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Aspectos Importantes na Formação do Psicólogo na Atuação em Hospital Geral

A relevância do desenvolvimento deste tema é contribuir para a boa formação do psicólogo hospitalar, fornecendo conhecimentos sobre o vasto campo de atuação do psicólogo hospitalar, enfocando seu papel na tarefa de mediador e agente facilitador na relação médico-paciente-família.
O indivíduo que necessita de um atendimento hospitalar, seja nos casos de ambulatório, na condição de paciente externo ou como paciente internado, sofre com as exigências, limitações ou enquadramentos que a instituição hospitalar impõe.

É fato sobejamente conhecido que, em se tratando de hospitais públicos, a situação de submissão a que o paciente tem que se expor, desde o enfrentar filas, aceitar a rotina imposta nas consultas e encaminhamentos e acatar os tratamentos impostos, com as dificuldades a enfrentar pelas prescrições medicamentosas, muitas vezes de difícil aquisição pelo paciente, se faz presente.

No caso de internação, o paciente tem de abdicar da companhia dos familiares, podendo até perder a sua identidade pessoal, passando, muitas vezes, a ser um número de prontuário ou um indivíduo com tal órgão comprometido, nem sempre tratado pelo nome e de forma humanizada.

O fato dos pacientes, em sua maioria, serem contribuintes previdenciários, não o exime de passar por situações desagradáveis geradas pelo fato das instituições públicas nem sempre corresponder às necessidades reais dos que dela precisam, muitas vezes com falta de funcionários, condições materiais inadequadas ou assistência precária.

Vemos assim que a saúde da população exige, da equipe de saúde, uma revisão de seus valores acadêmicos, pessoais e até sócio-políticos.

Poderíamos aqui falar também das intermináveis filas que o indivíduo tem de enfrentar para cuidar de sua saúde; ou da submissão a que o paciente tem que ficar sujeito ao aceitar as diferentes formas de intervenções e exames.

CHIATTONE (1984), critica a situação vivenciada por muitos hospitais que investem recursos na hospitalização, porém apresentam uma desumanização no atendimento.

“O doente passa a ser uma peça de engrenagem e a doença é encarada como um desajuste mecânico. O homem é despojado de seus aspectos existenciais para se tornar um objeto, um número de leito ou de prontuário, uma síndrome ou órgão doente. Ao ser doente, resta assistir ao total aniquilamento de seus direitos existenciais – o direito de ser, de existir quanto pessoa”.

O paciente, assim como seus familiares, têm que se sujeitar às imposições administrativas e técnicas, nem sempre podendo saber o que se passa com o seu corpo, qual tratamento está sendo feito. Muitas vezes, o paciente é o último a saber das suas condições de saúde. Não tem acesso às informações, e não pode participar ativamente de sua própria recuperação.

Dessa forma, o relacionamento dos profissionais da saúde não é com a pessoa em si, mas sim com aquilo que tem ou sofre: com a doença.

No momento em que é internado, o paciente tem na sua história pessoal, um momento de cisão do seu cotidiano, o que gera uma série de problemas para a sua autonomia e transcurso normal de vida.

São muitos os fatores que contribuem para o surgimento de desgostos e descontentamentos, resultando em sofrimento, sensação de abandono, medo do desconhecido. A situação hospitalar é totalmente nova e desconhecida para o indivíduo podendo provocar fantasias e temores. Muitas vezes, a pessoa encara a doença como uma agressão externa, uma punição, ocasionando sentimentos de culpa.

BASAGLIA (1968), quanto à rotulação do paciente, assim se expressa:

“… se torna necessário enfocar esse doente de um modo que coloque entre parênteses a sua doença. A definição da síndrome já assumiu o peso de um juízo de valor, de um rótulo, que vai além do significado real da própria enfermidade. O diagnóstico tem o valor de um juízo discriminatório, o que não significa que procuremos negar o fato de que o doente seja, de alguma forma, um doente. É este o sentido de colocarmos o mal entre parênteses, ou seja, colocar entre parênteses a definição e o rótulo. O importante é tomar consciência daquilo que tal indivíduo representa para mim, de qual é a realidade social em que vive, qual o seu relacionamento com essa realidade.”

É necessário lembrar que, antes de ser um doente, ele é uma pessoa que está doente.

A internação é uma ruptura na história do indivíduo, pois ele percebe que não é mais o mesmo. Há um sofrimento diante da imagem de si mesmo, já alterada.

