A quase totalidade das características essenciais da física quântica podem ser resumidas em duas propriedades atribuídas aos sistemas quânticos, ambas estranhas para nossa intuição clássica.
Analisemos a primeira.
Consideremos a propriedade X = 5m correspondente ao observável de posição. Na física clássica, as propriedades de um mesmo observável se excluem mutuamente. Quer dizer que se uma partícula clássica tem a propriedade X = 5m, com certeza, a partícula não tem X = 6m. Se está em um lugar, seguramente não está em outro.
Para sermos mais formais diga-se que X = 5m é uma Propriedade Objetiva Possuída (POP) no sistema, e que X = 6m é uma Propriedade Objetiva Não Possuída (PONP) no sistema. Isto parece abarcar todas as possibilidades para uma propriedade: se dá, ou não se dá no sistema. Se temos um grande número de sistemas físicos idênticos e no mesmo estado, e realizamos, em cada um deles, um experimento para detectar se certa POP se faz, o resultado será sempre positivo.
Caso se trata de uma PONP, o resultado será sempre negativo. A mecânica quântica apresenta, além disso, uma terceira possibilidade: existem estados do sistema onde certas propriedades A = a, não são nem POP nem PONP; diz-se que esta propriedade é uma Propensidade (PP) no sistema. A comprovação experimental de uma propriedade PP no sistema algumas vezes terá resultado positivo e outras negativo, apesar de que todos os sistemas em que se experimenta são idênticos e estão exatamente no mesmo estado.
Nada nos permite predizer em cada experimento se o resultado será positivo ou negativo, mas o formalismo da mecânica quântica permite calcular a porcentagem de vezes em que o resultado será de um sinal ou de outro. Esta porcentagem define na mecânica quântica a probabilidade assinalada à propriedade em questão.
Que uma propriedade seja POP, PONP ou PP depende do estado em que se encontra o sistema. Se realizamos um experimento relacionado com um observável A e obtemos como resultado o valor a1, sabemos que o estado do sistema será fixado pela propriedade A = a1; então, imediatamente depois de concluído o experimento, esta propriedade é uma POP e todas as outras propriedades associadas ao mesmo observável A = a2, A = a3…, serão PONP (a2 e a3 são números distintos de a1), mas existem alguns observáveis, B por exemplo, cujas propriedades serão PP.
Se agora se faz outro experimento para este último observável com o resultado B = b, esta propriedade passará a ser uma POP e todas as outras A = a1, A = a2, A = a3, passarão a ser PP. Aqui se apresenta uma importante diferença entre a medição em sistemas clássicos e quânticos.
Em um sistema clássico sempre é possível desenhar a medição de forma tal que aumente ou, no pior dos casos, que deixe constante a quantidade de informação que temos sobre o sistema. Segundo o visto, em um sistema quântico uma medição, por melhor desenhada que esteja, pode diminuir a quantidade de informação que possuímos sobre o sistema. A nova informação trazida pela medição pode destruir a informação que possuíamos antes da mesma em vez de acumular-se a ela.
A inevitável interação entre o aparato de medição e o sistema dificulta certo conhecimento sobre o estado deste último. Uma propriedade pode deixar de ser uma POP pela observação experimental de outro observável, mas existe, além disso, outra possibilidade para que isto ocorra: a evolução temporal do estado. O estado do sistema, em geral, varia com o tempo, variação que pode alterar o caráter com que certas propriedades se acham presentes no sistema.
Por exemplo, caso se determine experimentalmente que a posição de uma partícula quântica é X = 5m, esta propriedade é POP e qualquer outra posição será PONP. Isto é válido para o instante em que terminou o experimento, mas para tempos posteriores, as propriedades de posição se transformam em PP e já não teremos a partícula perfeitamente localizada em X = 5m, mas, teremos que todas as possíveis posições adquirirão uma probabilidade de realizar-se que aumentará à medida que transcorra o tempo.
