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Qualidade de Vida Trans-sustentável

Refletir sobre qualidade de vida não é tarefa fácil diante da panacéia de conhecimentos que proliferam nos dias atuais. É preciso fazer uma opção. Assim iniciarei essa reflexão com uma breve consideração sobre a falta de qualidade de vida que vivemos no presente diante da ilusão de que muito trabalho é sinônimo de produtividade.
Resumo

A reflexão sobre qualidade de vida é inicialmente abordada a partir da tensão gerada pelos pólos ciência-religião. A Visão Integral e, sobretudo a Transdisciplinaridade de onde emergem as Psicologias Transpessoais, pode contribuir para a integração de conhecimentos possibilitando uma compreensão da realidade de forma mais integrativa, de modo que uma vida com qualidade possa ser compreendida como uma ação de autoconhecimento que viabiliza a sustentabilidade. Dentre as técnicas transpessoais de autoconhecimento destaca-se a título introdutório a Dança Circular Sagrada e o Jogo da Transformação.

Palavras-chaves:
qualidade de vida, autoconhecimento, transdisciplinaridade, psicologia transpessoal, jogo da transformação, danças circulares sagradas.

Apresentação

Refletir sobre qualidade de vida não é tarefa fácil diante da panacéia de conhecimentos que proliferam nos dias atuais. É preciso fazer uma opção. Assim iniciarei essa reflexão com uma breve consideração sobre a falta de qualidade de vida que vivemos no presente diante da ilusão de que muito trabalho é sinônimo de produtividade. Em seguida, à luz de Ken Wilber, apresento uma análise de duas forças que procuram explicar a realidade, ciência e religião, e que contribuíram, e ainda contribuem, positiva e negativamente, para o atual status quo da qualidade de vida. Por fim, apresento a transdisciplinaridade, a partir da perspectiva de Basarab Nicolescu, como abordagem científica que procura conciliar saberes contribuindo de forma integrativa para a compreensão da realidade de forma abrangente, a partir da qual podem emergir Psicologias Transpessoais que, enquanto disciplina, possibilita o autoconhecimento contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida.

1. Qualidade de Vida: Presente e Futuro

“Perguntaram ao Dalai Lama…   O que mais te surpreende na humanidade? Ele respondeu: Os homens…Primeiro perdem a saúde para ganhar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… e morrem como se nunca tivessem vivido." 

Esse pensamento do Dalai Lama reproduz com clareza o contexto do estresse que vivemos nos dias atuais, pois no mundo competitivo vigora a crença tácita de que é produtivo aquele que trabalha “muito e de forma incessante”. Já dizia Domenico de Masi com sua proposta de Ócio Criativo “que as empresas e as instituições ainda não descobriram o modelo motivacional de incentivo ao trabalho, tudo ainda está muito baseado no controle”.  É fundamental que descubramos que o prazer pode e deve estar associado à ação profissional, mas esta não pode ser a única atividade da vida sob a pena de nos tornarmos workaholic. Não há necessidade de dissociação entre essas coisas, daí a importância de refletirmos e, sobretudo de “vivermos” com qualidade de vida. Trata de algo que está além da reflexão, encontrando-se efetivamente no campo da ação. Portanto, embora partindo da reflexão a idéia é que esse texto possa contribuir para que as pessoas partam para uma ação transformadora e efetiva de modo que as coisas da cabeça, da reflexão, se unam às coisas do coração e se transformem em qualidade de vida.
   
É importante pensarmos o futuro? Claro que sim. Todavia esse “pensar” deve ser impregnado de presente. Presente, aliás, como bem diz o termo, uma dádiva da vida e absolutamente fugaz… Viu? Já se tornou passado… Trata-se, entretanto, da única coisa que existe. O passado já foi, o futuro virá,  o presente, portanto, é a única coisa que de fato existe.
   
O presente nos remete à realidade. Quando paramos para repensar a vida, é quase impossível não considerar como a realidade se configurou nesse presente em que se vive de forma tão ansiosa. Assim, torna-se obrigatório, ainda que se faça isso de forma breve, refletir sobre duas instâncias fundamentais na história do homem e que interferiram, e interferem, na constituição do presente. São elas a Ciência e a Religião, e para isso vou recorrer-se a algumas considerações de Ken Wilber.

