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Filosofia e psicanalise lacaniana II

(…)Com relação à questão do saber, podemos nos indagar o que quer dizer e o que está implicado nisso, quando se diz que se sabe algo. O que quer dizer saber algo? Sei que um determinado objeto, por exemplo, é uma cadeira, porque disponho, previamente, de um sinal, de um signo, de um significante que me permite nomear e re-identificar o objeto e, assim, trazê-lo para meu mundo. O nome permite, assim, re-identificar objetos. Mas o nome, em relação ao nome próprio e único do sujeito não permite a esse mesmo sujeito a re-identificação do objeto referente ao nome, posto que não há objeto exterior que possa ser objeto de operação de re-identificação.

Daí que, se o espaço do saber se constitui numa operação na qual o objeto re-aparece, via palavra, via signo, via significante, não nos é possível a produção de um saber sobre o modo próprio de existência de um sujeito portador de um nome próprio. Dessa forma, para o humano-ser, a linguagem re-constrói o diverso, o universo do conjunto das metonímias empírico-oftálmicas, numa fictícia unidade transcrita para uma ordem conceitual. Enquanto o olho humano olha para fora, para o mundo objetivo e empírico, a linguagem incorpora o fora para dentro de si mesmo do sujeito, re-construindo o sentido daquilo que é visto, produzindo e doando, assim, um sentido ao mundo. Assim, o sentido é construído em função da possibilidade de possessão da linguagem.

O homem possui a linguagem como possibilidade de produção dessa mediação em relação ao real, ao mesmo tempo em que, pela impossibilidade de produzir um saber sobre a amplitude dessa eficácia, que ele apenas detecta e compreende como funcional, parece-nos ser possível pensar que é a linguagem que efetivamente possui o homem “algo conduz o homem sem que ele saiba”.A partir dessa aporética posição, como compreender e, enfim, construir, um estatuto para a relação da linguagem com a filosofia e sua atividade discursiva de “escanear” e “digitalizar” o Real, para produzir dele uma edição definitiva?

Compreendendo aqui que é o objetivo milenar e insone da filosofia produzir um saber definitivo, um saber de totalidade, um saber sobre a realidade, um saber sobre o ser. A existência da linguagem enquanto topos já metafórico, e a existência do humano a partir de estar ancorado na plataforma da linguagem, representariam e significariam que o humano constitui-se numa metáfora do significante. Essa compreensão retifica e amplia aquela perspectiva ingênua de que a linguagem surge da expressão de uma necessidade que se encontraria no interior do indivíduo, da qual a linguagem, enquanto momento exterior, seria a mostra dessa suposta necessidade interior. Se assim o fosse, estaríamos nos movendo num nível onde haveria uma correspondência biunívoca entre o signo utilizado pelo falante, a linguagem, e de outro lado, o referente, no caso, aquela suposta necessidade interna. Como exemplo disso, poderíamos supor que para alguém, acometido pela fome, signo e sinal fisiológico de um déficit protéico, por exemplo, a linguagem deveria expressar exatamente as gramas daquela necessidade protéica e fisiológica.

A psicanálise de Lacan descobre o caráter ontológico da existência da linguagem em relação ao anthropos, atribuindo à linguagem um topos metafórico, porém, condição de possibilidade do anthropos em sua própria condição e caracterização como humano. Para a teoria lacaniana é a linguagem que humaniza, e não o homem que é humano. O modo de existência e de insistência do humano constitui-se, a partir daí, numa insistência metafórica junto ao significante que, como metáfora, não diz a coisa mesma que o objeto a que se refere. A operação produzida pela eficácia da metáfora quer nos dizer que o humano foi transportado de um locus meramente biológico, desprovido de significado em si mesmo, para um topos metafórico, substituto deste, de cunho e estrutura referida à linguagem, onde o sujeito é suportado pelo símbolo e não mais pela carne e pela biologia (cont…)

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