É como se a existência da partícula se difundisse da posição exata inicial a todas as posições adjacentes; perde localidade e se torna difusa. O formalismo da mecânica quântica permite calcular a velocidade com que a partícula irá se difundir, comportamento este, que se torna estranho e contrário ao que nos diz nossa intuição. De fato, nunca "vimos" difundir-se um livro ou uma lapiseira ou uma moeda. Se não o encontramos onde o deixamos é porque alguém os levou.
Acontece que, para os objetos que podemos captar com nossos sentidos, o cálculo indica que passaram tempos milhões de vezes maiores que a própria idade do universo para difundir-se em uma medida que pudesse ser observada. Muito diferente é o que ocorre com um elétron, que por estar caracterizado por pequeníssima ação, rapidamente se difunde perdendo a propriedade de localização e adquire uma probabilidade não nula de ocupar distintas posições.
Contudo, em um novo experimento para conhecer sua posição, que mostra o valor X = 7m, o elétron volta a localizar-se nesta posição para começar outra vez a difundir-se. Tal processo de transição de um estado de posicionamento difuso para um estado, exatamente localizado produzido pela observação experimental se chama "colapso do estado" e é um dos aspectos sujeitos a controvérsia na interpretação da mecânica quântica.
Ninguém entende plenamente este processo. Qual é a sua causa? Seria, por acaso, a consciência do observador? O que determina que o colapso se produza a X = 7m ou, talvez, X = 8m?
No formalismo da mecânica quântica se caracteriza a possibilidade das propriedades de ser POP, PONP ou PP ao assinalar-lhes uma probabilidade de realização ou forma de peso existencial. A probabilidade é um para as POP, zero para as PONP, e toma um valor entre zero e um para as PP.
O valor desta probabilidade, que pode calcular-se com o formalismo quando se conhece o estado (ou seja, a propriedade que o determina), se manifesta experimentalmente na freqüência com que a propriedade em questão é comprovada ao realizar o experimento um grande número de vezes em sistemas idênticos no mesmo estado. Consideremos novamente o observável de posição.
Suponhamos que todas as propriedades relacionadas ao mesmo são PP, seja devido à evolução temporal de um estado inicial onde certa posição era uma POP (X = 4m, por exemplo), ou porque o estado do sistema corresponde a alguma propriedade incompatível com a posição. Em qualquer caso, a probabilidade associada a cada posição terá certo valor que estará distribuído de alguma maneira.
A distribuição de probabilidades está caracterizada por um valor médio e por um amplo. O valor médio é o chamado "valor de expectação" do observável posição, simbolizado por
As denominações eleitas: "valor de expectação" e "incerteza", são muito adequadas. A primeira indica a melhor aposta para o observável. Se devemos assinalar-lhe um valor, este é o mais razoável, a melhor estimativa, para esta característica do sistema que não tem assinalado um valor exato. A incerteza, por seu lado, é uma medida da bondade desta estimativa. Se o amplo da distribuição é grande, ou seja, se a incerteza é grande, a estimativa é a melhor possível, mas resultará falsa muitas vezes; enquanto que se a incerteza é pequena, a estimativa é boa.
Se uma propriedade, X = 4m, por exemplo, fosse uma POP, então a distribuição seria infinitamente fina: ∆ X = 0, com um valor muito grande para a propriedade X = 4m e zero para todas as demais posições (PONP). A estimativa é exata, a incerteza nula. Generalizemos este exemplo para todo observável:
Dado um sistema quântico em um estado conhecido, o formalismo permite calcular uma probabilidade para qualquer propriedade A = a, que será igual a um, se a mesma é POP, zero se é uma PONP, ou um valor entre zero e um, caso se trate de uma PP. Se A = a, é POP, a observação experimental em um grande número de sistemas idênticos e no mesmo estado será sempre A = a. Se é uma PONP, nunca, e se é uma PP, algumas vezes será A = a, e outras não. Neste último caso, não há forma de predizer quando será A = a, e quando não. Somente é possível calcular a probabilidade destes eventos. As probabilidades definem um valor de expectação para o observável e uma incerteza neste valor ∆ A.