(continuação)
Sully deu a denominação de alucinações da memória às criações imaginativas com aparência de reminiscências, que não correspondem a nenhuma imagem de épocas passadas. Nos esquizofrênicos surgem, freqüentemente, algumas produções psíquicas com características de lembranças reais que podem modificar de modo completo o passado do enfermo. Bleuler assinala que "as alucinações da memória se apresentam com freqüência nos esquizofrênicos, nos quais podem surgir de modo repentino lembranças que não correspondem a nenhum acontecimento".
Analisando este exemplo de alucinação da memória, Bleuler diz que "aqui não se trata de realização de sonhos nem tampouco de alucinação dos sentidos, pois muitos dos acontecimentos eram situados no tempo em que o indivíduo normalmente se ocupava do seu trabalho. Em outros casos, as alucinações da memória são menos sistematizadas e constam apenas de particularidades isoladas".
Bleuler admite que os senis possam apresentar também alucinações mnêmicas. Cita o exemplo de um dos seus enfermos que, com freqüência, dizia ter sido atacado na noite anterior por ladrões, que lhe haviam amarrado um braço à espádua.
O fenômeno descrito anteriormente difere, na realidade, em sua essência, da fabulação, transtorno qualitativo da memória que se observa com freqüência nos esquizofrênicos paranóides, nos orgânicos e nos alcoolistas com síndrome de Korsakov.
Consistem no relato de coisas fantáticas que, na realidade, nunca aconteceram. Em grande parte, resultam de uma alteração da fixação e de uma incapacidade para reconhecer como falsas as imagens produzidas pela fantasia. O conteúdo das fabulações, como bem salientou Lange, procede do curso habitual da vida anterior, acontecendo muitas vezes que, achando-se perturbada a capacidade de localizá-Ias no tempo, lembranças isoladas autênticas completam erroneamente as lacunas da memória. Nos casos em que existem alterações dos conceitos e desorganização das tendências vitais, pode-se observar a produção rica de conteúdos fabulatórios absurdos e inverossímeis, que, habitualmente, adquirem um aspecto oniróide. Em outros casos, certas imagens oníricas são rememoradas e atualizadas como lembranças autênticas.
Bleuler procurou deixar bem clara a distinção entre fabulação e alucinação mnêmica quando escreveu: "Na fabulação trata-se de uma invenção livre que se toma por acontecimentos vividos. As fabulações preenchem um vazio da memória e se mostram como que criadas para este fim. Podemos produzi-Ias ou governá-Ias, enquanto que as alucinações da memória não mudam, tal como a idéia delirante. Pergunta-se a um alcoolista com síndrome de Korsakov onde esteve no dia anterior. Sem pensar, nos conta com grande exatidão que esteve a passear na montanha próxima."
No sentido mais particular, a fabulação é, nos estados em que não há delírio, um sintoma de transtorno mental orgânico. "Os que mais fabulam" – diz Bleuler – "são os alcoólicos com síndrome de Korsakov; às vezes, toda a sua atividade psíquica consiste em fabular". Papel mais modesto desempenham as fabulações nos senis; porém, não obstante, é fácil produzir o sintoma perguntando o que fizeram na noite anterior (fabulação de embaraço).
Consiste no fato de o indivíduo ter a impressão de que a vivência atual já foi experimentada no passado. Bumke assim o conceitua: "Em uma situação qualquer se nos apresenta, de súbito, a idéia de havê-Ia vivido anteriormente. Isso acontece especialmente quando a consciência se encontra ligeiramente ofuscada. Muitas pessoas sãs conhecem esse fenômeno." Aparece normalmente nos estados de fadiga. "Um esquizofrênico conhecido meu – diz Bleuler – acreditou durante muito tempo que tudo (o que lhe acontecia) já lhe havia ocorrido antes, há anos, exatamente como na atualidade." Nos epiléticos com focos temporais, o fenômeno se apresenta com características especiais, principalmente como crises, e tem um grande valor do ponto de vista da localização da lesão. Pode-se observar o fenômeno oposto, o jamais visto, também com caráter acessual, no qual o enfermo está incapacitado de reconhecer o ambiente por mais familiar que este o seja na realidade.
