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Sexualidade: Reflexões sobre Relacionamentos Amorosos na contemporaneidade

Jefferson Cliffiton Nepomuceno de Sousa
Luís Bruno de Meneses Santo*
Antonieta Lira e Silva**
Resumo

O amor, para o senso comum, é tido desde antiguidade como sentimento misterioso e poderoso capaz de prover desde uniões matrimoniais até guerras. Mas, afinal o que é esse amor? Como podemos interpretá-lo diante do comportamento sexual que a humanidade apresenta na atualidade? No presente ensaio, buscamos refletir, com base bibliográfica, qual a percepção do sexo no contexto dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade.

Palavras-chave:
Amor, Sexo, Relacionamentos amorosos, Contemporaneidade.

Introdução
 
O presente artigo tem como objetivo principal refletir sobre os relacionamentos amorosos na contemporaneidade e a partir destas reflexões, identificar a evolução do amor e do sexo na atualidade, bem como os aspectos psicossociais envolvidos. Para tanto, iremos analisar a evolução dos relacionamentos amorosos deste a antiguidade até os dias atuais, focando na dinâmica das relações sexuais amorosas da atualidade. A reflexão sobre relacionamentos amorosos é uma temática bastante discutida, porém atual e relevante diante de nossa atualidade. Nas últimas décadas, constituiu-se no Ocidente uma nova cartografia do social, em que a fragmentação da subjetividade ocupa posição fundamental. Essa fragmentação não só constitui uma forma nova de subjetivação, como também serve de matéria-prima por meio da quais outras modalidades de subjetivação são forjadas. De acordo com estudos recentes, modificou-se a relação do sujeito com seu objeto. Vive-se numa sociedade em que as pessoas não mais se permitem ficar tristes, não toleram o fato de serem frustradas. Instalou-se uma ordem social segundo a qual as pessoas valem pelo que aparentam, e não pelo que são, predominando, cada vez mais, o individualismo. Segundo Birmam, “os destinos do desejo assumem, pois, uma direção marcadamente exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado e desinvestido das trocas inter-humanas”. (2001, p. 29) Na contemporaneidade, nos deparamos com uma ordem do descartável, do “ficar” ou relacionamentos líquidos, da quantidade em detrimento da qualidade, onde as pessoas podem dar prevalência ao exterior ao invés do interior, onde há uma diminuição da complexidade e envolvimento dos relacionamentos, provocando desde fracassos e estragos a novas formas de se relacionar na vida amorosa.

Portanto, diante desse cenário sobre os relacionamentos amorosos, refletir sobre as questões da afetividade é de absoluta importância para tentarmos e
compreender os cenários sexuais atuais, já que a intensidade e o excesso pulsional é característica marcante de tais comportamentos.

Sexualidade na história e suas representações

No percurso histórico dos comportamentos sexuais, da pré-história até a atualidade, observa-se a prática sexual para além das funções vitais e instintivas, estando imbricada com as relações psicológicas e sociais embora. A partir de várias leituras sobre as primeiras representações e reproduções sexuais, como artes rupestres, observa-se a priori, uma norma sexual semelhante aos animais, ou seja, conforme a “lei da natureza”, as relações sexuais ocorriam em momentos propícios. Estas primeiras reproduções plásticas do cotidiano primitivo deste homem revelam suas observações e descriminação entre os sexos, primeiramente através de animais com características sexuais relevantes, e posteriormente a reprodução de momentos sexuais de casais humanos e rituais em grupos. Com um intenso processo de reprodução e conseqüentemente um acelerado crescimento dos grupos primitivos surge à necessidade de subsistência e uma cooperação monogâmica. As relações monogâmicas tornam-se prioritária, pois diante de escassos recursos de sobrevivência para todo o grupo a monogamia tem, como principal objetivo, garantir a vida de seus descendentes. Evoluindo para uma era mais representativa e complexa da sexualidade, período marcado pelas explicações míticas grego-romana, é exposto à relevante preocupação sobre a própria origem e a origem do mundo. Todas estas duvidas, medos, e falta de uma regra que explicasse a origem de tudo e de todos, os levaram a recorrer a explicações divinas. Uma destas explicações da criação do universo e tudo que nele habita é o mito de Adão e Eva onde, segundo Gêneses, tudo foi criado por Deus, sendo a terra criada por etapas (haja a luz,… o firmamento,… o mar,… as águas, etc.), posteriormente cria o homem (Adão) a sua semelhança, tornando-o assim um ser vivente. Finalmente, vendo a solidão de Adão, Deus cria uma companheira, a partir da costela de Adão, chamada de mulher e ao casal o paraíso lhes pertencia, montando uma noção de natureza humana onde o pecado estaria próximo ao desejo, impulso e descompromisso.

