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Ganhar no jogo, perder na vida…

…ou será ao contrário? O que é melhor? Ser um vencedor nos campos, quadras e raias ou no trabalho, na vida social e afetiva? Será possível “ganhar” em tudo? Mais uma pergunta: ganhar no “campo” ensina a ganhar na vida? Não me parece que existam respostas muito exatas para todas estas perguntas, porém podemos especular um pouco acerca delas.

Examinemos o seguinte caso fictício, envolvendo dois personagens distintos: domingo de sol na cidade maravilhosa, Maracanã lotado para a final do campeonato estadual. Aos 41 minutos do segundo tempo o placar é de 1 x 1. O resultado vai dando o titulo ao clube mais regular do campeonato, que por este motivo joga pelo empate. Em sua primeira participação na partida João Silva, que acabara de entrar finta três adversários e mete a bola no gol com raiva. A torcida explode. O título e a taça estão mudando de mãos. João Silva corre para a torcida ouvindo seu nome em um coro de 50 mil vozes. Uma destas vozes é a de um outro João, o Souza, que embasbacado grita o nome do seu ídolo.

Fim de jogo, os dois personagens não se aguentam de felicidade. O jogador, João Silva, recebe o prêmio como o melhor em campo enquanto encara com bom humor o aglomerado de repórteres. O torcedor, João Souza, assiste ao crepúsculo do espetáculo entoando o mantra indefinidamente: “É campeão! É Campeão!…”

No campo Silva recebe mais cumprimentos e a faixa oficial, confeccionada a mando da federação. Na arquibancada Souza mexe nos bolsos a procura de alguns reais para comprar uma faixa vendida pelo ambulante do lado de fora do estádio. Já saindo do estádio estão os dois “Joões”, cada um com sua faixa no peito, cada um com a sensação de vitória a embriagar-lhes as idéias. Tudo está perfeito, a sensação é de plenitude e, ao que parece, não tem hora para terminar.

Os dois quase chegam a se encontrar no trânsito, quando o ônibus da delegação emparelha como o ônibus de linha no qual segue apertado o João torcedor. Pouco mais adiante os dois se separam quando um vai em direção à uma festa na Barra da Tijuca e o outro em direção ao subúrbio carioca.

No dia seguinte, a sensação de vitória ainda presente, é mantida por motivos diferentes. Souza, o torcedor, acordou cedo e foi pegar no batente. Mal chegou e está levando uma bronca danada pelo serviço que não terminou na semana anterior. Havia passado a semana inteira avoado, pensando no jogo de domingo. Por poucos segundo pensa em mudar de emprego, mas logo lembra-se de como está difícil arranjar trabalho. E também, o que importa? Ele é campeão! Os jornais na banca de revista e o desfile de camisas do seu time nas ruas lembram-no disso a toda hora. Mal pode esperar para encontrar os amigos no bar na hora do almoço: vai ser uma gozação com a cara dos torcedores adversários! Que farra! Dá até para esquecer sem culpa que a mulher tinha lhe pedido para deixar algum dinheiro para o material escolar do filho mais novo.

Nesse momento o outro João está levantando da cama, incomodado com os reporteres que não param de ligar para entrevistá-lo. Querem que vá a um programa na hora do almoço…querem uma exclusiva sobre a sua trajetória…e ele só quer abraçar a mulher e descansar um pouco do assédio! Toca o celular: é o administrador do centro de treinamento avisando que a apresentação foi antecipada para o período da tarde pois não podem perder tempo. Há outro campeonato em andamento. Pensando no futuro da família ele aceita a entrevista e já vai para a emissora com o material de treino no carro. Olha para os filhos, dá um beijo na mulher (não nota sua expressão de decepção) e se arranca para a rotina. Nem sequer tem a chance de questionar se quer fazer aquilo. Simplesmente faz, sem culpa.

Alguns dias depois encontramos os dois personagens já em abstinência de vitórias. João, o torcedor, se vê as voltas com os problemas de sua vida pessoal e numa “tentativa” de melhorá-la usa seu tempo livre fazendo cálculos das chances do seu time no campeontao em vigor. Arrisca estatísticas de campeonatos passados e, quando já cansado e sem nenhuma conclusão que lhe dê sinal de vitória passa a imaginar o próximo jogo: “Já tô sentindo o gosto de mais uma taça…” Fantasiar não custa nada, pelo menos na hora.

João Silva, o jogador, encontra-se em seu quarto na concentração, profundamente incomodado com a lembrança de seu filho que começou a chorar quando tentou pô-lo em seu colo: “Será que ele não lembra de mim?”

Qual João você quer ser?

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