Exemplo – "Um homem instruído e que raciocinava muito bem sobre a sua doença, da qual chegou mesmo a fazer uma descrição escrita, surge aos 32 anos com uma afecção mental especial. Se assistia a uma festa, se visitava qualquer lugar, se encontrava alguém, este acontecimento, com todas as suas circunstâncias, parecia-lhe também familiar, e ficava certo de já ter sentido as mesmas impressões, estando rodeado precisamente dos mesmos objetos, com o mesmo céu, o mesmo tempo. Se fazia algum trabalho novo, parecia-lhe já tê-Io feito e nas mesmas condições. Às vezes este sentimento produzia-se no mesmo dia ao fim de alguns minutos ou de algumas horas, às vezes, somente no dia seguinte, mas com uma perfeita clareza" (A. Pick).
É um falseamento da memória em virtude do qual as lembranças perdem suas qualidades e aparecem ao paciente como fatos novos. O termo foi criado por Bleuler, que o conceitua do modo seguinte: "Há sábios que primeiramente repudiam uma idéia nova, depois elaboram-na consciente ou inconscientemente e por fim aceitam-na, esquecidos porém de que eles mesmos a haviam recusado e até se convencem de que é coisa absolutamente nova que Ihes ocorreu. Os senis em sua conversação podem contar uma história como nova, quando a mesma, poucos minutos antes, entre as mesmas pessoas foi relatada por outro". Esse fenômeno pode constituir a origem de disputas quanto à prioridade de uma idéia ou de uma descoberta e tem sido motivo de muitas acusações de plágio.
Consiste na revivescência muito intensa, às vezes de duração breve, de lembranças anteriores que pareciam esquecidas. Este transtorno qualitativo da memória foi descrito por Pitres que o considerou como fenômeno de reversão mental, observado em enfermos histéricos e em pessoas submetidas à hipnose. Esses indivíduos podem perder a identidade atual e vivem as cenas evocadas como se estivessem recolocados na época de sua existência em que elas sucederam.
Exemplo de ecmnésia – "Trata-se de um paciente com 25 anos de idade que, durante as crises que se caracterizavam por se sentir caindo, 'como se fosse em uma rosca sem fim', vivenciava novamente um acontecimento passado de grande valor afetivo. Encontrava-se no Aeroporto de Brasília e, ao descer a escada rolante viu, lá embaixo, a sua noiva em companhia de um homem. Este fato vivido realmente, se reproduzia em todas as particularidades sempre que o enfermo entrava em crise. Esclareceu o paciente que não se tratava de uma lembrança, mas tudo acontecia como se estivesse presenciando e participando novamente da cena. A experiência se acompanhava de grande emoção" (Cesar Almeida Lira).
Síndrome de Korsakov
O quadro sintomatológico se caracteriza por uma alteração grave da fixação. Aqui se observa em sua pureza aquilo que Bumke denominou "complexo sintomático amnéstico". O sintoma principal e característico é a desordem da fixação, ao lado de alterações da atenção e da orientação. O paciente não guarda nenhuma lembrança do período da enfermidade. Freqüentemente, a alteração da memória se estende a um período anterior, alcançando alguns dias ou poucas semanas antes da instalação da doença. A extensão e a intensidade da amnésia são variáveis, existindo casos em que são esquecidos anos inteiros de experiência. "Se a amnésia continua estendendo-se de diante para trás" – escreve Bumke – "podem os pacientes chegar a crer que vivem em uma época anterior e comportar-se de acordo com esta crença errônea. De qualquer forma, quando há remissão, a memória volta de um modo retrógrado. Nos casos típicos de síndrome de Korsakov nunca se observa um enfraquecimento da memória que se estende até as lembranças infantis." Nesta enfermidade se verificam com freqüência fabulações.
