Palavras – chave: análise do discurso; psicanálise; moda; internet. …
Numa sala decorada, num prédio belíssimo e imponente numa das maiores cidades do mundo, New York, desenha-se a seguinte situação: duas assistentes e um costureiro fazem uma exposição das novas peças desenvolvidas por estilistas americanos para Miranda – presidente da maior revista de Moda do país – Runway- até que Andréa – nova secretária de Miranda – é interpelada por ter achado a situação cômica.
"É uma decisão difícil, são tão diferentes.
Andy começa a rir e Miranda diz:
-Algo engraçado?
-Não, não, nada. Só que os dois cintos me parecem idênticos. Ainda estou aprendendo essas coisas.
Miranda então sorri com ironia e diz:
-Essas coisas?
Entendi. Acha que isso nada tem a ver com sua vida. Você vai até o guarda roupa e escolhe esse suéter azul folgado para dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que veste. O que você não sabe é que esse suéter não é apenas azul. Nem turquesa. Nem lápis-lazúli. Na verdade, é cerúleo. E você não tem a menor noção que em 2002 Oscar de La Renta fez vestidos cerúleos e Yves Saint Laurent jaquetas militares cerúleas. E o cerúleo foi visto em oito coleções diferentes e acabou nas grandes lojas e, um tempo depois em alguma lojinha vagabunda onde você sem dúvida, o comprou numa liquidação. Esse azul representa milhões de dólares e vários empregos e é meio cômico que ache que sua escolha a isente da indústria da moda quando de fato usa um suéter que foi selecionado pelas pessoas daqui no meio de uma pilha de coisas."
Com base nessas conjecturas e – desejo antes ressaltar que não me proponho a receber nenhum título pela originalidade desta reflexão, mas hipotetizar como se dá a relação de um sujeito que procura uma sala de bate-papo para interagir com outras pessoas. Tentarei desenhar um percurso ou um lugar comum onde a moda, o narcisismo e internet se cruzam em seus discursos. Debruçada nas teorias sobre Análise do Discurso de matriz francesa e demais trabalhos acerca da moda, utilizarei o filme O Diabo Veste Prada para dar densidade a este artigo e comparar os discursos do sujeito/moda e digital.
A Tela e a Moda
Umas das abordagens para analisar a moda enquanto manifestação simbólica diz respeito ao caráter revelador desta segunda pele. De acordo com Pitombo (2007): A noção de que a roupa revela algo de íntimo e singular perpassa o imaginário de quase todos. O apropriar-se de determinados trajes funciona, em vários casos, como "falsificação" do "eu". Não se deixa ver o que se é, mas sim o que se gostaria de ser. Fabrica-se, desse modo, através do vestuário, um ser ideal, objeto de desejo que supostamente vai ser bem acolhido por todos.
Podemos inferir a net então como a second life. O sujeito que se relaciona através de uma tela com outra pessoa, pode também esconder sua verdadeira face. Ele só irá expor o que lhe for interessante ou “bonito” para ser mostrado. É interessante observar a materialidade em anexo de uma enquete feita no Yahoo Respostas – YR – sobre qual é a intenção de um indivíduo que entra numa sala de bate papo. A maioria das respostas define este sujeito como alguém que “tenta ser o que não é”, ou seja, alguém que se utilizando de uma “máscara” interage com outras pessoas mostrando somente aquilo que lhe agrada e que por conseqüência ele acha que agradará a outra pessoa. Essa relação se parece muito com uma relação de escopia. O sujeito procura pela visão de si mesmo, por seus iguais, só por aquilo que lhe dá prazer.
Desta forma podemos pensar numa fixação narcísica, tanto naquele indivíduo adepto das tendências da moda quanto do sujeito num chat. Rogério Luz em seu artigo sobre o narcisismo do espectador faz referência à psicanálise como sendo um recurso importante na elucidação e crítica das condições em que se dão os processos de subjetivação em nossa sociedade; em especial para uma estetização da vida cotidiana. (LUZ, 1993)
O narcisismo em questão não é o primário – O narcisismo nesse sentido não seria uma perversão, mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação, que, em certa medida, pode justificavelmente ser atribuído a toda criatura viva – (Freud, 1914), mas falamos de uma fixação patológica, de uma possível regressão a estágios mais primitivos que remontam a fases muito anteriores do desenvolvimento. O indivíduo então desinveste parcialmente seu interesse/libido do mundo externo. Toma de amor a si próprio. Ele é sua tela, ele é sua roupa. A esteticidade de nossa sociedade é gritante se observarmos o boom das grandes marcas – Adidas, Diesel, Forum, TNG, Colcci, Nike, Adidas, Umbro, Goóc, Lee, Dakota, Vizzano e demais grifes de roupas, calçados e acessórios, além do fenômeno fotolog, gigafoto e todos os programas desenvolvidos pela rede para que o sujeito possa cada vez mais possa blindar-se, mostrar–se , se expor.