Não podemos deixar de mencionar também as representações dos órgãos sexuais do homem e da mulher, pois desde a pré-história a humanidade atribui aos órgãos sexuais poderes sagrados, poder este de promover a vida quando unidos. Estas celebrações, aos órgãos masculinos e femininos, caracterizam o falicismo, que pode ser culto ao falo (pênis) ou Yoni (vulva). O termo “falo” deriva do grego “phallós”, símbolo de fertilidade e força, sendo que, o poder do falo sempre estava aliado a um deus, como por exemplo, Dionísio na Grécia e Baco em Roma. Registros arqueológicos datados de 25 mil anos atrás comprovam o quanto é antigo a celebração do sexo. Estas celebrações se davam mais por medo de perder o poder inexplicável, de gerar vidas, dos órgãos masculinos, ou seja, as celebrações eram formas de demonstrar o valor que realmente era imposto (Taylor, 1997). A representação plástica da vulva da mulher se dava através de estatuetas de mulheres nuas e desproporcionais numa tentativa de representar estágios da reprodução, como o período de fertilidade e de gravidez. Os elementos da natureza, também estavam associados à sexualidade, por exemplo, a água e o frio estavam para o sexo feminino e o fogo e o calor representava a masculinidade. Segundo Carl Jung (apud Taylor, 1994), os primitivos usavam os símbolos fálicos com grande liberdade, não confundindo jamais, o falo do símbolo ritual, com o pênis ou a vulva. Não somente no decorrer da antiguidade, o falo era tido como um maná criador (símbolo de fertilidade divina), mas até hoje.

O homem se espalhou por todo o território terrestre e levou consigo a tradição do falicismo e o representaram através de inúmeros objetos, elementos e animais. Alguns alimentos eram e ainda, são considerados afrodisíacos por lembrar o formato de órgãos sexuais. As formas do falo eram representadas em monumentos, como tonens e obeliscos feitos em grandes proporções e de diversos materiais (ouro, prata, bronze, cobre, pedras, etc. (Livro bíblico, Deuteronômios) Quanto ao sexo e a religião, observa-se que ambos mantiveram estreitas laços desde a pré-história, com o misticismo e os rituais sagrados, expressos livremente pelas diversas culturas até a civilização contemporânea.

Desenvolvimento humano e social na construção da subjetividade amorosa e sexual

A idéia de sexualidade como finalidade reprodutiva e de poder se manteve na subjetividade das civilizações por muito tempo até o século XIX com as grandes descobertas da psicanálise freudiana, na qual o sexo passou de uma simples função reprodutiva e de poder para uma representação além dos órgãos reprodutivos, ou seja, o sexo também como função na constituição da personalidade e lugar do sujeito na sociedade. A sexualidade na contemporaneidade vem sendo compreendida como além das funções psicossociais, pois os cenários socioculturais afetam diretamente nas representações de gênero e formação da subjetividade. (Heiborn, 2006 p.34) Hoje, o adolescente expressa a necessidade de reafirmar-se em sua identidade e em uma sociedade que suprimiu os rituais de passagem da adolescência. No período da puberdade, não existe mais a iniciação nem a aprendizagem através da cultura, as etapas apresentam-se de formas variadas diante das novas configurações familiares da contemporaneidade. A adolescência diferente da puberdade tem características tanto universais quanto peculiar, na qual, conforme o ambiente sócio cultural que o jovem está inserido será demarcado pelo despertar da sexualidade que, segundo Freud a sexualidade não surge de modo abrupto nesse momento, mas sim numa construção da subjetividade sexual desde o nascimento. Atualmente temos testemunhado certos movimentos da rebeldia juvenil, não que até então ela não fosse expressa, mas o adolescente se organiza de uma nova forma ainda pacífica, porém com um ar de atitude e independência, indo às ruas para manifestar suas idéias num impressionante movimento que teve a aprovação de todos os “chamados adultos”. Está mais uma vez reconhecido o seu poder de expressão, contestação e mudança; e com o aval da sociedade.

Buscando uma compreensão em relação aos aspectos ligados ao exercício da sexualidade, faz-se necessário uma compreensão global da adolescência onde no período de crescimento, que se inicia fisicamente com a puberdade e termina
quando se atinge a maioridade, o corpo cresce novas funções surge, a mente se desenvolve, o ambiente modifica-se, a qualidade das sensações afetivas e sexuais se transforma, nesse período denominado como adolescência. Segundo Papalia (2006), a adolescência, fase peculiar da transição biopsicossocial, é um período caracterizado pelas transformações biológicas e pela busca da definição de um papel social, determinado pelos padrões culturais do meio social que esta. A adolescência começa com a puberdade, período no qual consiste em mudanças biológicas que produzem a maturação sexual, iniciando uma série de mudanças especificamente sexuais, que culminam como desenvolvimento e a manutenção dos órgãos sexuais e com a resposta fisiológica adulta. (Papalia, 2006) Diante disso, começa o desenvolvimento da subjetividade amorosa e sexual, onde a identificação principal é com o sentido atual do amor, a contingência mais necessária a necessidade mais contingente; mas esse amor que para a maioria das pessoas é considerado como um problema, o problema de ser amado, e não o de amar, onde amor para eles pode ser algo simples, mas que encontrar o objeto apropriado para amar ou ser amado é onde mora a dificuldade.