Exemplo – "V. História de cefaléias e ausências durante um ano e meio. Crise comicial em junho de 1957, o que determinou a sua hospitalização. Foi evidenciada a existência de uma síndrome de Korsakov com amnésia para os fatos recentes, fabulação induzida e euforia. Os exames complementares revelaram uma dilatação considerável dos ventrículos laterais e obstrução parcial do terceiro ventrículo sem imagem característica. Em junho de 1957, derivação pelo método de Torkildsen. Dois meses mais tarde, confusão mental mascarando a síndrome de Korsakov, e aparecimento de sinais extrapiramidais. Em outubro de 1957, intervenção direta pela via transfrontal sobre o terceiro ventrículo, por se ter a certeza de tratar-se de um tumor benigno: seção do fornix direito e descoberta de um quisto colóide aderido à borda superior do buraco de Monro. Histologia, quisto colóide. Em seguida à intervenção, desaparecimento dos sinais extrapiramidais e do estado confusional, reaparição da síndrome de Korsakov, muito típica e acompanhada de fabulação rica e espontânea; algumas manifestações de agressividade, que poderiam estar ligadas a fases de onirismo. Estado estável, considerado como crônico.
"Amnesia dos fatos recentes é bastante acentuada: o enfermo admite que tem 15 ou 25 anos e acredita que se encontra em período escolar, em uma instituição religiosa. Refere que se casou há 15 anos com uma prima alemã, mas logo perde as suas lembranças e chega a negar o seu casamento, não reconhece a sua mulher e não consegue adotar uma atitude intermediária, como no exemplo seguinte. 'Você é casado?' Resposta: 'Eu não era casado nessa época, quando tive esse encontro. Esse encontro remonta a um ano e meio apenas, apenas um ano e meio. Eu não era casado. Ah! certamente eu não era casado, e, no entanto eu sou. Eu encontrei uma jovem que era minha prima, seguramente minha prima, não uma prima à moda da Bretanha, nem uma prima alemã, nem descendente de alemães, nem tudo isso que o senhor pensa. Não, não, não, mas uma jovem propriamente minha prima, e esta jovem, durante uma entrevista, pronunciamos as palavras que constituem um casamento e nós as pronunciamos diante do microfone'.
"Respondeu que o presidente da República é Vicente Auriol e que a guerra terminou em 1940 ou 1948.
"Os fatos antigos estão preservados, o enfermo sabe ter passado a sua infância na Bretanha, em Pertre, onde nasceu e freqüentou a escola, com diversos professores, como Guillopet. Sabe que fez o serviço militar em Rennes, na infantaria, mas é incapaz de mencionar o nome de um dos seus oficiais ou suboficiais" (Delay).
Nas perturbações mentais orgânicas verifica-se alteração da fixação e da evocação. A alteração da fixação é observada desde o início da enfermidade, evoluindo progressivamente até alcançar, em alguns doentes, uma completa incapacidade para fixar os acontecimentos novos. Em certos casos, os fatos recentes são recordados, mas com a tendência a serem logo esquecidos, em virtude da debilidade dos traços deixados pela excitação.
Na demência senil, especialmente, a evocação se mostra deficiente, e os enfermos revelam uma tendência progressiva a utilizarem cada vez menos os seus conhecimentos. Observa-se, nesses casos, a perda da capacidade de evocação, que se processa dos acontecimentos mais recentes para os mais antigos.
Exemplo – "N.G. solteiro, 64 anos de idade, funcionário da estrada de ferro, aposentado, internado no Sanatório devido a alterações do comportamento. Sempre se destacou por suas atitudes corretas, cumpridor dos seus deveres profissionais e sociais, bom administrador dos seus bens. Mantinha relações íntimas com uma viúva jovem que o explorava. Antes de sua internação o encontramos em um Café, no centro da cidade, quando fazia uma pequena refeição. Na ocasião encontrava-se com as vestes descuidadas, comia com voracidade, estava com as mãos sujas de gordura, deixava os alimentos caírem pelos cantos da boca e cuspia as migalhas. No dia seguinte o visitamos em sua residência; veio abrir a porta de cuecas e camiseta, indumentária que conservou durante a visita, sem fazer menção de trocáIa. Pedimos desculpas pelo fato de molestá-Io às sete horas da noite, por supor que se encontrasse dormindo e respondeu que 'já estava se vestindo para ir ao Banco retirar as rendas' e, ao chamar a sua atenção para o fato de estarmos em dia feriado, respondeu que era verdade, sem outra explicação. A habitação em que vivia solitário se encontrava na maior desordem: a roupa branca atirada em cima dos móveis e no chão, as mesas cheias de objetos inúteis; em um cômodo contíguo, pequena oficina de carpinteiro, na qual existia grande quantidade de pequenos pedaços de madeira, que nos mostrou com muita satisfação. Convidado para conhecer os cômodos da casa, perguntamos-lhe as razões da desordem reinante, o que respondeu com estranheza: 'Não, homem, está muito bem arrumada e limpa', ao tempo em que recolhia as roupas que ia encontrando e fazendo com as mesmas uma trouxa, que atirou para cima da mesa. Repetidamente nos convidou a ir à varanda para admirar a paisagem que dali se divisa (vive em uma rua estreita), e ali permaneceu com a reduzida indumentária com a qual nos havia recebido. Ao chamar a sua atenção para a particularidade de que os vizinhos o olhavam com curiosidade, não emprestou nenhuma significação ao fato. Deixou-se conduzir ao Sanatório sem resistência, acreditando que ia passar alguns dias no campo. No ato da internação, aceitou tudo sem protesto e sem suspeitar do que se tratava, encontrando-se muito satisfeito porque 'durante alguns dias pretendia oxigenar-se', sem perceber o tipo de instituição onde se encontrava nem a espécie de enfermos que o rodeavam.