2. Ciência e Religião: duas formas de compreensão da Realidade

Durante a maior parte da história do homem a compreensão da realidade estava impregnada de espiritualidade. No passado, a realidade era compreendida a partir da Grande Cadeia do Ser. Uma estrutura multidimensional concêntrica, composta por níveis, onde níveis de realidade superiores abarcavam e continham níveis de realidade inferiores numa grande hierarquia. Essa estrutura podia ser compreendida em seus diferentes matizes, dependendo da escola, religião ou tradição que a abordasse.
   
Era possível divisar, por exemplo, pelo menos cinco níveis de realidade ou dimensões que a contemplavam: (1) o do Sagrado elemento não-dual intocável, do qual emanava o (2) Nível Espiritual (o sagrado revelado) que podia ser compreendido pela dimensão mística e que foi e é amplamente explorado pelas religiões,  que continha o (3) Nível Mental que podia ser compreendido pela dimensão racional, que continha o (4) Nível Emocional que podia ser compreendido pela dimensão psicológica, que continha o (5) Nível Físico que podia ser compreendido pela dimensão material química, física e biológica.
   
Concepções dessa natureza existiam (e ainda existem) em várias tradições (religiões). Nesta perspectiva, portanto, a realidade era uma densificação de uma energia mais sutil: a energia do Sagrado que era reverenciada. Tratava-se de um conhecimento profundo, bastante respeitado, uma vez que vigorava um pluralismo epistemológico significando que as diferentes escolas ou “disciplinas” que sondavam a Grande Cadeia do Ser produziam conhecimentos que eram considerados relevantes. Essa sondagem se dava de forma empírica, por meio da experimentação, e os conhecimentos obtidos eram sistematizados na forma Sabedoria por meio da Arte, da Ciência e da Religião.
   
Embora vigorasse um pluralismo epistemológico significando que todas as itescolas que sondavam a Grande Cadeia produziram conhecimentos considerados relevantes, havia também uma constante invasão de uma esfera pela outra, por exemplo, a ciência invadia o campo da religião e vice-versa. Situações dessa natureza quase levaram Galileu para a fogueira. É importante ressaltar, todavia, que inicialmente a esfera que mais invadiu o campo das demais criando um verdadeiro paradigma a seu favor, foi a esfera religiosa, sobretudo depois da instituição de religiões globalizadas como, por exemplo, quando o Cristianismo foi adotado como religião oficial do Império Romano no século IV.
     
A modernidade que se inicia por volta do ano 1600 trouxe uma grande contribuição para clarear a relação existente entre esses “saberes”, entre as esferas do conhecimento, estabelecendo a diferenciação dos “Três Grandes” o Bom, a Verdade e o Belo. O Bom ficou a cargo da Religião (ou das Tradições), o Belo a cargo das Artes e a Verdade a cargo da Ciência. Essa diferenciação permitiu significativos avanços na sondagem empírica da realidade, ou da Grande Cadeia do Ser, quando foi possível uma exploração com total liberdade. Foi no esteio dessa diferenciação que surgiram as democracias, a escravidão foi abolida e a medicina obteve inúmeros avanços.    
   
As dimensões do Bom e do Belo podem ser compreendidas como dimensões subjetivas que se manifestam de forma particular ou regional muito influenciadas pela cultura. Talvez pudéssemos dizer,  usando o jargão popular,  que “gosto não se discute”. Já a dimensão da Verdade é uma dimensão objetiva que deve ser validada em qualquer parte independente da cultura tornando-se, portanto, global. Essa característica de globalidade da ciência levou-a a exercer sobre as demais, uma espécie de dominação muito semelhante a que foi exercida pela religião antes desta.  Com a ênfase na especialização dos conhecimentos, com o passar do tempo e, de forma bastante rápida, a diferenciação dialogal foi cedendo lugar a uma dissolução reducionista, ou seja, o pluralismo epistemológico foi sendo substituído por um monismo lógico dominado pelo conhecimento científico que começou a reduzir à sondagem da realidade apenas aquilo que podia ser objetivamente comprovado dentro de um empirismo sensório-motor. Isso levou à fragmentação do conhecimento surgindo, então, o cientificismo que passou a vigorar globalmente em função dessa característica inerente à ciência.
   
Quando a ciência materialista conseguiu provar que os processos anímicos ou espirituais encontravam ressonância no nível cerebral, esse foi o golpe derradeiro, e a Grande Cadeia do Ser que foi definitivamente abandonada dissolvendo-se por completo o pluralismo epistemológico que vigorava. Assim, tanto o Belo quanto o Bom foram abandonados como instâncias que explicavam a realidade em detrimento da objetividade da Verdade. Portanto, apenas a ciência materialista passou a ser capaz de explicar a realidade.
   
