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Gravidez na Adolescência – Parte III

Podemos dizer que adolescência é sinônimo de crise, pois o adolescente em busca da identidade adulta passa por um período “turbulento”, variável segundo o seu ecossistema sócio-familiar, onde comportamentos considerados como anormais ou patológicos em outras fases do desenvolvimento devem ser considerados normais nessa transição para a vida adulta (KNOBEL, 1999).
Tanto a gravidez quanto a adolescência podem ser consideradas etapas normais do desenvolvimento. As transições existenciais decorrentes destas fases são consideradas por Erikson (1976) e Simon (1989) como situações de crise no sentido de implicarem um equilíbrio instável, em necessidade de reacomodação e que podem levar a soluções mais saudáveis ou mais doentias, segundo características de personalidade, história pessoal e condições ambientais que caracterizam a pessoa envolvida (AGUIRRE, 1995). 

A adolescência caracteriza-se por ser um período de descoberta do mundo, dos grupos de amigos, de uma vida social mais ampla. Assim, a gravidez pode vir a interromper, na adolescente, esse processo de desenvolvimento próprio da idade, fazendo-a assumir responsabilidades e papéis de adulta antes da hora, já que dentro em pouco se verá obrigada a dedicar-se aos cuidados maternos. O prejuízo é duplo: nem adolescente plena, nem adulta inteiramente capaz. A adolescência é também uma fase em que a personalidade da jovem está se formando e, por isso mesmo, é naturalmente instável. Se é fundamental que a mãe seja uma referência para a formação da personalidade de seu bebê, os transtornos psíquicos da mãe poderão vir a afetar a criança. A jovem que não adquiriu uma identidade adulta poderá ter sérios conflitos na sua função de mãe-cuidadora, visto que a maturidade psíquica é essencial para o desempenho desse papel. Os estudos realizados por Aguirre (1995, p.15) em Berger (1987), Renouf (1987) e Pines (1988) coincidem quanto às difíceis interações das mães adolescentes com seus filhos envolvendo graves descuidos e maus tratos. Cassorla (1991) relata que durante o processo da adolescência o ser humano terá que vivenciar uma série de lutos, dentre os quais a elaboração da perda do seu corpo e papel infantis, de seus pais da infância e da fantasia de bissexualidade, bem como suas vicissitudes, condensadas na “Síndrome da Adolescência Normal”, descrita por Knobel.

Segundo Knobel (1981) a adolescência é entendida como um período marcado por mudanças não apenas orgânicas, constituindo-se em um período no qual o indivíduo busca estabelecer sua identidade adulta e, nesse intento, necessita desprender-se do seu mundo infantil e enfrentar o mundo adulto. O autor esclarece que, quando fala de identidade, se refere a um continuum do processo evolutivo humano, definindo a adolescência como  a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísicos em desenvolvimento à sua disposição e que por sua vez tendem à estabilidade da personalidade num plano genital, o que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil. (ABERASTURY e KNOBEL, 1981, pg.26).

Aberastury (1981) destaca que a adolescência é um momento crucial na vida do homem constituindo a etapa decisiva de um processo de desprendimento atravessando três momentos fundamentais: o primeiro é o nascimento, o segundo surge ao final do primeiro ano com a eclosão da genitalidade, a dentição, a linguagem, a posição de pé e a marcha. O terceiro momento aparece na adolescência, quando a maturidade sexual estimula um relacionamento com um objeto externo fazendo também possível, a consumação do incesto e, ao mesmo tempo, define-se seu papel procriador e, escapando do incesto, o adolescente inicia a busca do objeto de amor no mundo externo, o que concretizará com a descoberta do par, se for conseguido o desprendimento interno dos pais. Somente a maturidade lhe dará permissão de aceitar-se independente dentro de um marco de necessária dependência; é um período de contradições, confuso, doloroso e permeado de conflitos com o meio familiar e o meio circundante. Maldonado (2000) aponta que o termo crise foi inicialmente utilizado por Caplan e Lindermann para referir-se às reações de uma pessoa a eventos traumáticos como a morte súbita de um ente querido, o nascimento de um filho prematuro, desemprego inesperado, sendo estas crises permeadas de imprevisibilidade.

