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Copa do Mundo – As competições que mobilizam a massa

“Hoje quem não cantaria
Grita a poesia
E bate o pé no chão!”

Muitos ainda acreditam que eventos como Olimpíadas e Copa do Mundo são “o ópio do povo”, que despolitizam e desmobilizam energias que deveriam ser aplicadas em lutas mais importantes. Proponho, aqui, uma reflexão a respeito, um outro olhar, apenas como exercício de curiosidade, apenas como pensar, o mesmo, sob outra ótica. Nem mais certa, e nem menos certa que todas as outras, talvez, complementar.

Sempre achei interessante ver o nervosismo, a alegria e festa que envolve a todos na época desses eventos, mesmo os que dizem não gostar desses eventos, acabam  ligando-se  a eles pelo sentimento contrário, então devemos pensar que mobilizam energias coletivas e individuais.

Vamos olhando à distância, um certo alheamento, até que começa e ouvimos o silêncio que antecede o gol, aquela pausa uníssona no respirar e a explosão em gritos, buzinas e pipocar de fogos. O grito pula da garganta, vemo-nos ali, olhos brilhantes, como se realmente nossa vida se resumisse àquele gol. E, talvez, se resuma mesmo, pelo menos naquilo que veremos nela como essencial, nesse sentimento sem nome que nos une a todos por um fio invisível, torcemos em torno de um único ideal, muito próximo daquilo que Freud nomeou de “ideal do ego”. Ah, cobríssemos toda a humanidade naquele grito, naquele olhar, naquele som combinado que todos os ruídos fazem, canção da humanidade! “Canto uma canção que agüente essa palavra gente, bate o pé no chão…E hoje quem não cantaria…

Não há homem, não há mulher, não há criança, velho, novo, pobre, rico…o que temos são olhares perdidos na mesma direção, o mesmo pulsar e penar. Sentar-se na arquibancada de um estádio e comemorar o gol do seu time, naquele balançar e tremor que acontece, que simplesmente acontece, na hora que aquela coisa redondinha balança a rede do adversário. Ah que emoção que liga, que grita, que explode. Lançamos o olhar na direção contrária, o outro grupo, de outra cor, faz silêncio junto, sente a mesma dor, une-se em torno da perda igual ali para aquela multidão em festa. Na dor e no amor, teremos grupos coesos, também falam-nos disso as grandes catástrofes.

Ah, pudéssemos todos comemorar todos os gols. Ou simplesmente puséssemos toda nossa agressividade em um torcer pelo gol do nosso time e depois fizéssemos, juntos, a festa. Não seria essa a resposta esperançosa que Freud deu a Einstein em seu texto onde responde do porquê da guerra? Quer construir uma imagem da nossa humanidade? Fotografe um grande estádio com dois grandes times jogando, mas volte sua câmera não para o campo, mas para o colorido, díspares, das torcidas, reunidas ali naquele evento.

Mas, agora aqui, voltemo-nos para a Copa do Mundo que vem chegando. Brasileiros com suas blusas verde amarelas, resgatando um orgulho tão inexistente em outros dias. Nascemos nessa pátria aprendendo já pelo olhar dos pais a olhar pra si mesmo com olhar estrangeiro. Um censor enorme que diz-nos todo tempo que seremos sempre pequenos, sempre à menos, sempre em dívida.  Nascemos adotados por um olhar materno que não se faz, que não se realiza, que cumpre apenas uma pragmática função: nascer brasileiro. Antes de saber o verbo, nos tacam um adjetivo: brasileiro. Seria isso o falso self? Como o vampiro brasileiro Bento Carneiro que Chico Anísio protagonizava. Bobo, tolo, ingênuo. Ao mesmo tempo tão lindo e comovente! E dá-lhe a poeta, fala Lispector: “Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil”.

O país pára, reclamam alguns, dos feriados forçados, enquanto nossos meninos e meninas riem e fazem pipocas pra assistir a partida e cabular aulas que não serão dadas. Felizes ali, ou retratando o que deveríamos ver em todos os outros dias, sentam-se em casa com sua turma pra torcer juntos. Se acaso fogem com a primeira desculpa pra casa do amigo, se fecham-se no quarto frente à tela do computador ou se apenas chegam, e se colocam distraídos sentados no meio da gente, e apertam o nosso braço na hora do quase gol, e gritam e silenciam junto a nós, rompendo a barreira do ser adulto ou não sê-lo. Instantâneo da vida, termômetro da liga que vem sendo construída desde o primeiro choro de chegada, o primeiro olhar, da primeira busca ao alimento.