Essa dessacralização da realidade gerou um profundo antagonismo entre a ciência e a espiritualidade (tradição, religião), principalmente entre as grandes religiões instituídas. E teóricos de grande relevância como Freud, Marx, entre outros, formularam teorias que negavam a existência do Sagrado ou do Espírito afirmando que tais perspectivas refletiam um momento que pertencia à infância da humanidade. Evidentemente a religião, a tradição e a arte continuaram a explorar o grande ninho, mas mesmos elas terminaram por perder a comunicação entre si em nome de um boom de especializações disciplinares que se sucedeu.
   
A dissolução promoveu, por assim dizer, um isolamento dos saberes conhecido como especialização que, por sua vez promoveu muitos avanço para a ciência. Houve um aumento da expectativa de vida, ou seja, o homem passou a viver mais e com mais conforto, pois a mortalidade infantil diminuiu. Entretanto a exploração desenfreada dos recursos naturais começou a levar o homem a uma encruzilhada, com esgotamento destes e a saturação da capacidade de reciclagem do planeta, de modo que a continuidade da própria humanidade hoje está ameaçada.
   
Ao final do período moderno chegou-se a um impasse entre a Ciência e a Espiritualidade. Esse impasse pode ser compreendido por cinco posturas descritas por Wilber (1998): (1) A ciência nega qualquer validade à religião e à tradição.  (2) A religião ou tradição nega qualquer validade à ciência. (3) A ciência é apenas uma das diversas modalidades válidas de conhecimento. (4) Dentro da ciência pode se encontrar argumentos plausíveis para a explicação do Espírito e do Sagrado. (5) A ciência, ou a Verdade não existe, o que existe são apenas interpretações.


3. Transdisciplinaridade e Qualidade de Vida Sustentável

   
Muitos aspectos da modernidade continuam presentes em nossos dias, que são por alguns denominados de pós-modernidade. Dentro das assim chamadas correntes pós-modernas começam a surgir movimentos que apresentaram consistência epistemológica e passaram a ganhar credibilidade na comunidade científica. Dentre eles destacam-se a Transdisciplinaridade e a Visão Integral.    
A Transdisciplinaridade teve seu início formal com Piaget e Edgar Morin nos anos 1970. Como uma abordagem científica, considera que existem verdades intrínsecas ao estudo disciplinar; que existem verdades intrínsecas ao estudo entre as disciplinas, portanto interdisciplinar; e que existem verdades para além das disciplinas, portanto transdisciplinar.
   
O objetivo da transdisciplinaridade “é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é unidade do conhecimento” (NICOLESCU, 1999, pág. 46), ou seja, todas as a instâncias do saber devem ser valorizadas.
   
Assim como a observação dos fenômenos anímicos ao nível sensório-motor solapou a exploração da Grande Cadeia do Ser, na pós-modernidade houve também um evento que solapou as bases do cientificismo. Isso se deu quando o nível quântico foi descortinado frente aos olhos perplexos dos cientistas, pois como se sabe o objeto quântico, o quantum “é e não é” simultaneamente. Ou seja, no nível quântico o princípio da identidade da lógica clássica que afirma que “A é igual A” não tem qualquer validade, pois o quantum ora se manifesta como onda (energia), ora se manifesta como corpo (partícula) de forma “imprevisível” (incerta). Seria o equivalente a afirmar-se que “A é igual não-A”. Esse fato levou Werner Heisenberg a formular o “Princípio da Incerteza” que evidentemente se contrapõe ao “Princípio da Identidade”.
   
Este fato possibilitou aos cientistas a considerarem que, assim como existe o nível macro físico e o nível quântico, existem outros níveis de realidade remetendo-os, por assim dizer, à Grande Cadeia do Ser da pré-modernidade abrindo o campo para o resgate da unidade do conhecimento ou do pluralismo epistemológico e o resgate do Sagrado.
   
A transdisciplinaridade segundo Nicolescu (2005) reconhece três eixos axiomáticos através dos quais pauta suas pesquisas, sendo eles:

a) O Eixo Ontológico: Há na natureza e no conhecimento da natureza diferentes Níveis de Realidade e conseqüentemente diferentes níveis de percepção da realidade.

b) O Eixo Lógico: A passagem de um Nível para outro só é apreensível por meio da lógica do terceiro incluído.

c) O Eixo Complexo: A estrutura total dos Níveis de Realidade e de percepção é uma estrutura complexa, onde cada nível é o que é porque todos os Níveis existem ao mesmo tempo.
   