"Amnésia global: não se recorda da marca do seu automóvel, do preço que pagou pelo mesmo nem da Agência onde o adquiriu. Ao tempo em que informa ter o mesmo custado determinado preço, refere-se a uma soma muito inferior. Diz que o motorista não cobrou nada durante os três meses que trabalhou para ele e ao mostrar-lhe a impossibilidade de que o mesmo trabalhasse gratuitamente, respondeu. 'Não me cobra porque é muito simpático e deve viver de suas rendas'; 'vem buscar-me quando o chamo', sem que seja capaz de explicar as horas em que utiliza o carro, nem para que fins o utiliza. Não se recorda da renda da casa de sua propriedade, nem quanto paga de impostos, nem o número de cômodos da mesma. Não tem a menor lembrança da época em que adquiriu a casa e de quanto ela custou. Esqueceu a data e a cidade em que travou conhecimento com a sua amiga, com a qual mantém relações há alguns anos, sem que possa precisar se cinco ou vinte. O falseamento das lembranças é muito acentuado, e entre outras coisas diz que já esteve várias vezes no Sanatório e que agora já se encontra aqui há três meses. Os testes de memória de fixação revelaram que não pode repetir mais do que três dígitos, e fracassou na prova dos pares. Foi incapaz de realizar as provas de cálculo" (Nágera).
Os diferentes graus de deficiência mental se acompanham de alterações da fixação e da evocação. Em muitos casos, a desigualdade no desenvolvimento da memória revela que, embora se trate de deficientes de grau moderado, os indivíduos mostram uma excelente capacidade para a reprodução mecânica de certas especializações: conhecimentos musicais, matemáticos ou impressões visuais.
Os epiléticos estão sujeitos à apresentação de alguns transtornos da memória, que merecem atenção especial. Quase sempre a memória é insegura, principalmente em sua capacidade de evocação e na localização das lembranças. À medida que a enfermidade progride no tempo, a fixação vai-se tornando cada vez mais difícil. Com muita freqüência, alguns enfermos apresentam esquecimentos de nomes, de datas, de acontecimentos da vida cotidiana, enquanto conservam de modo perfeito os conhecimentos adquiridos anteriormente. Na opinião de H. Mignot, estas alterações não têm uma relação direta com a freqüência dos acessos convulsivos, visto que são observadas também nos doentes em que as crises estão controladas pelo tratamento. Considera o autor citado que estes fenômenos dependem de paroxismos infraclínicos. "Sabe-se, com efeito, que o EEG mostra com freqüência um traçado elétrico típico de ausência ou de crise parcial infraclínica, enquanto o paciente não apresenta clinicamente nenhuma manifestação paroxísmica. É provável que essas ausências infraclínicas ocorram simultaneamente com uma alteração da atenção e da concentração intelectual, e a maior parte dos epileptólogos interpreta esses fenômenos como manifestações passageiras de um déficit da função da vigilância cerebral" (Mignot).
A supressão súbita da consciência no momento da crise convulsiva tem como resultado a falta de lembranças do que ocorre durante a mesma. As lembranças mal delimitadas constituem bom sinal de obnubilação da consciência nos estados crepusculares. Com a evolução da doença aumenta gradativamente a alteração da memória, revelada pela perda dos conhecimentos adquiridos, pelo estreitamento do círculo de interesses e o empobrecimento dos meios de expressão.