O hospital tem uma função separadora, pois separa o indivíduo da sua família.

Quanto à internação e à perda da autonomia, SEBASTIANI (1984), afirma:
“… o fato de ter sido levado ao hospital e ser internado já implica por si só uma quebra do domínio sobre si mesmo, pois, neste caso, passará de uma situação de vida como agente, para uma situação de paciente, tanto no sentido psicológico quanto no orgânico”.

O próprio processo de internação poderá ser sentido como agressão, pois a instituição reforça a condição de dependência do portador de uma doença, impondo-lhe roupas, camisolão, pijama típico de hospital, decidindo tudo ou quase tudo pelo paciente. Sabe-se que muitas vezes que essas imposições são necessárias para o funcionamento viável de uma instituição, porém o criticável é a forma despersonalizante como isso pode ser feito.

FREITAS (1980) diz:

“As reações de cada paciente são ditadas pelo seu mundo interno, pela sua história psicossocial e de seu contexto familiar. Há uma série de fatores que pode determinar, dinamicamente, formas de estar doente. Apesar das diferenças individuais, durante a enfermidade, todas as crianças passam por situações reais e imaginárias comuns a todas e que provocam grande ansiedade. Uma das situações comuns é a percepção da morte, consciente ou inconsciente.

Para MOFFAT (1987), na perturbação do existir que chama de crise, apresenta-se a impossibilidade do paciente se auto-perceber como aquele que era. Diz que a crise se manifesta pela invasão de uma experiência de paralisação da continuidade do processo da vida. Isto provoca uma descontinuidade na percepção da vida como uma história coerente, organizada como uma sucessão, na qual cada uma das etapas é conseqüência da anterior:

Assim se expressa:

“… a nova situação o colocou fora de sua história, ficando alienado, estranho para si mesmo. O suceder de sua vida paralisou-se, a percepção não consegue ler a realidade e o futuro está vazio. Esta é uma vivência de suprema angústia, a pessoa fica desesperada…”

PERESTRELLO (1982) relembra que antigos conceitos negavam as implicações psicológico-emocionais, assim como a subjetividade da vida emocional, implícita nos relacionamentos interpessoais e dentro de uma visão organicista, o relacionamento médico-paciente se restringia ao questionamento da queixa da doença, sua evolução, sua história, sem que se buscasse a reação emocional.
No entanto, a pessoa é única, com impressões digitais que a distinguem de qualquer outra. Possui uma fisionomia diferente dos outros, assim como suas próprias formas de viver, de conviver, de agir, de reagir, tendo uma configuração única e um funcionamento e um modo de adoecer também próprios.

Segundo Perestrello (1982):

“A doença não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem, e sim um modo peculiar da pessoa se expressar em circunstâncias adversas. É, pois, como suas outras manifestações, um modo de existir, ou de coexistir, já que o homem não existe, coexiste. E como o ser humano não é um sistema fechado, todo o seu ser se comunica com o ambiente, com o mundo, e mesmo quando, aparentemente não existe comunicação, isto já é uma forma de comunicação, como o silêncio, às vezes, é mais eloqüente do que a palavra”.

Seguindo o pensamento de Perestrello, dizemos também que os problemas do ser humano são amplos, desde a dor, o sofrimento, o abandono, o desamparo, a angústia, e cada indivíduo se manifesta de um modo pessoal diante da vida, pelas atitudes do cotidiano, pela maneira de falar, de se vestir e se comportar, assim como pela manifestação de sua doença.

Cada pessoa tem uma história singular, tendo necessidade de contar e ressignificar, ou seja, reprocessar sua história. Na história singular estão contidos os conteúdos inconscientes, sua sexualidade, suas condições sócio-econômicas. Dessa forma, conhecer o doente vai além do entendimento da sua doença, pois vai abranger a pessoa como um todo, sua história, suas aspirações, seus medos, enfim, a sua vida e seu modo de adoecer.

“A saúde é um processo a ser adquirido e conquistado em todos os momentos da vida, assim como as potencialidades para as realizações. Pode-se dizer que ser saudável é uma conquista contínua e não algo definitivo e eterno”.

Nosso próximo tema será:

“O atendimento à Saúde Integral do Adolescente na Área Hospitalar e da Saúde”.

Um forte abraço e até breve,

Alaide Degani de Cantone
www.cepps.com.br
[email protected]

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