Desde os anos 1970 o movimento transdisciplinar foi se estruturando em importantes eventos científicos realizados na Europa. Em 1994 aconteceu aquele que foi sem dúvida o mais relevante o  “I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade”, ocorrido em Arábida, Portugal, quando se formulou a Carta da Transdisciplinaridade.
   
Apresento a seguir quatro artigos desta Carta que considero particularmente relevantes para essa análise:

Artigo 8:

A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O surgimento do ser humano sobre a Terra é uma das etapas da história do Universo.

Este artigo, por exemplo, resgata uma dimensão que as tradições nativas sempre prezaram muito, ou seja, a de que o ser humano pertence ao planeta e não o contrário. James Lovelock notório descobridor de formas de medição dos efeitos do gás CFC na camada de ozônio e polêmico por formular a “Teoria de Gaia” afirma que o planeta é um organismo capaz de auto-regulação, portanto, neste contexto o ser humano é apenas um dos elementos de uma grande teia cósmica.

Artigo 9:

A transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta com respeito aos mitos, às religiões e àqueles que os respeitam em um espírito transdisciplinar.

Este artigo ressalta a importância dos saberes preconizados pelas religiões valorizando a diversidade do conhecimento religioso. O espírito transdisciplinar, entretanto, é totalmente avesso ao fundamentalismo religioso, entendendo-o como amplamente nocivo e perigoso ao desenvolvimento humano.

Artigo 10:

Não existe um lugar cultural privilegiado de onde se possam julgar as outras culturas. O movimento transdisciplinar é em si transcultural.

Esse artigo é de extrema importância para re-significar o papel da cultura ocidental, desmistificando o fato de que evolução tecnológica seja sinônima de evolução cultural. Isso não significa que as outras culturas não possam ter acesso aos benefícios do desenvolvimento tecnológico, significa, por exemplo, que o acesso à tecnologia possa ocorrer sem a descaracterização cultural.

Artigo 11:

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.
      
Este artigo estabelece as bases para que seja retomado o pluralismo epistemológico minimizando os efeitos do reducionismo ao nível lógico-epistêmico do cientificismo clássico.
   
Todas essas questões levam à melhoria da qualidade de vida, e além disso indicam um caminho para que se retome uma qualidade de vida com sustentabilidade, pois não basta apenas ter qualidade de vida é preciso que ela seja durável, sustentável, perene. Neste sentido,  a busca pela qualidade de vida pode exigir ações corajosas de revisão de perspectivas pessoais e sociais que se contraponham ao consumo desenfreado muitas vezes compreendido como promotor de qualidade de vida.

4. Personalidade Transpessoal: Uma busca pela Integração

Todas as questões levantadas nos itens anteriores nos levam a revisão do papel da psique humana na busca da qualidade de vida e as Psicologias Transpessoais mostram-se muito úteis neste sentido, pois procuram conferir à Psicologia uma unicidade de conhecimentos. Tais psicologias (re)afirmam a dimensão espiritual dos seres humanos que decorrem de uma visão que contempla a Grande Cadeia do Ser.
   
Assim a personalidade humana pode ser entendida como estruturando-se num continum de diferenciação de a partir de uma energia mais sutil que pode ser denominada Deus, o Sagrado, o Divino etc. Cada ser humano, neste sentido, possuiria algo de divino em si, uma “centelha divina”.
   
Essa dimensão espiritual pode ser contemplada na vida humana por meio de uma prática religiosa de qualquer natureza. Todas as religiões possuem valores que do ponto de vista transcultural são universais, pois normalmente enfatizam o respeito à vida e aos seres humanos. As religiões diferem muito entre si, visto que representam uma dimensão do Bom circunscrita regionalmente, portanto revestidas de concepções mito-simbólicas distintas localmente, porém, segundo Wilber, elas se encontram no nível contemplativo.
   
A dimensão espiritual da personalidade humana é, evidentemente supra-regional, portanto transpessoal. Uma das formas de compreender esse elemento transcendente pode nos direcionar para a Psicologia Junguiana.  Nesse sentido, podemos afirmar que a personalidade, o “Eu”,  possui dois núcleos sendo  um mais interior denominado Self, que reúne todas as potencialidades que um ser humano possa vir a ser seja do ponto de vista, biológico, psicológico, social ou espiritual.