A explicação que se dá a essa atitude é de que nas culturas tradicionais em geral, amar não significa subsídios para um laço matrimonial, pois o casamento formal era decidido por convenções sociais. Porém, essa realidade mudou com o tempo, e hoje nas últimas gerações, com relação ao conceito de amor romântico, tornou-se universal e com a finalidade de promover a felicidade individual do amor, que pode então resultar em casamento. Com as novas configurações sociais, a liberdade de amar, a felicidade do homem moderno consiste no privilégio que é dado ao objeto em detrimento da importância da função. O amor que se baseia somente na atração sexual e a consumação da realização sexual, observada na atualidade com os relacionamentos “fast-food” ou o famoso comportamento do “ficar”, é um amor considerado não duradouro, devido a ausência de interação, um vínculo que não vincula, entre outros fatores que são a base de alguns relacionamentos atuais. Mas por outro lado, algumas pessoas consideram lucrativas essas trocas amorosas onde o prazer é satisfeito abrindo possibilidades de novas trocas.

Pensando nisso e comparando a noção de “sexualidade” para psicanálise, onde a sexualidade está para além do simples ato sexual, pois os impulsos oriundos dos afetos sexuais é o que vai mover a vida do sujeito. Diante disso, os relacionamentos atuais podem fazer surgir um vazio que nunca será preenchido, pois na ética do prazer imediato e rápido não existe lugar para grandes investimentos amorosos o que pode frustrar o sujeito. (Martinez, 1998).

Sexualidade e seus lugares na sociedade

De um ponto de vista ocidental, é possível perceber diferentes tipos de vínculos amorosos que se configuram em níveis diferentes de investimentos. Podemos observar quatro tipos de configurações amorosas, como o Sexual que se caracteriza como o investimento que na realização do contato genital, o Eros como a evolução para além do contato físico o enlace sentimental, a Philia sendo o sentimento de familiaridade com envolvimento sentimental sem sentido sexual biológico e o Ágape ou Caritas caracterizado como amor de companheirismo ou bem ao próximo. Portanto, o que vai caracterizar o sexo como amor ou parte de um relacionamento é o grau de intensidade da conjuntura destes diversos modos de relacionar-se, deixando as configurações contemporâneas sobre os relacionamentos a cargo das necessidades sentimentais individuais. Fazendo um recorte para a atualidade, é notável a condição humana em que as pessoas estão imersas em decorrência da capitalização com a idéia de subjetividade individual, no qual, cada pessoa é responsável por sua constituição e manutenção emocional, fazendo com que se minimizem cada vez mais as relações interpessoais e ceda espaço para a acelerada comunicação em massa, como os e-mails e chats da internet que ao contrário do ideal de aproximar as pessoas fornece a opção do sujeito relacionar-se sem se envolver emocionalmente, no qual o deixaria em estado de dependência ou compromisso, pois a escolha de novos relacionamentos depende apenas de um clique em outro contato, afinal estar só frente a uma tela de computador parece mais confortável do que vivenciar encontros reais e partilhar emoções.

Segundo Rollo May, no passado recalcava-se o sexo e aflorava-se o amor, já na atualidade recalca-se amor e entrega-se a paixão, porém não é que tenhamos superado ou suplantado, mas esse novo modelo se apossa, hoje, da imitação grosseira dos sentimentos que não são expressos ou bloqueando-os.

O fato da exclusão e repreensão dos investimentos amorosos sendo satisfeitos por meio de práticas sexuais descompromissadas é mais uma evidência da evolução narcísica da sociedade, onde a auto-realização amorosa estaria a serviço da liberdade. Acentuando as significações sobre o casamento, observamos a visão da estabilidade financeira e independência oriunda do casamento (Duby, 2000). Onde o papel da mulher era de ter os seus sentimentos devidamente “domesticados e abafados” (Del Priore, 1997). Segundo Calligaris, o casamento ainda é importante na sociedade atual, porém não mais fundamental, pois o mais importante a ser considerado é o amor e a cumplicidade para crescimento pessoal independente de estar casados ou não, ficando clara a importância da afetividade no relacionamento.

Considerações Finais

Com base em todas as transformações do comportamento sexual desde os simples enamoramentos até os matrimônios ou formas de se relacionar sexualmente na atualidade, houve uma grande evolução de papeis tanto da mulher quanto do homem na sociedade e consecutivamente no seu papel nos relacionamentos amorosos.

Portanto, só nos resta questionar sobre novos tipos de relacionamento que predominarão no futuro, novos comportamentos e atitudes frente a sexualidade, novos modelos, de família de relacionar-se, amar e os valores éticos e morais que serão tomados como embasamento. Por fim, como característica do ser Humano, sempre estar em busca do livre arbítrio ou liberdade tanto nos relacionamentos quanto aos sentimentos, corporal e mental, promove e vai promover sempre a vida e a manutenção das diversidades comportamentais na sexualidade e com o relacionamento amoroso, portanto amar sempre independente da configuração e contexto sexual.

Referências Bibliográficas

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DEL PRIORE, M. D. (1997). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto. DUBY, G. e PERROT, M. (2000). História das Mulheres. Vol V. Madrid: Taurus.

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TAYLOR, T. – A Pré-História do Sexo: quatro milhões de anos de cultura sexual. Rio de Janeiro, Campus, 1997.

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