Brasileiro que consegue parar pra ver um jogo, porque no restante do tempo, trabalha, locomove-se para a casa ou de volta ao trabalho e tem uma das cargas horárias em trabalho assalariado entre as maiores dos mundos e ironicamente dos índices de menores salários. Mas, dia de jogo do Brasil, não tem conversa, é sagrado, é grupal, é identidade que se junta. É resgate como um insight analítico, um tremendo eureka.

– Olha patrão, proíba não, seria talvez uma revolução, luta de classes politizada pelo futebol.

Será que consigo fazer-me entender no que quero mostrar em simples palavras, meio com pretensão de que sejam poéticas? Que digo que vemos toda a teoria consistente que temos em um único grito de gol da seleção brasileira? Pulsão coletiva, maquínico, vontade de potência, realização, ideal do ego, Eros e Thanatus dançando balé…Consigo dizer “Isso”?

Vai Freud lá em “Le Bon”, e diz: – sentimento de potência, contágio, sugestão…e goool!

Pensamos que o sentido de pertencer a um grupo ainda é uma grande necessidade do humano, vemos isso privilegiadamente em nosso país, pelas grandes manifestações populares de pertencimento, como os times de futebol, agremiações, grupos musicais, manifestações folclóricas, partidárias, religiosas etc. Se, pode haver nesse pertencer dispositivos regressivos ou destrutivos, poderemos supor também que, como constituintes deles, existam certos elementos progressivos e de Eros, que poderão ser sublinhados, resgatados e alimentados por um trazer a tona, tarefa primordial da psicanálise e provocar desconstruções possíveis e mudanças necessárias.

“ Os sentimentos de um grupo são sempre muito simples e muito exagerados, de maneira que não conhece a dúvida nem a incerteza.(Freud, S – Psicologia dos Grupos e Análise do Ego)

Precisamos abordar Freud nessa temática reconhecendo sua fala sobre o indivíduo e o grupo:

“ É verdade que a psicologia individual relaciona-se com o homem tomado individualmente e explora os caminhos pelos quais ele busca encontrar satisfação para seus impulsos instintuais; contudo, apenas raramente e sob certas condições excepcionais, a psicologia individual se acha em posição de desprezar as relações desse indivíduo com os outros. Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social”.(idem)

Ou ainda:

“Partimos do fato fundamental de que o indivíduo num grupo está sujeito, através da influência deste, ao que com freqüência constitui profunda alteração em sua atividade mental”
(idem)

Talvez na Copa do Mundo, nós, brasileiros, tentemos resgatar um sentimento de grupo que nos falta no dia a dia, afinal brasileiro é sempre apenas aquele de quem falo mal, ironizo, critico, envergonho-me. Povo, mora no quintal do vizinho. Sempre será o outro, nesse país de descendentes. Então, olhemos pra Copa do Mundo como um desses raros momentos onde olhamo-nos como nação e com a força da alegria gritemos: -Goooollllll!!!

Talvez esse técnico que está aí, que não mobiliza muito nossa empatia, represente tudo aquilo que precisamos resgatar ainda, depois de muitos anos de silêncio imposto que ainda, de certa maneira, atravessa-nos nessa vergonha persistente e nessa cólera domada.

– “Apesar de você…”.

Lembro-me, criança era eu e fui assistir ao retorno dos jogadores na Copa de 70. Anos mais tarde, militante de movimento estudantil, quiseram questionar a alegria da Copa, que vestíssemos preto em luto. Não pude, juro. Porque me lembrava do meu susto, criança que cresceu sob a dispersão dos grupos imposta pela Ditadura, do que senti entre espanto e taquicardia alegre ao ver aquela multidão ali reunida, de mãos dadas com meu pai, olhando para ele, onde enxerguei um brilho no olhar que nunca havia visto nele. Acho que resgato em cada Copa, em cada campeonato do Flamengo, muito desse sentimento dali. Eram anos de chumbo, mas naquele dia eu vi fogos de artifício e balas de festim. Multidão reunida, permitida e consentida sim, era assim, mas nem por isso menos força, povo, raça.

Como esse é um texto para a net, para seu último parágrafo, deixo em um link para que ouça e assista como o que finaliza esse texto ou o que eu pretendi sublinhar com ele. Até à Copa e boa torcida, ouça meu grito junto ao seu! Meu coração, seu coração, todos nós: brasileiros!

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