Por sua vez, essa dimensão potencial foi bastante explorada pelas Psicologias Existencialistas dentre as quais destacamos a compreensão Rogeriana. Desta forma, as potencialidades precisam ser atualizadas e isso se faz por meio da energia que circula entre a instância mais interior da personalidade, o Self, e sua contraparte mais exterior o Ego. O Ego é a dimensão mais exterior do “Eu” e poderia ser denominado de Eu Exterior se o quisermos.  Esta dimensão do “Eu” é, entretanto, extremamente susceptível a todos os tipos condicionamento e, neste sentido, pode ocorrer a perda do contato com sua instância mais interior, o Self, produzindo incongruência, dor e sofrimento psicológico.  Esta dimensão da personalidade foi muito explorada pelas Psicologias Comportamentais.
   
Como se vê a compreensão transpessoal da personalidade procura coadunar diferentes escolas psicológicas promovendo uma psicologia mais integrativa ou unívoca.
   
As psicologias transpessoais tendem a compreender a dinâmica do “Eu” como um fluir de energia psíquica entre o Self (potencial) e o Ego (existencial). Este fluir visa à atualização dos potenciais inerentes que, entretanto pode ser bloqueado pelas contingências comportamentais (existenciais) o que gera dor e bloqueios psicológicos.    
   
O potencial do Self tem uma necessidade constante de atualização. Essa necessidade, porém, não é uma força pujante, ao contrário, é muito susceptível ao ambiente exterior, sendo facilmente embotada. Todavia é perene, está sempre presente buscando uma oportunidade para se manifestar.    

Quando os conflitos são muitos o Self e o Ego entram em desalinhamento entre si, ou seja, ficam incongruentes, isso promove o sofrimento e a dor psicológica e logicamente a vida perde qualidade. Quando, porém consegue-se que essa energia flua de maneira adequada,  há o encontro e a realização pessoal acontece,  e a vida certamente apresenta-se com mais qualidade. São aqueles momentos em que sentimos que estamos no lugar certo na hora certa, quando encontramos grande prazer em tudo que se fazemos, quando nossa vida tem efetivamente qualidade e o trabalho torna-se um prazer.

5.Técnicas Transpessoais para Promoção da Atualização de Potenciais

A partir do referencial aqui apresentado acredito que a promoção da qualidade de vida passe pelo autoconhecimento, pois este possibilita um descortinar e atualizar de potenciais do Self. Quando assim procedemos de forma sustentável, o ato de viver torna-se mais interessante.   
   
Há inúmeras técnicas que podem favorecer a atualização de potenciais. Dentro das perspectivas transdisciplinares apresentadas no 11º artigo da Carta da Transdisciplinaridade, que enfatiza o valor do corpo e da intuição, vou apresentar duas pouco conhecidas no campo da Psicologia, situadas na Psicologia Transpessoal: As Danças Circulares Sagradas e o Jogo da Transformação, ambos com raízes na Comunidade escocesa Findhorn Foundation e amplamente estudas por este autor.
   
Danças Circulares Sagradas são danças de roda de diversos países do mundo consideradas sagradas por conterem elementos que transcendem as culturas onde surgiram promovendo a integração corpo-mente-espírito.     Enquanto prática tradicional é impregnada pelo elemento cultural difundido nas culturas onde surgiram numa formação complexa denominada Canto-Dança-Oração (BERNI, 2002). Enquanto técnica transpessoal, são carregadas de elementos arquetípicos e promoverem estados alterados de consciência de modo que os participantes sentem-se mais próximos a si mesmos sendo capazes de descortinar potenciais e identificar bloqueios de modo que se tornam mais competentes em melhorar sua qualidade de vida.
   
Do ponto de vista da dinâmica psicológica essas danças facilitam a abertura dos canais de circulação da energia psíquica entre o Self e Ego, ora agindo de dentro para fora, num eixo extroversor, ora agindo fora para dentro num eixo introversor.
   
O Jogo da Transformação, por sua vez, é um instrumento psico-espiritual (BERNI, 2008) que possibilita uma sondagem intuitiva da psique. Desenvolvido ao longo de um período de dez anos por Joy Drake e Kathy Tayler enquanto viviam na Comunidade de Findhorn, traz um conjunto arquetípico de informações sobre os relacionamentos humanos e sobre a dinâmica psicológica possibilitando aos participantes, de forma intuitiva e lúdica, um descortinar de informações sobre si e sobre o outro possibilitando uma leitura transpessoal de formas de resolução de conflitos.    
   