Assim como Andréa no filme O Diabo Veste Prada, o sujeito inserido num chat tem apenas uma falsa promessa de neutralidade e de autoria.
A internet metamorfoseada numa nova Pasárgada vem tornando-se um lugar onde supostamente há leite e mel em abundância. Lá sou amigo do rei, tem-se a ilusão de um lugar seguro onde há a possibilidade – mesmo que ilusória – de ser o que não se é na vida real. A tela é um espelho de identificações, é a tela que sofre as marcas de um sujeito senhor de si e dono de sua liberdade. A solidão na tela, a dor na tela, e um sujeito supostamente isento de tudo isso sentado atrás de um personal computer.
A indumentária (roupa) existe quase que desde o surgimento do homem. Surgiu por necessidade de proteção e com o tempo adquiriu o poder de diferenciar os nobres dos plebeus. Arrisco dizer que a necessidade de proteção criou não apenas as roupas, mas também castelos de marfim onde as pessoas se trancafiaram a fim de se defenderem de um mundo cada vez mais competitivo e hostil. É importante observarmos que as condições de produção e de subjetivação de nossa sociedade estimulam um auto-investimento, um retraimento narcísico.
A moda poderia dar ao indivíduo maior singularidade e a internet pode promovê-lo a senhor de si. Supostamente livre na navegação o sujeito crê que está isento da influência de outras pessoas e a tela que se torna uma extensão de seu próprio corpo, entra e caminha por onde seu mouse e sua vontade o levam. Como o presente artigo fala sobre o discurso de um sujeito inserido nas malhas do digital, procurei para meu trabalho fontes eletrônicas e criei uma enquete no yahoo respostas para ouvir essa voz por trás da tela e o que pensam sobre a moda como discurso. Esta pesquisa de opinião é meramente ilustrativa não tendo cunho científico, mas que revela através de alguns discursos um possível interdiscurso, uma idéia comum a todos que foram subjetivados após a criação da moda e atualmente inseridos numa digitalidade. Segue algumas respostas para a pergunta:
Estou fazendo um trabalho e gostaria de saber o que é a moda e se ela pode ser uma forma de discurso:
1. Sem dúvidas, a moda é uma forma de comunicação porque nas roupas se encerram enunciados significativos (um enunciado nem sempre vem de uma proposição). Por outro lado, penso que a moda só serve, em última instância, para fomentar as técnicas capitalistas de consumo exacerbado!!!!
2. Hoje em dia moda é fundamental p/ as pessoas, pois através dela vc passa uma mensagem, vc diz quem vc é, qual a sua classe social e esta é a "senha" p/ entrar em alguns lugares. Ex: se vc não está vestido adequadamente e entrar em um lugar chic, as pessoas vão te olhar até vc se sentir bastante constrangido e ir embora.Se vc é negro e simplesmente põe um chinelo e um short e anda por aí já pode ser confundido c/ um marginal;se a mulher for muito bonita e chamar atenção e por uma roupa justa ou decotada, pode ser confundida c/ garota de programa.Enfim, através da roupa as pessoas julgam e são julgadas, infelizmente isso faz parte dessa sociedade consumista e burra q vive de estereótipos.
3. Com certeza!!!Veja o exemplo dos modelos Adriana Lima e Jesus Copyright; em pleno ano em que a religião está em alta no Brasil, eles declararam para veículos da mídia que são virgens!! Já há quem aposte que essa é a nova tendência, pelo simples fato de que está sendo feito um trabalho muito grande com a meninada modelo de 13, 14 anos pra valorizarem mais o interior que o resto, e mesmo porque o ultra celebridade Al Gore(porta-voz das mudanças pela qual o mundo está passando devido ao estilo de vida moderno) encontrou-se com o J. Copyright(que deu uma entrevista ao jornalzinho da São Paulo Fashion Week e aparece só de cuecas, pra vc ver que as roupas mesmo, nem fizeram falta!!).
Como podemos observar nas respostas acima, a moda pode ser tratada como um discurso além de estar associada à estética. As formas discursivas acompanham as ideologias de cada cultura e época, por exemplo, a ditadura da magreza na moda institui novas formações e sintomas como os transtornos alimentares. Este aspecto será abordado com a profundidade que merece em um trabalho posterior.