De modo geral, os enfermos epiléticos apresentam amnésia lacunar, limitada aos períodos das crises convulsivas.
Exemplo – "Benedito, de cor branca, com 45 anos de idade, casado, médico. A enfermidade teve início aos 15 anos, com acessos vertiginosos e ausências cada vez mais freqüentes. Exerceu a profissão durante pouco tempo, acusando o pai pelo seu fracasso profissional, pois este o reteve ao seu lado para ajudá-Io no comércio hoteleiro. Na primeira semana do seu ingresso na clínica, manifestou um acesso agudo de excitação, com obnubilação da consciência, durante o qual apresentou repetidos acessos comiciais. Desaparecida a excitação, restou um estado estuporoso. Passada esta última fase, guardava uma lembrança muito vaga do ocorrido. Atualmente, sofre crises convulsivas espaçadas de quatro ou de cinco em cinco dias. Movimentos torpes e lentos, expressão fisionômica de embrutecimento. Abordável, lúcido, regularmente orientado. O seu interesse imediato consiste em receber alta da clínica. Revelou prolixidade e perseveração com notória debilidade do juízo. A memória de fixação mostra-se enfraquecida. Amnésia lacunar completa do episódio descrito. Linguagem pobre, lenta, monótona. O curso do pensamento revela lentidão, com pobreza de conteúdo. Apático e sem espontaneidade" (Denis Ferraz).
Como tipos de acessos psíquicos, pode-se observar a reminiscência súbita e fugitiva de um acontecimento anterior e o fenômeno do já visto, assinalado por Binswanger.
A memória em sentido estrito, compreendida como a aptidão para conservar lembranças, isto é, a faculdade de conservar conhecimentos adquiridos, não está perturbada na esquizofrenia. Entretanto, a fixação e a capacidade de evocação se acham profundamente alteradas, em parte devido à falta de atenção e de interesse. Nas formas paranóides, observam-se ilusões mnêmicas e alucinações mnêmicas. Hoche salienta que "a falsificação da memória tem na demência paranóide uma origem psíquica de todo diferente dos fenômenos aparentemente análogos que se encontram em outras afecções mentais, como, por exemplo, o colorido depressivo que é conferido nos estados melancólicos a toda a vida passada". E mais adiante escreve: "Na esquizofrenia paranóide se tem a impressão de que os doentes perderam a capacidade de distinguir a coisa vivida da que é imaginada ou imaginável; incapacidade que se funda provavelmente sobre o extravio do senso da realidade, de modo que um fato qualquer que tenha sido objeto de sua atividade ideativa, na forma, por exemplo, de jogo da fantasia, de reverie, de leitura, de conversa, pode vir reproduzido como fato vivido."
No curso dos estados maníacos a evocação está, ordinariamente, exaltada: à menor impressão sensorial, uma representação que surge casualmente na consciência tende a reviver uma sucessão ininterrupta de idéias e de imagens. As ligações entre as idéias é débil, fragmentária. As combinações dos conceitos e dos juízos se fazem de maneira acidental, estabelecendo-se na maioria das vezes relações secundárias, devidas a assonâncias, rimas, jogo de palavras. As idéias se sucedem sem direção, ao acaso das circunstâncias psicológicas. As lembranças afluem à consciência em sucessão que pode remontar à infância. Com freqüência, as suas aquisições escolares ressuscitam: eles podem então recitar longos trechos de autores clássicos, relembrar com precisão as datas históricas. O pensamento é móvel, instável, salta sem transição de uma idéia a outra, as evocações se fazem ao acaso: todos os atos intencionais estão nivelados, tem igual interesse e se atualizam com o mesmo grau de consciência. Mundo exterior, impressões sensoriais, imagens verbais motoras, tudo se encontra sob o mesmo plano, tudo é vivido com igual intensidade. O colorido emocional dos estados de consciência não se acha inibido por uma direção; sem finalidade, inteiramente livres, eles têm a mesma importância e o seu matiz afetivo se manifesta com a mesma intensidade. O automatismo, nos estados maníacos, não é apenas intelectual, mas afetivo; as tendências habitualmente reprimidas tendem a se realizar, sua liberação favorece a emotividade; percepções ou representações, emoções, mímica e movimentos se associam sem freio; a expansividade é a nota dominante. Os estados afetivos comandam em parte o encadeamento; eles tendem a evocar as representações e a provocar os juízos que se expressam na linguagem: o humor alegre, por exemplo, incita os trocadilhos, os jogos de palavras, gracejos impertinentes, o retorno de lembranças agradáveis varia segundo o seu caráter, suscita pensamentos otimistas, projetos sem uma ordenação adequada. Os estados afetivos não obedecem à representação que Ihes serve de incentivo ou mesmo de símbolo. À medida que a excitação maníaca aumenta de intensidade, a hiperevocação automática cresce de modo progressivo.