A mesma autora cita Erikson que utiliza o termo referindo-se a várias etapas do desenvolvimento psicológico normal (tais como a puberdade, o casamento, a gravidez, a menopausa), consideradas pelo autor como previsíveis. Assim, poderemos reportar o termo crise tanto aos períodos de transição inesperados quanto aos inerentes ao desenvolvimento. No entanto, enfatiza:  as crises implicam um enfraquecimento temporário da estrutura básica do ego, de forma que a pessoa não consegue utilizar seus métodos habituais de solução de problemas, e, portanto, requerem a mobilização dos mecanismos adaptativos do ego no sentido de buscar respostas novas outrora inexistentes no repertório do indivíduo. (MALDONADO, 2000, p.23-24). Concebendo o desenvolvimento psicológico como um contínuo que se prolonga muito além da adolescência que, por sua vez, como já vimos anteriormente, é marcado por vários períodos de crises, Maldonado (2000) ressalta os estudos de Caplan (1967), Erikson (1959), Bribing (1961) e Benedek (1959), que afirmam que essas crises são pontos decisivos para o crescimento emocional do ser humano e podem determinar, em parte, o estado de saúde ou doença mental. A autora aponta que no ciclo vital da mulher ocorrem três períodos críticos de transição: a adolescência, a gravidez e o climatério, que ocasionam “mudanças complexas exigindo a necessidade de adaptações, reajustamentos interpessoais, intrapsíquicos, assim como mudança de identidade” (MALDONADO, 2000, p.22).

Em concordância, Aberastury (1980) considera que a adolescência está implicada tanto na questão da busca da identidade adulta assim como em uma série de modificações ou reestruturações que se expressam das mais variadas formas que poderão refletir na existência de conflitos e angústias subjacentes. Knobel (1999, p.60-62) enfatiza que o adolescente busca a sua identidade adulta; no entanto assinala a identidade não como fenômeno próprio apenas do adulto, mas que a cada momento do desenvolvimento o indivíduo tem uma identidade própria, fruto das identificações e experiências vitais (interação mundo interno-externo). Assim, a identidade adulta não é alcançada antes que o adolescente tenha elaborado o que chama de as três perdas fundamentais desse período evolutivo apresentadas por Aberastury.  A autora aponta como característica da adolescência a flutuação entre dependência e independência, período este permeado de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por “fricções com o meio familiar e social” (ABERASTURY, 1980, p.13).

Entende que são três os lutos fundamentais que o adolescente deve realizar para desprender-se do mundo infantil e enfrentar o mundo adulto: a) O luto pelo corpo infantil perdido, base biológica da adolescência, imposta ao indivíduo que, não poucas vezes, tem que sentir suas mudanças como algo externo, frente aos quais se encontra como um espectador impotente em relação ao que ocorre no seu próprio organismo. b)  Luto pelo papel e identidade infantis, que o obriga a uma renúncia da dependência e uma aceitação de responsabilidade que muitas vezes desconhece.
c) O luto pelos pais da infância, os quais persistentemente tenta reter na sua personalidade, procurando o refúgio e a proteção que eles significam. Esta situação se complica pela própria atitude dos pais, que também são obrigados a aceitar o seu envelhecimento assim como o fato de que seus filhos já não são mais crianças, mas adultos, ou então, em vias de sê-lo. A elaboração destes lutos, para Aberastury, se faz de forma lenta e dolorosa. Muitas vezes, para se defender desse processo, o adolescente recorre a mecanismos psicopáticos [1] de atuação, ou ainda, à intelectualização e à onipotência narcísica. Dessa forma, uma jovem ao vivenciar esses momentos críticos concomitantemente com a gravidez precoce, terá angústias e ansiedades exacerbadas e sua vulnerabilidade será maior. Essa situação poderá trazer sérios riscos, tanto para a gestante quanto para o feto em formação, o que poderá acarretar o aparecimento de fenômenos patogênicos na prole e na estrutura familiar, segundo ROMERA (1996).

Em nosso próximo encontro, estaremos prosseguindo o tema Gravidez na Adolescência.

Um forte abraço e até breve,

[1] Ver Adolescência e psicopatia – Luto pelo corpo, pela identidade e pelos pais infantil. In: ABERASTURY, A; KNOBEL, M., 1981, p.63-71

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