A Promessa
Essa forma/ sujeito na moda e na internet está inscrito em uma formação discursiva correspondente historicamente ao capitalismo, à era digital, narcísica e consumista que é a que vivemos atualmente século XXI. Os meios de produção globalizados permitem hoje que um habitante da Síria vista um traje brasileiro e vice-versa assim como o primeiro pode ser subjetivado da mesma forma que o segundo, pois com a tecnologia de massa, a internet e a globalização houve um romper de fronteiras.
O que este trabalho propôs discutir então é: existirá a neutralidade e a liberdade na internet? Seria a internet um lugar seguro onde eu poderia gozar plenamente a satisfação dos meus desejos sem a interferência de um Outro que me diz o que fazer? Seria um território sem fronteiras?
Diante disso e sem a pretensão de concluir algo sobre, creio que poderemos chegar a algumas possíveis respostas.
O sujeito inserido na internet, numa sala de bate papo, tem sim uma ilusão de liberdade já que para entrar na sala, ele não encontrou ninguém, está sozinho em seu quarto (geralmente onde ficam os personal computer), ele pode escolher a sala que mais se encaixa em seu perfil. Pode se auto nomear e trocar de nome tantas vezes quanto queira, enfim, ele pode fantasiar a liberdade e a autonomia que tem. Porém o que observamos é que tanto a internet quanto moda, são invenções de um Outro que pode não estar visível, pode não ser facilmente reconhecido, mas ele está ali. Está presente na ordem da cultura, da língua, do programa e da roupa que foram criados por um outro. E como diz Zeca Baleiro: pra deitar na minha cama tem que passar pela sala.
Este Outro é quem traça os caminhos a serem percorridos. Existe uma liberdade atrelada à voz do Outro, é preciso escolher numa sala se você vai entrar ou espiar, não se pode ficar à deriva. Talvez essa ilusão venha do fato do indivíduo estar sozinho atrás de um computador e desta forma não acredite na presença de um outro que ele não vê. Pois é aí que está um grande trunfo da internet: por estar camuflado numa Pasárgada o sujeito se sente o próprio Rei, comandante de seu navio e imune a tudo que ele joga pra tela. Na tela ele pode se apropriar de um dizer e assinar seu nome em baixo, pode transformar a língua, pode se auto nomear, pode expor só o belo que tem em si – sim ele pode fazer tudo isso. Porém ele não pode negar que está tão alienado quanto Andréa na cena do filme achando que seu suéter azul cerúleo nada tem a ver com a moda e com a interferência de um Outro.
Assim como a moda discursa, a sala de bate papo também nos remete a um lugar de não neutralidade. Estamos todos assujeitados pelas mesmas condições de produção. Tanto quem não segue a moda quanto quem não acessa a internet também discursam sobre o não estar incluído na tendência. O calar também comunica. Desta forma encerro o trabalho com esta premissa: não há como escapar do Outro, embora aja muitas promessas como a da moda de ser exclusivo e a da internet de ser livre, nós só existimos engajados num discurso que já existe.
Esse esquecimento, essa ilusão de ser o único a se vestir de tal forma ou de ser o dono de seu percurso na rede reflete segundo (Orlandi, 1999): o sonho adâmico de estar na inicial absoluta da linguagem, ser o primeiro homem dizendo as primeiras palavras que significariam apenas e exatamente o que queremos, ou seja, é apenas uma promessa.
Referências bibliográficas:
LUZ, Rogério. Visibilidade e olhar Narcísico. Rio de Janeiro, 1993.
PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso. Editora da Unicamp. 1.998 ORLANDI, Eni. Análise do Discurso. Princípios e Procedimentos. Pontes; 1999, PITOMBO, Renata. A Moda enquanto Manifestação Simbólica. 2007. Disponível em: > http://www.facom.ufba.br/sentido/moda.html#A%20Moda…< Acesso em: 20 junho. 2007.
FREUD, Sigmund. Obras completas-Edição Eletrônica Brasileira. 1996.
Anexos
ENQUETES DO YAHOO Qual é a INTENÇÃO de uma pessoa que entra numa sala de bate papo?
Disponível em: http://br.answers.yahoo.com/question/index;_ylt=AqELmboMQiSp46UV1UjT3evx6gt.?qid=20070505114400AAgtC7t
Em sua opinião pra que serve a moda, as roupas?
Estou fazendo um trabalho e gostaria de saber se a moda é tb uma forma de discurso…
Disponível em: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070619065112AAJ4VFN