O comportamento é uma matéria difícil, não porque seja inacessível, mas porque é extremamente complexo. Desde que é um processo, e não uma coisa, não pode ser facilmente imobilizado para observação.
É mutável, fluido e evanescente, e, por esta razão, faz grandes exigências técnicas da engenhosidade e energia do cientista. Contudo, não há nada essencialmente insolúvel nos problemas que surgem deste fato. (p. 27)
Os avanços obtidos nas técnicas de estudo do cérebro humano são uma ferramenta importante na obtenção de conhecimento sobre como nós, seres humanos, nos constituímos. Porém, sem uma ciência do comportamento com sólidos pressupostos teóricos e técnicas de observação e alteração do comportamento validadas empiricamente, o conhecimento produzido pela Neurologia per se não permite vislumbrar muitas possibilidades de alteração do comportamento, além daquelas geradas pela farmacologia e cirurgias cerebrais.
Nesse sentido cabe ao profissional da Psicologia produzir o conhecimento necessário dos mecanismos do comportamento humano para que, junto ao tratamento medicamentoso quando necessário, possa produzir alterações significativas na vida dos indivíduos.
Todavia, não deve ser o objetivo último de uma ciência do comportamento se fundir à Neurologia, ou ser um mero apêndice desta. Sua função deve ser produzir conhecimento sobre os mecanismos fundamentais do comportamento humano, para que aliado à forma como o cérebro se organiza e funciona, possam gerar uma visão mais total do ser humano, não compartimentalizada em duas áreas do saber sem diálogo.
Cabe a Psicologia estudar o comportamento, e cabe a Neurologia estudar as bases fisiológicas deste comportamento estudado pela Psicologia. Uma não existe sem a outra, uma vez que o comportamento não ocorre sem uma base fisiológica e as funções do cérebro só se tornam visíveis através do comportamento.
A distinção entre os conhecimentos produzidos pela Neurologia e pela Psicologia muitas vezes se confunde na linguagem popular, como assinala Skinner:
O leigo usa o sistema nervoso como uma explicação imediata do comportamento. A língua inglesa contém centenas de expressões que implicam a mencionada relação causal. Na descrição de um longo julgamento lemos que, ao final, o júri mostrou sinais de “fadiga mental”, que os “nervos” do acusado “estavam à flor da pele”, que a esposa do acusado está beira de um “colapso nervoso”, e que o advogado não teve “miolos” para debater com o promotor. É óbvio que não se fez nenhuma observação direta do sistema nervoso de qualquer dessas pessoas. Seus “miolos” e “nervos” foram inventados no calor do momento para dar mais substância àquilo que de outra forma seria um relato superficial do comportamento. (p. 38, 1953)
Assim, o objetivo desta série de artigos é estabelecer um diálogo entre a Psicologia e a Neurologia, representadas por Skinner e Sacks, sem cometer o erro de se misturar os conhecimentos produzidos por essas duas ciências de forma leviana e não científica.
Os próximos artigos abordarão afecções cerebrais e suas conseqüências no comportamento do indivíduo, assim como o ambiente em que o indivíduo se encontra pode influir na forma como o cérebro se organiza.
Referências
SACKS, Oliver. Enxaqueca. Companhia as Letras, 1970.
SACKS, Oliver. Tempo de despertar. Companhia das Letras, 1973.
SACKS, Oliver. Com uma perna só. Companhia das Letras, 1984.
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu.
Companhia das Letras, 1985.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Companhia das Letras, 1989.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. Companhia das Letras, 1995.
SACKS, Oliver. A ilha dos daltônicos. Companhia das Letras, 1997.
SACKS, Oliver. Tio Tungstênio: memórias de uma infância química. Companhia das Letras, 2001.
SACKS, Oliver. Alucinações Musicais. Companhia das Letras, 2007.
SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e Comportamento Humano. The Macmillan Company, 1953.