Nossos Risos e Nossos Preconceitos Quando rimos do outro ou de nós mesmos?
por Mário L. Quilici
Estava um sujeito andando pelo corredor de um trem à procura de um lugar. Vê numa das cabines uma loura sozinha adormecida próxima à janela. O sujeito então pensou:
– Não pode haver uma oportunidade melhor para eu ganhar algum dinheiro, uma loura cheia da grana. O sujeito entrou e sentou-se ao lado da loura. Chamou a moça e fez-lhe a seguinte proposta: – Olha moça, vamos fazer uma brincadeira. Eu faço uma pergunta e se você errar paga dez paus e se acertar recebe o mesmo valor. A loura, sonolenta que estava disse que não queria conversa e acomodou-se para retomar o sono interrompido. Insatisfeito o cara insistiu e a loura, para livrar-se, concordou. Então ele perguntou: – Onde fica o trópico de câncer? A loura tirou dez reais da bolsa, deu para o cara e voltou a dormir.
Vendo que perdia uma oportunidade, o sujeito fez a seguinte proposta: – Olha, vamos fazer assim. Se eu errar a pergunta que você fizer, pago cem reais e se você errar paga só dez. Está melhor assim? A loura cansada, vendo que o sujeito não desistia , concordou. – Então é a sua vez de perguntar, diz ele eufórico. – Está bem, diz ela, o que é que sobe o morro com duas pernas e desce com quatro? O sujeito pensou, pensou e não conseguiu chegar a uma solução. Consultou seu note book, falou com amigos experientes pelo celular e nada. Por fim, arrancou 100 reais do bolso e deu-os à loura. Esta, guardou o dinheiro e voltou a dormir. O sujeito então desapontado perguntou: – Moça, qual é a resposta à sua questão? A loura tirou dez reais da bolsa e deu para o homem, voltando a dormir em seguida.
De tempos em tempos me vejo bombardeado de "piadas" com algum tema predominante. Há períodos em que predominam os homossexuais, negros, logo surgem piadas sobre japoneses, caipiras, médicos, psicólogos, portugueses etc. Ultimamente tenho ouvido muitas piadas sobre louras. Um fato que me intriga: que motivações disparam essa reação tão preconceituosa ?
Muitas vezes tentei explicar a coisa pelo preconceito, mas as conclusões nunca eram muito satisfatórias. Para mim preconceito é, como diz a própria palavra, uma construção anterior, alguma idéia que se fez sobre alguma coisa independente de ser ela correta ou não. Não creio que é disso que se trata.
Notadamente o povo brasileiro, diferente de outros povos, tem grande dificuldade em lidar com as diferenças. É difícil, por exemplo, compreender que um homossexual o é, somente quando tem uma relação com um parceiro do mesmo sexo mas, fora disso é um homem (ou mulher) com todos os papéis e responsabilidades semelhantes aos demais. É um filho, um amigo, um profissional, um leitor, um pagador de impostos, um consumidor, etc. Mas não é assim que se vê o homossexual. Ele passa a ser identificado por sua preferencia sexual, pelo seu "defeito", transforma-se nele.
Parece que tudo aquilo que explicita as diferenças causa espécie e gera angústia. Como dizia Freud lá pelo final do século passado: "é através do chiste que tentamos aliviar a nossa própria angústia". Mas eu iria um pouco mais além. Creio que quando faltam os limites precisos de um Ego estável, as pessoas passam a depender muito de normas externas que orientem seus comportamentos e garantam as provisões narcisicas. Muitas vezes, em função disso, as pessoas se violentam, representam, fingem , tentam ser o melhor para ganharem a admiração dos que as rodeiam. Então quando alguém aparece e comporta-se espontaneamente, fugindo do padrão estabelecido, se assustam e então tratam de ridicularizá-los com gozações e rótulos. Não suportam o espelho já que a transgressão é parte fundamental do desejo humano.
Quando disse que iria um pouco mais além, quis referir-me à ferida narcisica. Aquela ferida emocional que é tão difícil de ser curada e que nos impede a espontaneidade, o estabelecimento de uma identidade e de criar uma forma particular de viver. Muito tem se falado de ferida narcisica no aspecto pessoal mas pouco se tem falado desta quando se trata de perceber o indivíduo inserido no seu meio social. A ferida narcisica é o núcleo de onde brota a falta de auto estima, o desapreço e o medo. Uma deficiência humana critica que é tirânica e onde o amor próprio subsiste graças às fantasias concomitantes de ódio, vergonha e afirmação do ego.