Ambas as técnicas podem ser utilizadas de forma complementar entre si promovendo condições para melhoria da qualidade de vida. Com as danças promove-se um desbloqueio corporal de couraças que podem estar impedindo um fluir da energia psíquica ao nível corporal. Com o jogo o intelecto é acionado a fazer associações livres de modo a favorecer o autoconhecimento.

Conclusão: Por uma Qualidade de Vida numa perspectiva Trans
   
Qualidade de Vida deve ser uma busca pessoal e constante que passa necessariamente por escolhas conscientes que o homem é capaz de realizar passando pelas dimensões de autoconhecimento. Deve partir sempre do presente e garantir um futuro sustentá
vel.
   
Na atualidade, as dificuldades enfrentadas pelos seres humanos em gerir suas vidas com qualidade é um reflexo de como a realidade é compreendida e vivenciada por eles. Isso nos remete aos dois modos aparentemente antagônicos de considerar a vida – o científico e o religioso. Pode-se afirmar que, individualmente, nenhuma dessas maneiras de compreensão da realidade (ciência e religião) tem levado o homem a avanços sustentáveis.    
   
Nos últimos séculos a ciência tem possibilitado ao homem uma vida mais longa e mais confortável, tanto que a expectativa de vida cresceu. Entretanto aumentaram os bolsões de pobreza e a desigualdade ainda vigora de forma global e assustadora, “poucos acumulam muito e muitos são aqueles que muito pouco têm”. A natureza e o planeta estão ameaçados, pois seus recursos são usados de forma abusiva, neste sentido a vida humana está ameaçada. Isso é viver como qualidade? Acredito que não.
   
Abordagens científicas como a Transdisciplinaridade e a Visão Integral vêm trazendo de forma consistente uma revisão dos paradigmas sobre os quais se fundamenta a visão contemporânea, ou pós-moderna de realidade possibilitando novas formas de compreensão do humano que contemplam a ciência e a transcendência simultaneamente, e portanto nos remetendo a possibilidades transdisciplinares, transpessoais e integrais de compreensão da vida e do humano. Tais compreensões têm se mostrado altamente integrativas e capazes de conciliar saberes de modo que os seres humanos possam rever suas perspectivas de vida e vislumbrar um futuro pessoal e coletivo com sustentabilidade.
   
No esteio dessas reflexões,  muitas técnicas podem ser utilizadas para promover estados intuitivos e de transcendência, de modo que as pessoas possam se conhecer melhor e atualizar seus potenciais. Dois exemplos são as Danças Circulares Sagradas e o Jogo da Transformação, ambos desenvolvidos na Comunidade de Findhorn. Evidentemente esses são apenas dois exemplos, pois existem muitas outras técnicas a disposição das pessoas nesses tempos de aldeia global.
   
O que é verdadeiramente importante é que as pessoas busquem o autoconhecimento utilizando-se tanto de seus referenciais mentais, emocionais, corporais quanto dos espirituais, para vivenciar o presente e construir um futuro sustentável.
   
Assim finalizo esta reflexão parafraseando os escritos sobre o templo de Apolo em Delfos, na Antiga Grécia: “Conhece-te a ti mesmo, e ganhes Qualidade de Vida de forma sustentável”.

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Bibliografia:

BERNI, Luiz E. V. “Self-Empowerment – Jornada de Transformação: Um Método Transpessoal de Personal Coching pela Internet”, tese de doutorado, IPUSP, 2008. 240p.

_____. A Dança Circular Sagrada e o Sagrado: Um estudo exploratório das relações históricas e práticas de um movimento New Age, em busca de seus aspectos numinosos e hierofanicos. Dissertação de mestrado, PUC-SP, 2002, 240p.

_____. “Danças Circulares Sagradas: Um resgate contemporâneo da dimensão religiosa do ser humano” Ultimo Andar Caderno de Pesquisa em Ciência da Religião, São Paulo (5), 105-112, nov. 2001.
 
MASI, Domenico de. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. 328p.

MORIN, E. Complexidade e Transdisciplinaridade. Natal: EDUFRN, 1999. 56p.

NICOLESCU, B. “Transdisciplarity Past, Present and Future” – II Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Vila Velha, SC, 2005. disponível em www.cetrans.com.br

_____. Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999. 247p.

WILBER, Ken. A União da Alma e dos Sentidos. São Paulo: Cultrix, 1998. 166p.

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