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O que é interpretar um texto?

Empreender um trabalho de cunho teórico em Psicologia significar analisar ou interpretar textos de interesse psicológico. Mas o que significa isso? Em outras palavras, qual é o objetivo que se tenta alcançar com a análise ou interpretação de um texto?
Tentarei responder a essa questão destacando dois “modos” de interpretação. O primeiro consiste na defesa de que interpretar um texto é buscar o sentido do texto atribuído por seu autor. Sendo assim, a boa interpretação seria aquela que descobre o que o autor queria dizer quando escreveu o texto. Mais do que isso, a interpretação que corresponde ao sentido “original” do texto – ao sentido dado por seu autor – é verdadeira, e todas as demais falsas.

A raiz desse posicionamento pode ser encontrada na hermenêutica clássica, que defendia a possibilidade do desvelamento do verdadeiro sentido dos textos bíblicos (noesis). A idéia da interpretação como desvelamento encontrava fundamento na crença de que os textos bíblicos são produtos de uma revelação divina. Com isso torna-se evidente que para aceitar a interpretação como busca pelo sentido verdadeiro, devemos de antemão admitir a existência desse sentido. Mas o que aconteceria se rejeitássemos essa possibilidade?

Isso nos conduz à segunda modalidade de interpretação. Para entender o que é interpretar um texto sem admitir a existência de um sentido escondido por detrás do texto, precisamos operar uma inversão fundamental: temos que admitir que quem dá o significado para o texto é quem o lê (ou interpreta) e não quem o escreve. Assumindo tal posição, nos distanciamos do realismo e, com isso não faz mais sentido classificar as diferentes interpretações como verdadeiras ou falsas, corretas ou incorretas. Mas será, então, que não há parâmetros para avaliar uma interpretação?

Ou seja, será que toda e qualquer interpretação é válida? A resposta é sim e não. Sim porque a princípio o texto admite uma infinidade de interpretações porque admite uma infinidade de significações. Mas, por outro lado, a resposta é não porque uma interpretação pode ser avaliada como plausível ou absurda, interessante ou desinteressante, produtiva ou paralisante (embora, nunca como verdadeira ou falsa), indicando, assim, que deve haver algum tipo de parâmetro para se julgar uma interpretação. Quando o intérprete constrói um significado para o texto, ele está filiando esse texto a uma tradição de pensamento, bem como excluindo a possibilidade de outras tradições.

É justamente esse movimento que fundamenta a avaliação de uma interpretação. Um exemplo pode tornar isso mais claro. Digamos que estamos interessados em estudar o behaviorismo radical de B. F. Skinner. Se defendermos a posição de interpretação como desvelamento do sentido, assumiremos que os textos skinnerianos têm um único sentido, a saber, aquele atribuído por Skinner. Nesse sentido, nossa tarefa enquanto intérprete do texto será revelar tal sentido. Dado que o sentido em cada texto é único, o máximo que podemos fazer é estudar os vários textos, seguindo uma ordem cronológica, para rastrear possíveis mudanças desse sentido no decorrer da obra skinneriana.

Agora, se assumirmos a concepção de interpretação como construção do significado, nossa tarefa começará quando assumirmos esse significado. Digamos que alguém assuma a interpretação de que Skinner é um positivista. A primeira coisa a se fazer é compreender muito bem o que significa ser um positivista, ou seja, saber quais as teses que quando assumidas legitimam a classificação de um autor como positivista. Em seguida, buscam-se essas teses nos textos do autor (no nosso exemplo, Skinner). Mas como não assumimos que um texto tem um único sentido, Skinner pode ser ora positivista, ora não-positivista em um mesmo texto. Digamos, então, que esse intérprete nos apresenta várias evidências textuais que corroboram sua interpretação (de que Skinner é positivista). Diante disso podemos dizer que sua interpretação é plausível, embora possamos argumentar que é também desinteressante na medida em que afasta o behaviorismo radical de outras tradições de pensamento, ou ainda como paralisante, se impedir que a pesquisa continue.

O que quero ressaltar aqui é que o fato de encontrarmos nos textos de um autor trechos que contrariam nossa interpretação, não deveria ser motivo para o abandono dessa interpretação. Na interpretação como construção de significado, definimos de antemão um projeto que deveria ser seguido pelo autor. Assim sendo, é perfeitamente aceitável que em alguns momentos esse autor insira-se nesse projeto, e em outros ele se afaste. (É claro que a quantidade de evidências não pode ser desprezada, ou seja, encontrar em toda a obra do autor, um único trecho que fundamenta uma interpretação é motivo para classificar tal interpretação como pouco plausível, mesmo que ela possa ser muito interessante.) A desvantagem da interpretação como construção de significados é que ela exige muito mais do intérprete. Enquanto na interpretação como desvelamento do sentido raramente se sai do texto, nessa outra concepção de interpretação já se começa de fora. Com isso, quanto melhor a formação do intérprete (entendendo formação como domínio de diferentes tradições de pensamento), mais apto o intérprete estará para construir significados e interpretações interessantes e originais.

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