Imaginemos que pessoas feridas gravemente em seu narcisismo não se respeitam e por implicação não conseguem respeitar o outro. Não são amadas por si mesmas e nem podem amar os demais à sua volta. Não têm recursos para compreendê-los em suas limitações pessoais e ao contrário, espera-se deles, num reflexo do se faz consigo mesmo, sempre o melhor. Nunca se lhes dá o direito à falibilidade. Falhou, vira motivo de gozação, piada. Não se trata entretanto, de uma gozação com o objeto da anedota mas sim de um aviso para si mesmo: – não incorra no ridículo de falhar!.
A ferida narcísica gera sempre a inveja na medida em que o outro é sempre visto como aquele que teve mais sorte, tem mais condições e possibilidades. Então nota-se que um defeito neste "sortudo" é sempre bem vindo, desejável, porque faz com que tais pessoas sintam-se menos desgraçadas. A desgraça do outro faz com que essas pessoas sintam-se melhores. É muito comum ouvir frases assim: – Eu estava me sentindo tão mal por que estava sem dinheiro mas ai vi um sujeito sem as pernas. Agradeci à Deus e vi que eu era extremamente feliz! Pode? Depender da desgraça do outro para alavancar a própria auto estima? Que infelicidade! Isso me parece piada de humor negro.
Nesse aspecto, as piadas de japoneses com referência ao seu pequeno órgão sexual, são carregadas de grande simbolismo narcísico. Isso denota que o órgão sexual, em termos de proporção, traz a representação do potencial que o indivíduo tem na vida. Ter um "grande pênis" é simbolicamente ter força, poder, grandeza. As piadas, na minha opinião não ridicularizam os japoneses como se pode pensar à primeira vista mas sim, diz àqueles que com elas se divertem: "olha como vai ser horrível se descobrirem que você tem tão pouco poder na vida!". Agora, não podemos deixar de lado que tais anedotas sobre japoneses surgiram no momento em que o Japão despontava como grande potência industrial e econômica mundial. Será coincidência? Ou é despeito mesmo?
Acho que o efeito nefasto das piadas preconceituosas não param ai. Como na anedota que usei para abrir o artigo, vê-se que o preconceito sobre a loura burra levou o "esperto" a perder oitenta reais. É isso. Generalizar a idiotice de uma loura para todas as outras é uma falha crassa e burra que infelizmente a maioria das pessoas comete. Até mesmo porque alguém que pode parecer burro num aspecto, pode não sê-lo em outros tantos. Pode até mesmo ter a intenção de parecer burro sem no entanto, sê-lo. Além do mais qualquer generalização é sempre um ato descuidado. Isso também é verdade para os negros, ainda que no caso dessa "minoria" tenhamos necessariamente que pensar a questão do preconceito.
Veja que um povo que não tem noção de cidadania permite-se ao constante desrespeito. E como é desrespeitado, desrespeita na mesma proporção. Não se pode respeitar as diferenças justamente porque tudo o que se deseja é a manutenção dos vínculos de dependência num horror escancarado à independência e à autonomia. Quando Dom Pedro I bradou do alto das colinas do Ipiranga: "Independência ou morte", parece que nós brasileiros escolhemos a morte porque nunca chegamos perto dos ideais de independência, nem como seres humanos e nem como nação.
Nossos sindicatos lutam por vales disso e daquilo enquanto achatam o direito do trabalhador de ter um salário digno do qual possam dispor como melhor lhe aprouver (Produto do desenvolvimento da política neoliberal). Os trabalhadores e sindicatos chamam isso de conquista e acham ótimo. Nossos cursos de formação profissional, estão cada vez mais decadentes, insatisfatórios e desatualizados. Os alunos querem logo pegar o diploma e as escolas querem receber as mensalidades ainda que isso implique em despejar profissionais incompetentes e vazios na praça.
Quando se fala de produção científica a coisa pega. É evidente que a produção cientifica no Brasil é sofrível. Não se pode esquecer que o que permite aos países ricos o aperfeiçoamento da tecnologia que vendem para os países como o nosso é justamente a pesquisa cientifica. Os escândalos de corrupção se sucedem de forma veloz e impressionante, superando-se a cada oportunidade. Nós brasileiros olhamos atônitos, imóveis e incrédulos. O que fazemos? Nada. Tendemos à impotência geral. O pais é nosso, o dinheiro é nosso mas são poucos os que usufruem deles ( do país e do dinheiro). Reclama-se da violência urbana, dos roubos e dos contos do vigário. Mas como parar isso se o exemplo da desonestidade da impunidade vem de cima. É raro ver um político (ou um milionário) envolvido em escândalos ser preso, condenado e cumprir pena. Como se pode desejar que o povo se comporte de maneira decente com exemplos tão indecentes?
Agora o que mais me chama a atenção é que nós, brasileiros, rimos é da burrice do português? Pode? Dá para sacar a função da anedota?