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Diálogos entre Oliver Sacks e B.F. Skinner – Potenciais

            No último artigo, intitulado A plasticidade humana, foi abordada a capacidade do cérebro em se adaptar a diversas situações, recuperando funções que por algum motivo foram danificadas ou perdidas. Seguindo essa linha de raciocínio, o presente artigo abordará as possibilidades que o nosso cérebro nos proporciona, no sentido de sermos aquilo que quisermos ser.
          
Quando o ser humano nasce há aproximadamente 100 bilhões de corpos neuronais constituindo seu cérebro. Com as primeiras experiências de vida, como as primeiras imagens que o bebê capta do mundo após o parto, determinadas áreas do cérebro começam a ser estimuladas e desenvolvidas. A cada nova experiência, ou repetição de experiências, sinapses são criadas e/ou fortalecidas, ampliando a capacidade de processamento do cérebro.

          
É importante destacar que os 100 bilhões de neurônios estão compondo o cérebro desde o nascimento, ou melhor, desde determinadas fases do desenvolvimento embrionário. Aprender algo novo não significa o nascimento de um ou mais neurônios, mas a criação de novas sinapses, conexões entre neurônios já existentes e que ainda não tinham conexão. Isso significa que os neurônios necessários para que o movimento de andar sobre duas pernas do bebê possa ser processado já estavam no cérebro desde o nascimento.
            Contudo, o leitor deve estar se perguntando o motivo pelo qual o bebê já não nasce andando, se os neurônios necessários para isso já estão no cérebro. A explicação reside na estimulação adequada para que as conexões necessárias sejam estabelecidas, conexões estas que originarão o que visualmente vemos e denominados andar.
          
Skinner (1953) descreve como o homem e os demais seres vivos aprendem novos comportamentos. Explicando de maneira bem simplificada, diante de uma determinada situação o organismo emite uma resposta que produz uma conseqüência. Essa conseqüência retroage sobre a resposta, aumentando a probabilidade de a resposta voltar a ocorrer no futuro, em situações iguais ou semelhantes.
 
            Como exemplo, um bebê que não sabe andar é segurado por alguém de pé, permitindo que as solas dos seus pés entrem em contato com o chão. Quando o bebê estica a perna, conseqüências dentro e fora de sua pele são produzidas (a sensação de estar se mexendo a partir do movimento da perna, elogios das pessoas envolvidas, etc.), conseqüências estas que aumentam a probabilidade desse movimento voltar a ocorrer. Esse comportamento e as conexões neuronais responsáveis por ele são fortalecidos com a repetição do movimento.
          
Obviamente, para que algo possa ser aprendido há a necessidade de uma estrutura cerebral e fisiológica que permitam essa aprendizagem. Mesmo que o ser humano queira aprender a voar como as aves, não adianta ele bater seus braços imitando o movimento de um pássaro porque ele não levantará vôo. Há uma clara limitação a essa aprendizagem.
 
            Contudo, a estrutura cerebral e fisiológica do ser humano lhe confere uma infinita capacidade de aprendizagem, mesmo com as limitações inerentes a espécie. O cérebro é plástico, tem n potenciais, pode se desenvolver da maneira que as experiências de vida da pessoa possam permitir. Isso quer dizer que as experiências podem estimular ou inibir os potenciais cerebrais.
  
            Para Hughlings Jackson, há 150 anos (e para Freud, fervoroso jacksoniano, alguns anos depois), o cérebro não era um mosaico estático de representações ou pontos fixos. Incessantemente ativo e dinâmico, possuía certos potenciais que eram ativamente suprimidos ou inibidos – potenciais que podiam ser “liberados” se essa inibição fosse removida. Entre esses fenômenos de liberação Jackson incluía a epilepsia e a coréia (e Freud, os violentos afetos e impulsos do “id” se este fosse desatrelado e turbinado pela psicose). (Sacks, 2007, p. 300)
 
            Pode-se pensar que a capacidade de aprender a língua portuguesa, o mandarim, o espanhol, ou o russo já estão no cérebro. Não que o conhecimento já esteja gravado, mas que as estruturas que permitem a expressão do conhecimento já fazem parte da estrutura cerebral. Essas estruturas precisam ser estimuladas adequadamente para que a pessoa possa aprender quantos idiomas ela queira. Ou seja, pode-se pensar que o cérebro é infinito em suas possibilidades de conexão, ou em outras palavras, que o cérebro pode aprender qualquer coisa desde que as suas experiências de vida permitam essa aprendizagem, não inibindo seus potenciais.
           
Claro que a formação de uma ou mais conexões pode inibir a formação de outras. O homem, por exemplo, que tem a visão como sua principal forma de captar o mundo geralmente não desenvolve na mesma proporção os outros sentidos. As suas experiências de vida limitam o desenvolvimento pleno de todo o potencial cerebral.
            Por isso as patologias descritas por Sacks ao longo de suas obras evidenciam ao leitor que as pessoas podem apresentar habilidades que não sabiam ter após uma lesão cerebral, por exemplo. Sacks (2007) corrobora essa afirmação:
          
            Os talentos musicais ou artísticos que podem ser liberados na demência frontotemporal não surgem do nada; eles são, temos de presumir, potenciais ou propensões que já estão presentes, mas inibidos – e subdesenvolvidos. Uma vez liberados por um dano a esses fatores inibitórios, potencialmente os dons musicais ou artísticos podem então ser desenvolvidos, cultivados e explorados para produzir uma obra de real valor artístico – pelo menos enquanto a função do lobo frontal, com seus poderes de execução e planejamento, estiver intacta. (Sacks, 2007, p. 302)
 
             Ao longo dos anos o próprio desenvolvimento do cérebro acaba inibindo a expressão de outros potenciais não desenvolvidos. Essa inibição é ao mesmo tempo natural, parte constituinte dos processos de aprendizagem aos quais nos submetemos diariamente em nossas vidas, como também podendo ser fruto da falta de estimulação adequada.
          
A partir da compreensão da interação entre comportamento e neurologia descrita no presente artigo, deve-se pensar em preparar as gerações atuais e futuras a usufruir de todos os benefícios que as estruturas cerebrais podem oferecer. O dia a dia molda o homem, é a partir da interação do organismo com o seu ambiente que o ser humano se torna aquilo que ele é.
 
            Logo, devemos pensar em estimular constante e adequadamente cada membro da espécie humana para que os homens possam ser plenos, usufruindo do maior número possível de potenciais que o seu cérebro lhe permite. Eis o desafio da humanidade – utilizar o conhecimento para melhorar a realidade, para alcançar novos patamares, para se superar.

REFERÊNCIAS
SACKS, Oliver. (2007). Irreprimível: a música e os lobos temporais. In: SACKS, O. Alucinações Musicais. São Paulo, Companhia das Letras.

SKINNER, Burrhus Frederic. (1953). Ciência e Comportamento Humano. The Macmillan Company.

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