A imaginação também está exaltada, observando-se as combinações as mais singulares e as criações as mais fantásticas. A evocação automática, por mais rica e fiel que seja, não serve mais para nada, o doente não a controla, não escolhe nada entre as evocações tumultuosas; as representações incoerentes não podem mais dirigir a atividade no sentido de uma via razoável e prática, e é inutilmente que se revivem os estados de consciência anteriores. A atividade psíquica está reduzida exclusivamente aos expedientes e ao acaso do automatismo. Passado o estado de excitação, pode-se verificar que os elementos que pareciam fixados não o estão ou o foram de maneira incompleta e superficialmente. A perturbação da conservação contrasta com a exaltação da evocação. Uma paciente de Deron explicou: "Eu não pensava o que dizia, por isso não posso me lembrar."
Em muitos casos de excitação maníaca observa-se hipermnésia, caracterizada pela revivescência acentuada de lembranças, que fluem à consciência do enfermo em verdadeira avalanche. Não se trata de um enriquecimento da memória, mas de um verdadeiro "tumulto, uma desordem da memória". Em virtude da excitação em que se encontra o enfermo, o mesmo está incapacitado para relembrar os fatos vividos durante a excitação. Em conseqüência, o paciente apresenta uma amnésia total ou parcial relativa à fase de excitação maníaca. A vida psíquica está alterada em seu conjunto, tal como acontece na embriaguez alcoólica aguda, o que contribui para a manifestação de "fuga de idéias", característica da excitação maníaca.
Nos estados depressivos, as funções psíquicas estão perturbadas em seu conjunto. Os sintomas mais destacados são a tristeza vital, a angústia e a inibição da psicomotilidade. Entretanto, ao lado desses sintomas axiais, os enfermos deprimidos se queixam de um sentimento de impotência psíquica, que os impede de realizar as suas tarefas habituais, diminuição da capacidade de concentração e enfraquecimento da vontade. A memória se acha comprometida em suas capacidades de fixação e de evocação. Na maioria dos casos, os doentes revelam redução da atividade voluntária: permanecem quase sempre sentados ou deitados, em uma atitude de inércia, com a fisionomia triste, abatida e contraída, revelando uma expressão de profundo sofrimento. Nos casos mais acentuados, a expressão fisionômica reflete tristeza, inquietação e grande ansiedade.
Ao lado dos sintomas principais que dão colorido aos quadros clínicos neuróticos, os enfermos sempre se queixam de "fraqueza" da memória, que dificulta a fixação e a evocação das lembranças. Segundo López Ibor, os enfermos histéricos costumam apresentar amnésias, que obedecem a vários mecanismos. Em alguns doentes, trata-se de guardar segredo a respeito de alguns dados por pudor ou timidez. Nesses casos, não se trata de uma verdadeira amnésia. Em outros, os enfermos não conseguem relembrar certos fatos, embora revelem desejo de relembrá-Ios. Considera essas lacunas da memória como devidas a mecanismos inconscientes e podem estar associadas a ilusões da memória ou a fabulações, que preenchem essas lacunas. Porém, a perturbação mais comum na memória dos histéricos refere-se à ordem cronológica das lembranças. Diz a esse respeito: "Surpreende a facilidade com que, mediante pequenas manobras sugestivas, conseguem recordar dados que pareciam definitivamente perdidos. Por todos esses caracteres, as amnésias histéricas dificilmente se confundem com as orgânicas, que mostram sempre um caráter mais delimitado e penetrante".