíveis para melhorá-lo e, se ainda sim não for possível, dar adeus. Batalhar novas oportunidades com ações, e não só com o batalhão de neurônios. Ou “reciclar” (de novo, o “erre” no comando) antigas experiências.
Mas todo o trabalho de reformulação exige um mínimo de capacidade organizacional. As prioridades precisam ser bem organizadas -tarefa não muito fácil se a pessoa estiver com o emocional abalado.
“A mulher que está atravessando essa crise tem a tendência de ficar sonhando e vivendo muito no condicional. Ela até faz planos, mas demonstra dificuldade para organizar prioridades para que as coisas mudem de fato”, adverte a psicóloga Teresa Creusa Goes Monteiro Negreiros, que recentemente defendeu uma tese de doutorado na PUC-RJ sobre como as mulheres independentes estão enfrentando processos de amadurecimento.
Muitas vezes, a terapia acaba dando o empurrão que faltava para ela se mexer. O objetivo é acordá-la para o tempo presente e, sem desprezar a importância do passado e do futuro, mandá-los “passear” um pouco para que ela ponha em prática as suas aspirações.
O surgimento das rugas em torno dos olhos, o ressecamento da pele e todo o desequilíbrio hormonal provocado pela aproximação da menopausa são a faceta mais visível do retrato inaugural da “meia-idade” -e que palavrinha mais desagradável essa. A insegurança da mulher costuma se agravar diante de uma real ou imaginária diminuição do desejo do parceiro (“será que ele se sente atraído por alguém mais nova?”) e até da conquista de uma independência maior por parte dos filhos, que entram na adolescência (“e se ele não precisar mais de mim?”).
A mãezona sabe-tudo em geral acaba perdendo lugar no universo dos códigos cifrados das tribos jovens.
Mas a “crise da maturidade” não mais se apresenta, necessariamente, na porta de entrada dos 40 anos. “Fatores como o aumento da longevidade, avanço da medicina preventiva e maior inserção da mulher no mercado de trabalho acabaram por retardar o momento da crise”, constatou Eliane Maraccini em sua pesquisa. Em outros termos: a ficha tende agora a cair mais perto dos 50 anos. Aí as dúvidas e questionamentos correm o risco de despencar de uma vez.
Fim do ensaio
“Nessa fase, cresce a consciência de que a vida, cada vez mais, será para valer”, observa a psicóloga. “As mulheres percebem que o tempo dos ensaios acabou. Há urgência em pôr em marcha realizações que vinham sendo postergadas”, ela completa. Mas é grande a oportunidade de fazer uma escolha: lamentar o que não fez, chorando sobre o leite derramado da Cinderela, ou se empenhar ao máximo para realizar muitos projetos.
Algumas mulheres chegam a dar grandes viradas nessa fase, como aconteceu com uma anônima dona-de-casa de Divinópolis, interior de Minas, que, ao completar 40 anos, lançou “Bagagem”, o seu primeiro livro de poesias. Seu nome: Adélia Prado, escritora hoje consagrada e autora de um poema que sintetiza o modo como as coisas podem se processar nesta etapa: “Quarenta anos/Não quero a faca nem o queijo/Quero a fome”. É a fome de viver, a sensação de que a vida não merece ser adiada e de que ainda há muito o que fazer.
“Hoje o Brasil é um país jovem, mas que tem como musa uma mulher de 50: Vera Fischer”, diz a jornalista carioca Lea Maria Aarão Reis, autora do recém-lançado “Maturidade: Manual de Sobrevivência da Mulher de Meia-Idade” (Editora Campus). Sinal dos tempos? Nem tanto porque, segundo a mesma autora, grande parte das brasileiras dessa faixa temem os efeitos da chamada “síndrome da invisibilidade”.
“Muitas sentem uma perda real do seu poder de sedução. São menos notadas nas festas e nas ruas -e ninguém gosta de se sentir transparente. Mas aquelas que passaram a vida apostando todas as fichas na beleza física certamente irão sofrer ainda mais”.
Elogio da maturidade
O elogio da maturidade é próprio do meio da filosofia. A filósofa Marilena Chauí lembra que os pensadores gregos começavam a escrever somente depois dos 40 anos, num período da vida conhecido entre eles como “akmê”. Chauí, por sua vez, concluiu a sua grande obra, um estudo sobre o pensador holandês Barauch Spinoza, na casa dos 40. Outra máxima que circula pelos corredores universitários é assim reproduzida pelo filósofo Mário Sérgio Cortella, colunista do Equilíbrio: “Dos 20 aos 30 anos, ensina-se o que não sabe. Dos 30 aos 40, o que sabe. E, dos 40 em diante, ensina-se o que deve”. É esse o justo momento de identificar e fazer uso de todas as virtudes anteriormente lapidadas.
LINA DE ALBUQUERQUE free-lance para a Folha
06/12/2001 – 08h42
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Leia e reflita
Excelente!!!!
A Crise dos 40 (Feminina)
Bem oportuno!
ser feliz